domingo, 2 de abril de 2017

Linguística Ambiental

Linguística Ambiental
HILDO DO COUTO
1. Introdução
Há um verdadeiro caos terminológico na ampla área da Ecolinguística, a despeito do fato de ela ainda ser relativamente jovem. Ela emergiu para valer só em 1993, mas já apresenta muitas ramificações, o que, a meu ver, é indício de vitalidade, uma vez que elas são manifestação de um dos conceitos mais caros aos estudiosos de Ecologia em geral, a diversidade. Entre os sub-ramos ou vertentes que se veem na literatura, poderíamos mencionar Ecolinguística Crítica, Linguística Ecocrítica, Linguística Ecossistêmica e e seu sub-ramo Análise do Discurso Ecológica (ADE). Tem-se falado também em Linguística Ecológica (ökologische Linguistik) e Ecologia Linguística (Sprachökologie). Aliás, Ecologia Linguística é uma designação alternativa para Linguística Ecossistêmica. Em 2017 foi lançada uma revista pela editora John Benjamins, de Amsterdam, justamente com o nome de Language Ecology, sob a direção de Umberto Ansaldo e Lisa Lim, ambos da Universidade de Hong Kong.
A esses sub-ramos da Ecolinguística é preciso acrescentar a Linguística Ambiental (LA). Na verdade, veremos que grande parte do que se faz em todos eles é Linguística Ambiental, exceto, talvez, o grosso do que é produzido no âmbito da Linguística Ecossistêmica que, na verdade, não exclui temas ambientais. Na literatura tem-se falado também em Análise do Discurso Ambiental (ADA). Seu objeto se interseccionaria com o da Linguística Ambiental e o da ADE. Como o próprio nome já diz, a ADA seria o estudo apenas de discursos ambientais.
A tese que pretendo defender neste artigo é a de que o que a maioria dos ecolinguistas fazem, sobretudo os europeus, é uma Ecolinguística que só pode ser assim chamada devido ao objeto de que trata, que são questões ambientais. Ademais, o estudo deve ser feito de uma perspectiva linguística, usando modelos teóricos linguísticos, mesmo quando o ensaio é produzido por não linguistas, como veremos abaixo. Por isso, ela deve ser chamada de Linguística Ambiental. Essa LA é apenas um ramo da ampla área da Ecolinguística em geral, como acaba de ser assinalado. Eu não estou propondo nada novo. A ideia de que ensaios que se dedicam a estudar textos/discursos de cunho ambiental se enquadram na Linguística Ambiental já está in nuce em vários ensaios, posteriores e anteriores ao surgimento da própria Ecolinguística no início da década de noventa do século passado.
É interessante notar que este não é o rumo que a Ecolinguística deveria tomar se tivesse seguido as ideias seminais do precursor Edward Sapir, em seu ensaio clássico "Language and environment" (1911), nem o que defendeu o pai da disciplina, Einar Haugen (1972). Sequer é o que se vê em um dos primeiros livros que traz o termo "ecolinguística" na capa (Makkai 1993) ou o que Trampe (1990) sugeriu. O que prevaleceu foi a proposta de Fill (1987, 1993), ou seja, uma espécie de análise do discurso aplicada a questões ecológicas como questões ambientais, de minorias, de defesa da diversidade em todos os níveis etc. Tudo isso é muito importante e bem-vindo, mas é preciso ir além, assumindo a visão ecológica de mundo (VEM), a partir da qual podemos seguir o dito de Roman Jakobson Linguista sum; linguistici nihil a me alienum puto, ou seja, eu "eu sou linguista: nada do que é linguístico me é estranho". Isso envolve a categoria ecológica do holismo. Envolve, outrossim, o que se faz em Linguística Ecossistêmica, que olha para língua tanto em sua exoecologia (exterioridade da língua) quanto em sua endoecologia (interioridade da língua, estruturas). Só assim se justifica o qualificativo de holística que lhe é atribuído.
Tem-se falado muito sobre o fato de não haver consenso entre os estudiosos que se intitulam ecolinguistas, como se unanimidade fosse algo necessariamente bom. Segundo o dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, "toda unanimidade é burra", ou seja, é justamente o contrário do que em geral se pensa, o importante é a diversidade. Diversidade de perspectivas no movimento ecolinguístico indica dinamismo, vitalidade, riqueza. A unanimidade de perspectiva seria índice de pobreza, assim como paucidade de espécies no ecossistema biológico é índice de fragilidade. 
