31/10/2016 10:33 - Copyleft
Martín Granovsky, para o Página/12'Lula é um inocente perseguido com mecanismos jurídicos'
Advogado relata casos que vão da manipulação de informações à intimidação de seus filhos por trabalhar na defesa do ex-presidente petista.
Cristiano Zanin Martins tem como cliente o presidente mais popular da história do Brasil. Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta, com a ajuda do seu advogado, a ira dos conservadores, que o desejam ver preso, ou ao menos inabilitado politicamente, para que não possa ser uma ameaça nas eleições presidenciais de outubro de 2018. Durante rápida passagem pela Argentina, Zanin Martins dialogou com o diário Página/12 e explicou porque diz que Lula é alvo de uma perseguição.
As campanhas contra Lula parecem avançar mais rápido que as causas contra ele. Segundo o instituto de pesquisas Vox Populi, o perseguidor penal de Lula, o juiz Sérgio Moro, ainda tem um respeitável 45% de popularidade, embora esse índice já tenha sido de 90% há poucos meses. O juiz não perde a oportunidade de se fazer mais famoso – entre suas aparições públicas, está a presença no lançamento do livro “Lava Jato: o juiz Sérgio Moro e os bastidores da operação que sacudiu o Brasil”, em alusão ao nome da investigação que ele comanda, e que tem Lula como alvo principal. O autor é o jornalista Vladimir Neto, da Rede Globo, que vendeu os direitos para uma série de televisão que a plataforma online Netflix levará ao ar em 2017. O experiente jornalista Elio Gaspari escreveu que, na lógica de pensamento de Moro “há algo de Savonarola”, um frade dominicano que exercia forte influência na política de Florença no Século XV, e que segundo Maquiavel tentou dividir a cidade em dois bandos: “um que milita com Deus, que era o bando dele, e os seguidores do diabo, que eram os seus adversários”.
– Não há nenhuma prova capaz de sustentar as acusações contra Lula na Operação Lava Jato – disse Zanin Martins ao Página/12, longe Florença e mais de cinco séculos depois de Savonarola – Não há nenhum indício, mesmo depois de que a Justiça investigou o ex-presidente, seus familiares, seus colaboradores, o Instituto Lula e a empresa de conferências LILS. As acusações são típicas de lawfare, ou seja, a manipulação das leis e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política. O conceito foi criado por Charles Dunlap, um advogado da Força Aérea dos Estados Unidos, para tipificar ferramentas que, a seu critério, punham em risco a segurança nacional de seu país. Mas nós o usamos com outro sentido, o utilizado, por exemplo, pelo catedrático de Harvard John Comaroff. Para ele, lawfare é uma forma de apelar a táticas legais coercitivas para dominar a um povo colonizado. Ele escreveu um libro, que cujo título traduzido seria “Lei e desordem na pós-colônia”. É um termo utilizado em referência ao fenômeno do uso abusivo e frívolo do direito, nacional ou internacional, como forma de alcançar objetivos militares, econômicos e políticos, eliminando, deslegitimando ou incapacitando o inimigo.
– Essas são as armas do uso de instrumentos legais para a guerra?
– Sim, são armas muito variadas. Acusações frívolas, plantação permanente de informações que sigam uma lógica amigo-inimigo, desmoralização do adversário, uso de recursos imorais ou amorais, sempre apontando o adversário como imoral, desconstruir sua imagem até fazê-la irreconhecível. Tudo isso se usa em warfare. Nós incluímos o tema em nossos escritos. É a primeira vez que o método de lawfare foi criticado judicialmente no Brasil.
– Qual é o ponto de partida da guerra em sua forma de lawfare?
– A premissa é que o lawfare busca perseguir a um inocente por mecanismos jurídicos. Lula é um inocente perseguido com mecanismos jurídicos.
– Não é a utilização dos mecanismos jurídicos normais o que a defesa de Lula questiona?
– Não.
– E seria considerado lawfare investigar a figuras prominentes envolvidas nos Panamá Papers?
– De jeito nenhum, porque nesse caso há uma realidade: o vínculo real com empresas offshore. A partir desse fato, da evasão de impostos, se torna uma hipótese verossímil. O caso de Lula é diferente, pois se trata de um cidadão inocente perseguido com o uso de mecanismos jurídicos que têm aparência de legalidade. Quando falamos denúncias frívolas, é porque elas não têm materialidade. Falta a sequência lógica, algo que estabeleça a conduta, a circunstância e a prova. As acusações não dão elementos de como, para eles, Lula teria cometido os delitos que eles acreditam que cometeu. Em meio a esse lawfare, eles também incluíram outros alvos ao inimigo principal, que são os filhos, a esposa… até os netos. E os métodos de pesquisa não são os corretos.
