Gilmar: muito poder, nenhum pudor
Fernando Brito
Em ótima análise publicada por Luís
Costa Pinto no Poder360, de novo a figura espectral de Gilmar Mendes é
iluminada por quem aceita enxergar o óbvio e vê se desenvolver a movimentação
de quem é, sob a toga, o mais importante personagem do jogo subterrâneo (e já
nem tanto) de poder sem voto.
Os sinais de que se caminha para uma
eleição indireta de um presidente da República, à medida que o escasso capital
político de Michel Temer se desfaz e vai ficando evidente o risco fatal de não
se aprovar a emenda da Previdência nos padrões monstruosos em que se pretende,
aumentam sem parar. E, neste caso, ninguém tem o cacife de Gilmar Mendes, com a
ficha supervaliosa do “estancamento da sangria”.
Diz
Costa Pinto:
Mendes atua sem sutileza e sem cerimônia
a fim de constituir seu próprio nome como a alternativa. Considera-se o homem
providencial. As águas de março, que deram muito modestamente o ar da graça na
Capital da República esse ano, foram suficientes para fazer Gilmar Mendes
emergir sua vontade secreta de despir a toga trocando-a por capa e espada
imaginárias de herói (ou anti-herói). A identidade supostamente secreta do
ministro do STF, presidente do TSE, estava submersa a meia água e boiou na
lâmina do Lago Paranoá no transcurso desse verão.
Não há dia em que Gilmar Mendes deixe de
inventar ao menos um lance destinado a colocá-lo no centro dos peões do
tabuleiro.
A rainha já foi comida. O rei está
cercado. O bispo das pedras pretas seria ele.
Nos cochichos despudorados ou nas
polêmicas indecorosas, o Richelieu se apresenta. Mas age, claro, também nas
entranhas de um poder que se agiganta na pequenez de seus atos.
Se há vaga no Tribunal Regional Federal
da 5ª Região, Gilmar Mendes tem candidato. Se há vaga no TSE, idem. Vagou uma
cadeira no Supremo? Gilmar Mendes foi chamado a opinar entre Ives Gandra Filho
– tratorado de forma humilhante – e Alexandre de Moraes. Sinalizou para Moraes.
A cadeira de Moraes ficou vaga na Esplanada? Gilmar opinou na sucessão do
Ministro da Justiça. Debate-se uma reforma política destinada a dar novos
contornos ao ruinoso sistema eleitoral brasileiro? O que pensa Gilmar? Especulam
entre si os congressistas e muitos advogados.
Agora, até empresários e executivos
andam se fazendo essa pergunta e criando o fator “Gilmar” de ponderação. José
Serra fez 75 anos e merecia uma festa? Ninguém deu? Pois Gilmar Mendes a
promoveu – sem se importar, e sem ser cobrado por isso, se dentro de alguns
meses terá de vestir a toga para julgar Serra. O senador paulista será ao menos
denunciado na Lava-Jato, afinal sua campanha para a presidência em 2010 recebeu
US$ 23 milhões de dólares no exterior em ilegalidades confessadas por quem deu
o dinheiro – a Odebrecht – e por quem o recebeu – o ex-banqueiro Ronaldo César
Coelho. A desfaçatez do afago a um provável réu da Lava-Jato, promovido por um
ministro do Supremo Tribunal Federal, num convescote considerado “normal e
regular” por quem cobre o poder em Brasília, dá a medida da larga avenida por
onde passeiam as tropas de Gilmar Mendes.
O obstáculo natural à pretensão
presidencial, o voto popular, está providencialmente afastado por uma feliz
conjugação de fatores: um golpe afastou a titular do mandado e o vice que a
substitui tem a corda no pescoço no tribunal que Gilmar Mendes preside e
controla. E um vice, agora presidente, que não goza do apreço público e sequer
do respeito das elites. “É o que temos”, disse FHC, mas talvez o que logo não
se tenha.
A plataforma de lançamento do Movimento
Gilmar Presidente, contudo, ainda não pulou do submundinho quase virtual dos
bastidores de Brasília para a vida real. Sem ter a necessidade de cabalar votos
populares, precisará apenas da maioria num Congresso de 594 votantes se os
comandos dados forem seguidos à risca, quando estiver apta a fazê-lo será
também a véspera da decisão fatal.
E se você acha que Temer exerce o poder
sem pudor, espere para ver o que faria este personagem.
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