2. As ciências ambientais
Deixando de lado a "teoria dos climas" de Montesquieu (1689-1755) que, infelizmente, não deixa de apresentar um ranço racista, podemos começar pela Antropogeografia do alemão Friedrich Ratzel (1844-1904) e sua discípula americana Ellen Semple. Embora não no sentido ecológico moderno, eles defendem a influência do meio físico no destino das sociedades de forma bastante convincente, sem o vezo racista existente por trás das ideias de Montesquieu, Gobineau e Hitler. A proposta não é racista porque vê a conformação do meio não como determinante mecânico dos destinos da humanidade, mas apresentando alguns caminhos que a humanidade poderia trilhar de modo mais fácil. Em seu Politische Geographie (1923) Ratzel dizia que "os humanos seriam inconcebíveis sem a superfície terrestre, bem como a sua maior realização no mundo, o estado" (p. 2), pois "o estado precisa viver da terra" (p. 3). Para ele, "as propriedades do estado emergem das do povo e das do solo" (p. 4). Vê-se, assim, que ele já antevia os três componentes do ecossistema linguístico, o território (T), o povo (P) e sua organização social, o "estado", que pressupõe uma sociedade, uma cultura, uma língua (L).
Ellen Semple é até mais incisiva e direta. Logo na primeira página de seu livro ela afirma que "o homem é um produto da superfície da terra. Isso significa não apenas que ele é filho da terra, poeira de sua poeira, mas que ela o amamentou, o alimentou, lhe atribuiu tarefas, direcionou seus pensamentos, lhe apresentou dificuldades que fortaleceram seu corpo e aguçou seu tirocínio, lhe apresentou problemas de navegação e irrigação e, ao mesmo tempo, lhe soprou nos ouvidos algumas sugestões de solução" (Semple 1911/1941). Ela acrescenta que "todo clã, estado ou nação inclui dois componentes: um povo e sua terra, sendo o primeiro impensável sem a segunda" (p. 51), o que, de novo e ainda que indiretamente, antecipa o tripé do ecossistema linguístico. Isso porque "as condições naturais determinam os canais pelos quais a corrente da humanidade flui mais facilmente, determinam até certo ponto a direção desse fluxo, a velocidade e o volume da corrente" (p. 6). Apesar disso, "a maior parte dos sistemas de Sociologia tratou do homem como se ele estivesse de alguma maneira fora da superfície terrestre; esses sistemas ignoraram a base terrena da sociedade" (p. 53). 
Em seguida à Antropogeografia, uma das primeiras disciplinas a falar em influência do meio nos humanos talvez seja a Psicologia. O psicólogo gestaltista Kurt Lewin afirmou que "em psicologia podemos começar a descrever a situação completa distinguindo aproximadamente a pessoa (P) e seu meio (M). Todo evento psicológico depende do estado da pessoa e, ao mesmo tempo do meio, embora a importância relativa de cada um deles varie em diferentes situações. Assim, podemos estabelecer a fórmula para qualquer evento psicológico como C = f(PM)" (Lewin 1936, p. 12). Essa fórmula deve ser lida assim: o comportamento (C) é função (f) da pessoa (P) no seu meio (M). Aí temos mais um precursor do ecossistema linguístico, composto de povo (P), se comportando (L) no seu meio (M=T). A expressão "psicologia ambiental" surgiu mais tarde, talvez ao lado de "ecopsicologia". Um dos pioneiros da Ecopsicologia é Rozsak (2001) desde a época dos hippies. Günther & Rozestraten (2005, p. 1) apresentam a "A definição de Psicologia Ambiental como o estudo das relações (recíprocas) entre os fenômenos psicológicos (comportamentos e estados subjetivos) e variáveis ambientais físicas" (ver também Günther 2005). Tanto sob uma quanto sob outra designação há diversas correntes, como, por exemplo, as praticadas por Urie Bronfenbrenner e Mitchell Tomashow, para mencionar apenas mais dois autores.
A relação entre Sociologia e meio ambiente recua pelo menos à década de 20 do século passado, com a Escola de Sociologia de Chicago, tendo à frente Robert E. Park e Ernest W. Burgess. Eles acreditavam que o entorno em que se localiza a comunidade, no caso a cidade de Chicago, tem uma forte influência sobre o comportamento humano. Partindo de conceitos da Psicologia Social, como interacionismo simbólico, e a etnografia (ecologia) – George Mead e John Dewey defendiam a ideia de que terra, cultura e população formam um todo inseparável, exatamente como na linguística ecossistêmica –, eles demonstraram que muitos dos comportamentos anômicos tinham a ver com a grande aglomeração de pessoas em pouco espaço (Plummer 1998). Mediante mapas, mostravam que alguns problemas se concentravam em determinadas regiões da cidade, que geralmente se expandia a partir do centro em círculos concêntricos, as chamadas zonas: a do comércio, no centro; a área de favelas, em torno da zona central; a da classe trabalhadora, depois da central; depois, vinha a zona residencial e, por fim, a zona da classe rica. Park, por exemplo, falava em Ecologia Humana. O fato é que essa escola foi uma das que mais influência tiveram no surgimento da Sociologia nos Estados Unidos, formando muitos dos grandes nomes mundialmente conhecidos.