– Por exemplo?
– A famosa condução coercitiva do dia 4 de março. Para que aquilo se não havia nenhuma necessidade? Para acumular denúncias vazias. Desde que a Lava Jato começou, sempre esteve claro que o objetivo final era Lula. O juiz (Moro) inclusive autorizou grampos telefônicos em nosso escritório.
– Do seu?
– Efetivamente. Do escritório onde trabalham 25 advogados. Algo nunca visto no Brasil. E pior que isso, o conteúdo das ligações foi divulgado. Revelar esse conteúdo é um delito. O juiz, depois, disse que se equivocou. Que ordenou o grampo desse número porque acreditava que era o do Instituto Lula, através do qual ele organizava as conferências.
– Quem intercepta e quem grampeia ligações no Brasil?
– A Polícia Federal e o Ministério Público.
– O que ocorreu foi uma violação do devido processo?
– E também do direito à defesa, consagrado não só pela Constituição como pelas Nações Unidas, em tratados aos quais o Brasil aderiu. Mas tudo se está fazendo dessa maneira. Na semana passada, um chefe da Polícia Federal disse que os investigadores encontraram uma planilha de supostos subornos pagos pela empresa construtora Odebrecht. Contou que uma pessoa com o codinome de “Amigo” recebeu quatro milhões de reais. Esse chefe policial disse: “a meu entender, a pessoa com esse apelido é o Lula”. Assim, levianamente.
– Sem indícios?
– Nenhum indício. Inclusive explicou que ele não era o responsável pela investigação, mas que deixava registrada a suspeita para que outro chefe se encarregasse. Não deu motivo real algum, mas a partir daí a imprensa brasileira publicou: “Polícia Federal diz que `Amigo´ da Odebrecht é Lula”. Já revisaram toda a vida do Lula e de seus familiares, a partir de uma simples hipótese, sem indícios. Em nenhum dos casos encontraram elementos que comprovassem uma conduta ilegal. Tampouco uma conta secreta. Nem propriedades. Lula vive no mesmo apartamento há mais de 20 anos. Por isso falo em frivolidade. Alguns investigadores defendem a tese de que a corrupção no Brasil começou em 2003.
– Esse foi o ano em que Lula assumiu.
– Claro. A tese é que todo o governo foi um projeto político-criminal.
– Lula tem três processos contra ele em atividade, certo?
– Sim. A primeira foi aberta por suposta obstrução de justiça. Um senador, Delcídio do Amaral, fez o que se chama no Brasil de delação premiada. Um acordo na Justiça. Nesse depoimento, ele disse que Lula pediu para que impedisse a delação premiada de outra pessoa, porque isso o prejudicaria.
– É mentira?
– Não exibiram nem provas nem testemunhas. A delação por si só não é uma prova. Em todo caso, é o meio para se obter uma prova. Delcídio também declarou à revista Piauí que ele assinou o acordo após estar dias preso e isolado. Ou seja, sua delação, está viciada. O diário Folha de São Paulo publicou recentemente que outras delações premiadas foram rejeitadas nos últimos tempos, porque a Justiça só estimula as que tenham a ver com Lula, diretamente ou com algum tipo de menção possa comprometê-lo, por menor que seja. É o chamado “direito penal de autor”. Não importam os fatos. O único que importa é quem é o inimigo. E o “direito penal do inimigo”. Veremos o que acontece com este caso na audiência, que será no dia 8 de novembro.
– E o famoso triplex na praia de Guarujá, que seria propriedade de Lula?
– É a segunda causa. A acusação diz que Lula nomeou três diretores da Petrobras que formaram uma quadrilha com empresas construtoras para permitir que aumentassem seus lucros, através de desvios nos pagamentos de contratos da Petrobras. Em troca desse suposto favor, teriam dado o apartamento a Lula. A verdade é que Lula não formou parte de nenhuma quadrilha, e este caso é outro destes que não traz nenhum indício contra o ex-presidente. Dona Marisa, a esposa de Lula, pagou uma prestação do imóvel, entre 2005 e 2009, mas quando chegou o momento de fazer a compra, não havia nenhum apartamento como os que ela havia visto. Então, mostraram a ela outro. Lula também o viu e disse que não o queria, e pediu o dinheiro da prestação paga de volta. Foi a única vez que eles foram ao edifício. Qual foi o delito que cometeram? Para essa causa, o juiz ainda não marcou uma audiência.
– Qual seria o terceiro caso?