Mais de meio século mais tarde, Catton Jr. & Dunlap (1979) defenderam a Sociologia Ambiental (Dunlap & Catton 1979), que se enquadraria em um novo paradigma para as ciências, o "paradigma ecológico" (Catton & Dunlap 1980). Esse novo paradigma não concorda com o "paradigma do excepcionalismo humano", contrapondo a ele o "paradigma ecológico". Os "pesquisadores que focalizam o meio ambiente físico, construído ou natural, rechaçam o princípio de Durkheim de que fatos sociais podem ser explicados somente com outros fatos sociais (Catton & Dunlap 1980: 255). Segundo esses autores, "a característica fundamental da sociologia ambiental é a importância atribuída ao meio ambiente como um fator que pode influenciar o comportamento humano e ser influenciado por ele". Enfim, a "sociologia ambiental examina as inter-relações entre o meio ambiente físico e o complexo social" (p. 251, 252). Como levam em consideração o meio ambiente físico, eles levam o ecossistema também em consideração. Como seria de se esperar, há uma grande diversidade de opiniões na área, que aparecem inclusive sob a rubrica "ecossociologia".
Existe ainda a Antropologia Ecológica, ou Ecoantropologia, de que há um ótimo apanhado histórico em Neves (1996, p. 19-21). O autor apresenta três estágios sucessivos no desenvolvimento da disciplina. O primeiro "caracteriza-se pela retomada do evolucionismo na Antropologia e pela demonstração de que o meio ambiente deve ser reconhecido como um fator gerador do processo cultural", como se pode ver na obra de Leslie White e Julian Steward, nas décadas de 40 e 50. No segundo período, década de 60, sobressaem-se os neofuncionalistas. Na obra de Roy Rappaport e Andrew Vayda, o conceito de ecossistema foi usado pela primeira vez. O terceiro período, a partir da década de 80, caracteriza-se por "uma crítica contundente aos modelos de equilíbrio homeostático defendidos pelos neofuncionalistas, ao incorporarem a visão ecossistêmica no estudo das populações humanas". É nesse momento que surge a Ecologia Humana. O termo "antropologia ambiental" tende a não ocorrer. 
Há outras ciências "eco-" e/ou "ambientais', tais como a Ecoarquitetura, a Ecofilosofia e outras. A Ecofilosofia se tornou bastante popular quando o filósofo e ambientalista Arne Naess a adotou, sob o nome de Ecosofia, criando a Ecologia Profunda em seu seio (Couto 2012: 49-67). Esta última teve uma forte influência na versão da Linguística conhecida como Linguística Ecossistêmica Crítica ou Análise do Discurso Ecológica. Praticamente toda ciência humana tem uma vertente ecológica. A Ecolinguística ao que parece foi uma das últimas disciplinas da área de humanas a incluí-la em sua agenda. É verdade que em 1911 tivemos o texto "Linguagem e meio ambiente" de Edward Sapir e que, em 1970, Einar Haugen falou em ecology of language. No entanto, foi só em 1993 que ela começou a decolar, com Fill (1993), na Alemanha, e Makkai (1993), na Inglaterra. No Brasil ela começou com Couto (2007).

3. Linguística Ecossistêmica, Análise do Discurso Ecológica e Análise do Discurso Ambiental
A fim de tentar esclarecer um pouco mais o aparente caos terminológico que domina a Ecolinguística mundial, gostaria de expor nossa versão dela, a Linguística Ecossistêmica (LE) – assim chamada por razões óbvias –, e como ela se insere nesse complexo. Para entendê-la, é preciso aceitar a visão ecológica de mundo (VEM), principalmente como defendida por Capra (1998). O nome alternativo da LE é Ecologia Linguística (Sprachökologie), em que o substantivo é "ecologia" e "linguística" adjetivo, contrariamente à Linguística Ecológica (ökologische Linguistik), com "linguística" como substantivo e "ecológica" como adjetivo. Os autores em que a LE se baseia são Peter Finke, Wilhelm Trampe e Hans Strohner. A LE não usa conceitos da Ecologia como meras metáforas, como faz a maioria dos ecolinguistas. Pelo contrário, ela é parte da Ecologia geral (Macroecologia), portanto, erige seu arcabouço epistemológico a partir de dentro da Ecologia. Ela é uma disciplina da Ecologia.
Por ser parte da Ecologia, seu conceito inicial é o de ecossistema linguístico, constituído de um povo (P), vivendo em seu território (T) e com seus membros interagindo entre si pelo modo tradicional de interagir localmente, sua linguagem (L). A figura 1 mostra o ecossistema integral da língua, no interior do qual se pode detectar o meio ambiente integral da língua. Esse ecossistema pode ser encarado como comunidade de língua e comunidade de fala, expostas pormenorizadamente em Couto (2016).

Por perfilhar a VEM, a LE encara seu objeto de modo holístico. Como ninguém é onisciente, não consegue estudar tudo, o linguista ecossistêmico recorta um segmento do complexo fenômeno da linguagem que deseja pesquisar, usando a ecometodologia, o método da focalização (Garner 2004), ou seja, escolhendo uma perspectiva. O refinamento da perspectiva começa no fato de se detectarem três outros ecossistemas linguísticos no interior do ecossistema integral da língua, o natural (1), o mental (2) e o social (3), representados na figura 2 (Couto (2015).

Pelo fato de a LE encarar seu objeto de modo abrangente, ela acabou desenvolvendo uma variante dedicada aos textos/discursos, a Análise do Discurso Ecológica (ADE). Contrariamente às demais ADs, a ADE pode analisar todo e qualquer tipo de discurso, não apenas aqueles que têm um cariz ideológico e de relações de poder, como se pode ver em Couto, Couto & Borges (2015) e em Couto & Couto (2015). Tanto a ADE quanto a LE em geral são ecológicas ontológica (pelo objeto de estudo), epistemológica (pela teoria) e metodologicamente (pelo método de abordagem dos fenômenos linguísticos). Elas não são ecológicas apenas pelo objeto, como sói acontecer (Couto a sair).
Na LE e em seu sub-ramo ADE é possível estudar-se todo e qualquer fenômeno da linguagem. No entanto, se o investigador preferir, pode lançar mão de algumas de suas sub-ramificações, tais como Linguística Ambiental, Análise do Discurso Ambiental, além das que foram mencionadas acima, na seção introdutória.
Vejamos um quadro sinótico da Ecolinguística e suas subdivisões, como se vê nas antologias publicadas e como foi sucintamente exposto acima. Primeiro, exponho a proposta de classificação de Couto (2012: 30): Ecolinguística Crítica, Análise do Discurso Ecocrítica, Linguística Ambiental, Ecolinguística Dialética, Linguística Ecossistêmica, Ecologia das Línguas, Etnoecologia Linguística, Neurolinguística, Ecologia da Evolução Linguística, Ecologia da Aquisição de Língua, Biodiversidade e Linguodiversidade. Não é uma boa classificação, pois Neurolinguística é outra disciplina, independente; "biodiversidade e linguodiversidade" são áreas de investigação, não áreas da Ecolinguística. Por isso, atualmente prefiro a classificação a seguir.

Ecolinguística:
1. Ecolinguística Crítica;
2. Linguística Ecocrítica;
3. Ecologia das Línguas (estudo e gestão do multilinguismo);
4. Linguística Ambiental;
5. Análise do discurso Ambiental;
6. Linguística Ecossistêmica / Ecologia Linguística;
6.1. Análise do Discurso Ecológica
6.2. Todos os itens de 1 a 5 podem entrar aqui.

Todos os itens de 1 a 5 podem entrar em 6.2, ou seja, na Linguística Ecossistêmica. Isso se justifica pelo fato de ela encarar seu objeto holisticamente. Com ela, o investigador pode se debruçar sobre todo e qualquer fenômeno linguístico e, o que é melhor, de uma perspectiva unificada, a da visão ecológica de mundo. Trocado em miúdos, a Linguística Ecossistêmica poderia ser um ponto, uma perspectiva de unificação ecológica das ciências da linguagem, com o que sairíamos do aparente "caos" terminológico. Mas, se o investigador preferir, pode continuar usando qualquer uma das rubricas de 1 a 6, como, por exemplo, a Linguística Ambiental, tema deste artigo. Na verdade, "Linguística Ecossistêmica" poderia ser o item 1, com os demais incluídos nele, uma vez que ela é abrangente, holística. Desse modo, a classificação ficaria aproximadamente assim:

1. Linguística Ecossistêmica
1.1. Linguística Ecossistêmica Crítica / 1.2. Análise do Discurso Ecológica
1.1.1. Ecolinguística Crítica
1.1.2. Linguística Ecocrítica
1.1.3. Linguística Ambiental
1.1.4. Análise do Discurso Ambiental

Há muitas intersecções e sobreposições entre as diversas sub-áreas. Mas, isso é inevitável, dada a divisão do trabalho na ciência existente nos dias atuais. Na verdade, há uma espécie de competição darwiniana entre elas. De qualquer forma, essa segunda classificação parece ser um bom caminho para "pôr ordem no caos terminológico". Talvez com alguns ajustes, como ADA vindo logo após ADE. Mas, isso é de somenos importância. Este assunto merece um tratamento mais pormenorizado, o que não pode ser feito aqui.