– O de, supostamente, ter exercido sua influência para conceder à Odebrecht sete bilhões de reais por parte do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
– Em troca de que?
– De um plano de saúde para o seu irmão e do pagamento de duas conferências que ele realizou em Angola. Ridículo. Ainda não foi citado. É tudo igual. O relator da Operação Lava Jato se chama João Pedro Gebran, do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre. É ele que deve revisar as atuações do juiz Moro. Num livro publicado em 2002, ele fala de sua amizade com Moro. Se Moro é parte, como poderá ser julgado por um amigo íntimo? Em vez de reparar nesses detalhes, que são importantes para avaliar se o princípio do devido processo está sendo respeitado ou violentado, o objetivo é criar condições de histeria coletiva para que as pessoas acreditem que não se trata de dirigentes políticos, mas sim de uma enorme quadrilha. Nós mesmo sofremos o resultado dessa histeria coletiva.
– Atacaram o estudo de advogados?
– Atacaram a minha família. Temos crianças de 5 e de 2 anos, que estão matriculadas num estabelecimento escolar de São Paulo. Em março, alguém induziu a um grupo de mães a se manifestar contra as crianças, porque eram filhos do advogado do Lula. A divulgação indiscriminada de acusações sem fundamento e sem dados corretos demoniza. Dá lugar a apenas um discurso e atenta contra a democracia. A ditadura cometeu crimes tremendos. Mortes, torturas e desaparições. Mas nem mesmo a ditadura atacou deste modo as prerrogativas dos advogados. O que temos aqui não é nem parlamentarismo nem presidencialismo. Talvez queremos viver num judicialismo? Não sei, mas voltando ao caso do Lula: dentro do Estado democrático de direito, não há outra possibilidade que não seja a sua absolvição.
– A menos que apareçam as provas.
– Mas o problema é que não há provas, não há sequer indícios, não há nada! Nem um fio sequer que leve a pensar que Lula cometeu um ato ilícito.
– A Justiça brasileira está usando el argumento de que Lula não podia não saber o que acontecia por baixo?
– Às vezes, mais que isso. Comparam a presidência como a cabeça de uma cadeia de mandos, como se as instituições fossem instituições militares. No caso do triplex, o palavreado usado é o de “comandante” e “general”.
– Como se fosse um crime de guerra.
– Até mesmo numa força militar se deve provar a subordinação direta. Mas, sabe o que acontece? Na Petrobras, as auditorias não registraram desvios. Tampouco foram encontradas pelo Conselho Fiscal, nem pelo Tribunal de Contas, nem pela Controladoria Geral, nem pelo Ministério Público, nem pela Polícia Federal. Nada! Lawfare.
Tradução: Victor Farinelli
As campanhas contra Lula parecem avançar mais rápido que as causas contra ele. Segundo o instituto de pesquisas Vox Populi, o perseguidor penal de Lula, o juiz Sérgio Moro, ainda tem um respeitável 45% de popularidade, embora esse índice já tenha sido de 90% há poucos meses. O juiz não perde a oportunidade de se fazer mais famoso – entre suas aparições públicas, está a presença no lançamento do livro “Lava Jato: o juiz Sérgio Moro e os bastidores da operação que sacudiu o Brasil”, em alusão ao nome da investigação que ele comanda, e que tem Lula como alvo principal. O autor é o jornalista Vladimir Neto, da Rede Globo, que vendeu os direitos para uma série de televisão que a plataforma online Netflix levará ao ar em 2017. O experiente jornalista Elio Gaspari escreveu que, na lógica de pensamento de Moro “há algo de Savonarola”, um frade dominicano que exercia forte influência na política de Florença no Século XV, e que segundo Maquiavel tentou dividir a cidade em dois bandos: “um que milita com Deus, que era o bando dele, e os seguidores do diabo, que eram os seus adversários”.
– Não há nenhuma prova capaz de sustentar as acusações contra Lula na Operação Lava Jato – disse Zanin Martins ao Página/12, longe Florença e mais de cinco séculos depois de Savonarola – Não há nenhum indício, mesmo depois de que a Justiça investigou o ex-presidente, seus familiares, seus colaboradores, o Instituto Lula e a empresa de conferências LILS. As acusações são típicas de lawfare, ou seja, a manipulação das leis e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política. O conceito foi criado por Charles Dunlap, um advogado da Força Aérea dos Estados Unidos, para tipificar ferramentas que, a seu critério, punham em risco a segurança nacional de seu país. Mas nós o usamos com outro sentido, o utilizado, por exemplo, pelo catedrático de Harvard John Comaroff. Para ele, lawfare é uma forma de apelar a táticas legais coercitivas para dominar a um povo colonizado. Ele escreveu um libro, que cujo título traduzido seria “Lei e desordem na pós-colônia”. É um termo utilizado em referência ao fenômeno do uso abusivo e frívolo do direito, nacional ou internacional, como forma de alcançar objetivos militares, econômicos e políticos, eliminando, deslegitimando ou incapacitando o inimigo.