Gostaria de salientar que a Linguística Ambiental só é ecológica pelo objeto de estudo. Muitos, se não todos, os demais ramos da Ecolinguística, exceto a Linguística Ecossistêmica, são ecológicos em geral pelo objeto e pelo fato de às vezes pinçarem conceitos da Ecologia Geral (como sustentabilidade, diversidade etc.) e os transplantar para o estudo dos fenômenos da linguagem. A Linguística Ecossistêmica, por seu turno, é ecológica pela teoria, por incluir questões ecológicas em seu âmbito de interesse e pela metodologia. Como demonstrei em Couto (a sair) ela é ecológica pela epistemologia, pela ontologia e pela metodologia.

4. A emergência de uma linguística ambiental: breve histórico
Comecemos por um breve esboço histórico. Eu já encontrei os termos environmental linguistics (inglês), linguistique environnementale (francês) e linguistica ambientale (italiano). Um termo alemão que parece expressar o conceito que defendo no presente artigo seria Umweltlinguistik (linguística do meio ambiente/ambiental), mas ele não foi encontrado. Por outro lado, Umweltpsychologie e Umweltsoziologie apareceram. Em português, talvez o primeiro uso do termo "linguística ambiental" tenha sido feito em Couto (2007), exceto, talvez, usos esporádicos fora da linguística. A designação "linguística ambiental" aproximaria a disciplina da "sociologia ambiental", "psicologia ambiental" e "antropologia ambiental, entre outras, pelo menos nominalmente.
Aparentemente, o primeiro linguista a utilizar a expressão "linguística ambiental" por escrito foi Maher (1995) – há versões anteriores desse texto –, embora não exatamente no sentido em que ela está usada no presente contexto. Tratando da situação sociolinguística do Japão, ele salienta que a realidade está longe de ser tão uniforme e padronizada como em geral se pensa. À semelhança de diversos outros países, como a Alemanha, que inspirou o modelo japonês, o ideal é ter uma língua comum, uma língua nacional como um símbolo identificador do estado; linguístico-ecossistemicamente isso corresponde à língua estatal. Com isso, ignora-se a diversidade existente no arquipélago, como os dialetos tohoku, ininteligíveis a falantes de outros dialetos, os dialetos de Okinawa e até a obsolescente língua ainu de Hokkaido. Ignora-se também a linguagem dos burakumin, uma espécie de intocáveis, de párias do passado. Isso para não falar nas diversas línguas de imigrantes. Enfim, Maher está preocupado com a ecologia das línguas e dialetos. Não é por acaso que o livro em que seu ensaio aparece se intitule justamente Diversity in Japanese culture and language, de que ele é um dos organizadores (Maher & MacDonald 1995).
O segundo uso do termo aparece em Harré, Brockmeier & Mühlhäusler (1999). Como é nessa obra que ele foi usado no sentido mais próximo do que lhe é atribuído no presente artigo, deixo o comentário do que esses autores disseram para a seção seguinte.
O terceiro uso do termo que encontrei é o feito por Francesco Grande. Ele considera sua "linguistica ambientale" uma tradução do inglês ecolinguistics. Acrescenta que "o uso linguístico de uma comunidade é influenciado pela estrutura ambiental (ingl. ecological structure) e, consequentemente, que um sistema de vida nômade produz uma fragmentação da comunidade que se reflete na multiplicidade linguística". Por fim, "se a estrutura ambiental se modifica, o uso linguístico também se modifica: quando o nomadismo passa ao sedentarismo, a multiplicidade linguística será normativizada pelo poder central". Ele disse tudo isso a propósito do árabe, que está longe de ser uma língua homogênea. Pelo contrário, algumas de suas variedades parecem mais línguas diferentes do que dialetos (Grande 2006/2007: 55, 56). Enfim, para Grande "linguística ambiental" é aproximadamente o que Haugen dizia de ecology of language, ou seja, a ecologia das línguas. As ideias de Grande lembram as de Ratzel e Semple vistas acima.
O termo "linguística ambiental" tem sido usado em sentidos que nada têm a ver com linguística. É o caso de Environmental Linguistics: A Typology of Visual Factors in Shopping Malls de John D. Woods & Edward H. Sewell Jr. In: Roberts Braden et al. [orgs.] 1993. Art , Science and Visual Literacy  I.  Blacksburg, VA: The International Visual Literacy Association, Inc.). Para os autores, "o meio ambiente deve ser considerado uma forma de comunicação, com a linguística ambiental como uma nova disciplina". Nesse caso, o meio ambiente construído é tratado como um tipo de linguagem. No contexto de um curso de comunicação visual, os autores entrevistaram 64 estudantes. O objetivo era comercial, embora tenham acrescentado que "já é tempo de aprendermos a linguagem do meio ambiente e promover o letramento espacial" (p. 185ss.).
Como já mencionado acima, é em Harré, Brockmeier & Mühlhäusler (1999) que "linguística ambiental" é usada na acepção mais próxima da que eu lhe atribuo. Eles usam a expressão apenas de passagem no começo, mas todo o livro pode ser usado em um curso de Linguística Ambiental. Tanto que na primeira linha do Prefácio (p. vii), eles dizem que "o tópico deste livro é o discurso do ambientalismo", acrescentando logo em seguida que esse discurso inclui tanto os que são "a favor da preservação do status quo quanto os trabalhos dos críticos e reformadores". O nome dado por eles a esse objeto de estudo é greenspeak, que tenho traduzido por verdilíngua, que se apresentaria sob a forma de vários dialetos.
No capítulo I, os autores falam dos discursos ambientais, que são o objeto da linguística ambiental. No II, apresentam os fundamentos linguísticos para esse tipo de estudo, passando ao "uso retórico da ciência" no III. O capítulo IV fala das "narrativas ambientais". No V exploram o poder das metáforas, muito valorizadas na linguística por Mühlhhäusler. Os capítulos VI e VII são dedicados à dimensão temporal e à etno-ecologia, respectivamente. Um capítulo central na proposta do livro é o VIII, chamado de "Linguistics as environmentalism", um tanto inapropriadamente a meu ver. Por fim, o capítulo IX fala dos domínios moral e estético do ambientalismo. Trata-se de uma longa enumeração, mas que se justifica pelo fato de se tratar de uma espécie de "Manual de Linguística Ambiental".
Tanto na Inglaterra quanto, posteriormente, na Austrália (Adelaide), Peter Mühlhäusler ministrou cursos e orientou pesquisas de alunos no contexto da Linguística Ambiental, fato confessado por ele logo no capítulo I do livro. Antes de se aposentar, ele teve uma intensa atividade nesse sentido, incluindo questões como morte de língua, minorias linguísticas, diversidade linguística e seu valor para a pujança da cultura de um povo e a questão do desenvolvimento e suas consequências no meio ambiente, tarefa a que Luisa Maffi se dedica com afinco (cf. www.terralingua.org). Uma de suas fontes confessas é Halliday (2001). Em Mühlhäusler (2003), o assunto "linguística ambiental" é retomado, embora sob a rubrica de "ecolinguística". 
Enfim, o termo "linguística ambiental" tem aparecido em lugares e tempos diferentes, com acepções as mais diversas. Por exemplo, em seu texto "Ecolinguistics: state of the art 1998" na coletânea ecolinguística The ecolinguistics reader, Alwin Fill menciona a expressão "linguística ambiental" para questões ecológicas e ambientais, mas prefere "language ecology" e "linguistic ecology" (Fill 2001: 46). É uma pena, pois a acepção que ele recusou é aproximadamente a que eu atribuo ao termo. Ocorreu também no texto de Nadège Lechevrel "Intertwined histories of ecolinguistics and ecological approaches of language(s): Historial and theoretical aspects of a research paradigm" (2009), embora en passant. Entre os cinco modelos que ela acha que podem ser identificados na Ecolinguística atualmente, figura "Eco-critical discourse analysis in discourse analysis", que considera uma designação alternativa para "environmental linguistics". Infelizmente, a autora não fez nenhum comentário sobre a expressão. De qualquer forma, isso mostra que o conceito que ela expressa estava pairando no ar.

5.  O que é linguística ambiental?
Vimos acima que a Linguística Ambiental foi mencionada pela primeira vez no Brasil em Couto (2007: 337). Couto (2012: 31) apresenta uma das primeiras tentativas de conceituação de LA. De acordo com a autora, "a chamada linguística ambiental também tem muitos representantes, quando não por ser muito afim à ecolinguística crítica. Um dos praticantes mais famosos é Peter Mühlhäusler. Mas, em português mesmo temos pelo menos dois, quais sejam, Rui Ramos (da Universidade do Minho, Portugal) e Adelaide Ferreira (da Universidade de Coimbra). A análise do discurso ecocrítica vai na mesma direção".