– Essas são as armas do uso de instrumentos legais para a guerra?
– Sim, são armas muito variadas. Acusações frívolas, plantação permanente de informações que sigam uma lógica amigo-inimigo, desmoralização do adversário, uso de recursos imorais ou amorais, sempre apontando o adversário como imoral, desconstruir sua imagem até fazê-la irreconhecível. Tudo isso se usa em warfare. Nós incluímos o tema em nossos escritos. É a primeira vez que o método de lawfare foi criticado judicialmente no Brasil.
– Qual é o ponto de partida da guerra em sua forma de lawfare?
– A premissa é que o lawfare busca perseguir a um inocente por mecanismos jurídicos. Lula é um inocente perseguido com mecanismos jurídicos.
– Não é a utilização dos mecanismos jurídicos normais o que a defesa de Lula questiona?
– Não.
– E seria considerado lawfare investigar a figuras prominentes envolvidas nos Panamá Papers?
– De jeito nenhum, porque nesse caso há uma realidade: o vínculo real com empresas offshore. A partir desse fato, da evasão de impostos, se torna uma hipótese verossímil. O caso de Lula é diferente, pois se trata de um cidadão inocente perseguido com o uso de mecanismos jurídicos que têm aparência de legalidade. Quando falamos denúncias frívolas, é porque elas não têm materialidade. Falta a sequência lógica, algo que estabeleça a conduta, a circunstância e a prova. As acusações não dão elementos de como, para eles, Lula teria cometido os delitos que eles acreditam que cometeu. Em meio a esse lawfare, eles também incluíram outros alvos ao inimigo principal, que são os filhos, a esposa… até os netos. E os métodos de pesquisa não são os corretos.
– Por exemplo?
– A famosa condução coercitiva do dia 4 de março. Para que aquilo se não havia nenhuma necessidade? Para acumular denúncias vazias. Desde que a Lava Jato começou, sempre esteve claro que o objetivo final era Lula. O juiz (Moro) inclusive autorizou grampos telefônicos em nosso escritório.
– Do seu?
– Efetivamente. Do escritório onde trabalham 25 advogados. Algo nunca visto no Brasil. E pior que isso, o conteúdo das ligações foi divulgado. Revelar esse conteúdo é um delito. O juiz, depois, disse que se equivocou. Que ordenou o grampo desse número porque acreditava que era o do Instituto Lula, através do qual ele organizava as conferências.
– Quem intercepta e quem grampeia ligações no Brasil?
– A Polícia Federal e o Ministério Público.
– O que ocorreu foi uma violação do devido processo?
– E também do direito à defesa, consagrado não só pela Constituição como pelas Nações Unidas, em tratados aos quais o Brasil aderiu. Mas tudo se está fazendo dessa maneira. Na semana passada, um chefe da Polícia Federal disse que os investigadores encontraram uma planilha de supostos subornos pagos pela empresa construtora Odebrecht. Contou que uma pessoa com o codinome de “Amigo” recebeu quatro milhões de reais. Esse chefe policial disse: “a meu entender, a pessoa com esse apelido é o Lula”. Assim, levianamente.
– Sem indícios?
– Nenhum indício. Inclusive explicou que ele não era o responsável pela investigação, mas que deixava registrada a suspeita para que outro chefe se encarregasse. Não deu motivo real algum, mas a partir daí a imprensa brasileira publicou: “Polícia Federal diz que `Amigo´ da Odebrecht é Lula”. Já revisaram toda a vida do Lula e de seus familiares, a partir de uma simples hipótese, sem indícios. Em nenhum dos casos encontraram elementos que comprovassem uma conduta ilegal. Tampouco uma conta secreta. Nem propriedades. Lula vive no mesmo apartamento há mais de 20 anos. Por isso falo em frivolidade. Alguns investigadores defendem a tese de que a corrupção no Brasil começou em 2003.
– Esse foi o ano em que Lula assumiu.
– Claro. A tese é que todo o governo foi um projeto político-criminal.
– Lula tem três processos contra ele em atividade, certo?
– Sim. A primeira foi aberta por suposta obstrução de justiça. Um senador, Delcídio do Amaral, fez o que se chama no Brasil de delação premiada. Um acordo na Justiça. Nesse depoimento, ele disse que Lula pediu para que impedisse a delação premiada de outra pessoa, porque isso o prejudicaria.