Pouco depois, Couto (2013) salientou que um equívoco em relação à Ecolinguística é confundi-la com estudo do ambientalismo, das questões ambientais, da crítica à devastação e poluição do nosso meio vital". O texto acrescenta que "realmente existe um ramo da disciplina que poderia ser chamado de linguística ambiental, como o que faz Mühlhäusler, juntamente com outros autores" (cf. Harré, Brockmeier & Mühlhäusler 1999). No texto, lê-se ainda que "apesar de lembrar a 'sociologia ambiental' de Catton e Dunlap, a linguística ambiental é aproximadamente o mesmo domínio a que se dedica a ecolinguística crítica ou linguística ecocrítica". A conclusão é que todas essas vertentes "podem ser acolhidas no seio da ecolinguística, inclusive porque ela tem uma visão abrangente, holística, dos fenômenos da linguagem" (Couto 2013: 281-282).
Minha proposta é de que a Linguística Ambiental seja o estudo, a análise, a crítica de textos/discursos que falam de temas ambientais, quer sejam eles ambientalmente corretos, quer tratem de acontecimentos antiambientais ou pseudoambientais. O importante é que o objeto desse texto/discurso tenha a ver com ambientalismo e o estudo tenha sido feito por um linguista, de qualquer orientação, ou por não linguistas usando algum modelo teórico linguístico, como as diversas versões da Análise do Discurso. É justamente por isso que ela tem o nome que tem, Linguística Ambiental. Vimos que para Harré, Brockmeier & Mühlhäusler (1999) ela pode tratar também de outras questões, como as que se veem em Halliday (2001). Basicamente, porém, LA é o estudo de questões que tenham a ver com o ambientalismo.
Na expressão "linguística ambiental", o substantivo é "linguística", ao passo que "ambiental" é o adjetivo, vale dizer, o modelo teórico é a linguística, enquanto que seu objeto são as questões ambientais, o ambientalismo. Do mesmo modo, na Linguística Ecossistêmica se tem chamado a atenção para o fato de que seu nome alternativo é Ecologia Linguística, em que o substantivo é "ecologia", e "linguística" o adjetivo, o que implica que se trata de uma ciência ecológica que se debruça sobre os fenômenos da linguagem. Contrariamente à grande maioria dos ecolinguistas europeus e, frequentemente, não europeus, a Linguística Ecossistêmica (ou Ecologia Linguística) não pinça conceitos da ecologia e os transplanta para o domínio da Linguística. Pelo contrário, o linguista ecossistêmico está dentro da Ecologia Geral (Macroecologia), a partir de onde estuda fenômenos linguísticos.
A LA pode se dedicar a texto/discursos que falem de toda e qualquer questão ambiental, usando ou não um modelo teórico de cunho ecológico. O que faz dela "ambiental" é basicamente o objeto, não necessariamente a teoria, nem a metodologia, como acontece na Psicologia Ambiental (Günther). O que há de "ecológico" na própria linguagem que usam são expressões como "eco-", "natural", "orgânico", "ambientalmente correto", "amigo do meio ambiente" etc. Às vezes toma-se posição contra ideologias como antropocentrismo, etnocentrismo, androcentrismo/machismo etc. Pode acontecer de se usarem conceitos ecológicos, mas declaradamente como metáforas, posição adotada por Harré, Brockmeier & Mühlhäusler (1999) e Mühlhäusler (2003). Acontece que isso pode ser feito de pontos de vistas teóricos os mais variados, como veremos mais pormenorizadamente na seção 6.
Um ensaio é considerado como inserto no âmbito da LA se, no mínimo, lidar com textos/discursos ambientais e for escrito por um linguista. Disse "no mínimo" porque ele pode ainda conter metáforas ecológicas, como faz grande parte dos ecolinguistas europeus, e/ou usar diversos conceitos ecológicos ou relacionados com ecologia. Enfim, qualquer ensaio produzido por um linguista, sobretudo se ele se considera ecolinguista, e tratar de temas ambientais será um ensaio em LA. É, portanto, uma sub-área bastante abrangente da Ecolinguística, que já é abrangente. Porém, nem tudo que tratar de temas ambientais é linguística ambiental. Por exemplo, se um sociólogo, um psicólogo ou um antropólogo se debruçar sobre esses temas, o que teremos é Sociologia Ambiental, Psicologia Ambiental, e assim sucessivamente, mesmo que diga aproximadamente a mesma coisa e da mesma maneira que um linguista diria.