– É mentira?
– Não exibiram nem provas nem testemunhas. A delação por si só não é uma prova. Em todo caso, é o meio para se obter uma prova. Delcídio também declarou à revista Piauí que ele assinou o acordo após estar dias preso e isolado. Ou seja, sua delação, está viciada. O diário Folha de São Paulo publicou recentemente que outras delações premiadas foram rejeitadas nos últimos tempos, porque a Justiça só estimula as que tenham a ver com Lula, diretamente ou com algum tipo de menção possa comprometê-lo, por menor que seja. É o chamado “direito penal de autor”. Não importam os fatos. O único que importa é quem é o inimigo. E o “direito penal do inimigo”. Veremos o que acontece com este caso na audiência, que será no dia 8 de novembro.
– E o famoso triplex na praia de Guarujá, que seria propriedade de Lula?
– É a segunda causa. A acusação diz que Lula nomeou três diretores da Petrobras que formaram uma quadrilha com empresas construtoras para permitir que aumentassem seus lucros, através de desvios nos pagamentos de contratos da Petrobras. Em troca desse suposto favor, teriam dado o apartamento a Lula. A verdade é que Lula não formou parte de nenhuma quadrilha, e este caso é outro destes que não traz nenhum indício contra o ex-presidente. Dona Marisa, a esposa de Lula, pagou uma prestação do imóvel, entre 2005 e 2009, mas quando chegou o momento de fazer a compra, não havia nenhum apartamento como os que ela havia visto. Então, mostraram a ela outro. Lula também o viu e disse que não o queria, e pediu o dinheiro da prestação paga de volta. Foi a única vez que eles foram ao edifício. Qual foi o delito que cometeram? Para essa causa, o juiz ainda não marcou uma audiência.
– Qual seria o terceiro caso?
– O de, supostamente, ter exercido sua influência para conceder à Odebrecht sete bilhões de reais por parte do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
– Em troca de que?
– De um plano de saúde para o seu irmão e do pagamento de duas conferências que ele realizou em Angola. Ridículo. Ainda não foi citado. É tudo igual. O relator da Operação Lava Jato se chama João Pedro Gebran, do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre. É ele que deve revisar as atuações do juiz Moro. Num livro publicado em 2002, ele fala de sua amizade com Moro. Se Moro é parte, como poderá ser julgado por um amigo íntimo? Em vez de reparar nesses detalhes, que são importantes para avaliar se o princípio do devido processo está sendo respeitado ou violentado, o objetivo é criar condições de histeria coletiva para que as pessoas acreditem que não se trata de dirigentes políticos, mas sim de uma enorme quadrilha. Nós mesmo sofremos o resultado dessa histeria coletiva.
– Atacaram o estudo de advogados?
– Atacaram a minha família. Temos crianças de 5 e de 2 anos, que estão matriculadas num estabelecimento escolar de São Paulo. Em março, alguém induziu a um grupo de mães a se manifestar contra as crianças, porque eram filhos do advogado do Lula. A divulgação indiscriminada de acusações sem fundamento e sem dados corretos demoniza. Dá lugar a apenas um discurso e atenta contra a democracia. A ditadura cometeu crimes tremendos. Mortes, torturas e desaparições. Mas nem mesmo a ditadura atacou deste modo as prerrogativas dos advogados. O que temos aqui não é nem parlamentarismo nem presidencialismo. Talvez queremos viver num judicialismo? Não sei, mas voltando ao caso do Lula: dentro do Estado democrático de direito, não há outra possibilidade que não seja a sua absolvição.
– A menos que apareçam as provas.
– Mas o problema é que não há provas, não há sequer indícios, não há nada! Nem um fio sequer que leve a pensar que Lula cometeu um ato ilícito.
– A Justiça brasileira está usando el argumento de que Lula não podia não saber o que acontecia por baixo?
– Às vezes, mais que isso. Comparam a presidência como a cabeça de uma cadeia de mandos, como se as instituições fossem instituições militares. No caso do triplex, o palavreado usado é o de “comandante” e “general”.
– Como se fosse um crime de guerra.
– Até mesmo numa força militar se deve provar a subordinação direta. Mas, sabe o que acontece? Na Petrobras, as auditorias não registraram desvios. Tampouco foram encontradas pelo Conselho Fiscal, nem pelo Tribunal de Contas, nem pela Controladoria Geral, nem pelo Ministério Público, nem pela Polícia Federal. Nada! Lawfare.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: reprodução
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