A LA é definida basicamente por ter como objeto um tópico ambiental, quando tratado por um linguista ou, pelo menos, quando se parte da perspectiva linguística, por exemplo, baseando-se em algum modelo teórico linguístico. Ela é um dos ramos da Ecolinguística em geral. Quem a pratica é ecolinguista, mas no sentido de que se dedica ao estudo de textos/discursos sobre questões ambientais, independentemente do modelo teórico utilizado. Do mesmo modo, a Linguística Ecossistêmica também é Ecolinguística, porém, com mais razão pois, como vimos, ela é ecológica pelo objeto de estudo, pela teoria e pela metodologia (Couto a sair).
Vejamos uma evidência de que o que estou chamando LA é o que a maioria dos ecolinguistas faz. Em cinco coletâneas publicadas desde 1996, eu contei um total de 75 textos. Desses 49 se dedicam a temas ambientais e, uns poucos, a questões de minorias. Os 26 restantes tratam de teoria. A estatística a favor das questões ambientais e de minorias é maior ainda nos textos publicados em Language and ecology, órgão da International Ecolinguistics Association, disponível em www.ecoling.net.
Devo ressaltar que há autores que não aceitam a ideia de que a Ecolinguística deveria se dedicar apenas à defesa do meio ambiente e à defesa das minorias, tarefa nobilíssima, a que a própria Linguística Ecossistêmica pode se dedicar. O único problema é que a essa defesa não deve ser a única finalidade de nossa disciplina, como defendem alguns autores de renome. Um deles é Salikoko Mufwene que, embora não se intitule ecolinguista, o que ele faz está perfeitamente em consonância com os princípios linguístico-ecossistêmicos. Na Alemanha, temos os ecolinguistas Peter Finke, Wilhelm Trampe e Hans Strohner. Finke foi um dos primeiros a sugerir o uso de ecossistema. Trampe deu seguimento a suas propostas. Strohner, por fim, não só fez o mesmo como foi o primeiro autor usar a expressão "linguística ecossistêmica" por escrito. Na Austrália, temos Joshua Nash e seu ex-orientador, Peter Mühlhäusler. Acabamos de ver que Mühlhäusler trata de temas ambientais também, mas não só. Ele vê o objeto da Ecolinguística holisticamente.
Recentemente o Editor de Resenhas da publicação Language and ecology, da International Ecolinguistics Association, enviou um convite a potenciais resenhadores de 11 livros de "ecolinguística e assuntos relacionados". Nenhum deles, porém, porta sequer a palavra "linguística" na capa. Dois deles eram de Ecocrítica (ecocriticism), um da área da Psicologia, sendo que nenhum dos demais era escrito por algum dos ecolinguistas internacionalmente conhecidos.
Por fim, nos congressos ecolinguísticos internacionais, as questões ambientais, de minorias, de línguas ameaçadas e assuntos assemelhados dominam avassaladoramente. Por exemplo, em um deles, os eixos temáticos foram: (1) Diversidade linguística e biológica; (2) Língua e problemas ambientais; (3) Como temas ambientais aparecem em textos? (4) Como o sistema linguístico transporta ideias ecológicas e antiecológicas? (5) Sistemas linguísticos mundiais como eco-sistemas. Só o último deles não tem a ver diretamente com o objeto da Linguística Ambiental.
6. Alguns ensaios de linguística ambiental mesmo que avant la lettre
Estudos que se enquadram na Linguística Ambiental como aqui proposta antecedem de muito o próprio surgimento da Ecolinguística como disciplina, que começou com Fill (1993) e Makkai (1993). O que é mais, nesse caso incluem-se tanto os que foram feitos no âmbito da Ecolinguística (ver comentário sobre as coletâneas feito acima), portanto, de 1990 em diante, quanto ensaios anteriores, cujos autores provavelmente nunca ouviram falar em Ecolinguística. O fato é que grande parte dos textos que se intitulam ecolinguísticos só o são por tratarem de temas ambientais, antiambientais, pseudoambientais, enfim, por criticarem textos/discursos que querem se passar por ambientalmente corretos sem o serem, por terem sido produzidos de alguma perspectiva linguística. Muitos desses ensaios ecolinguísticos usam o arcabouço teórico da Análise do Discurso Crítica de Fairclough ou outro modelo teórico. A única coisa que eles têm de ecológico é o objeto de estudo. No entanto, preenchem as duas exigências básicas para se qualificarem como sendo de Linguística Ambiental: tratam de temas ambientais e são produzidos da perspectiva linguística, inclusive da Linguística Ecossistêmica, sobretudo de sua variante Análise do Discurso Ecológica.  A seguir, apresento três exemplos brasileiros.
O primeiro é Carvalho (1989). Vejamos como a própria autora resume o conteúdo de sua dissertação de mestrado (p. VI):
Destacamos duas matrizes discursivas que interpretam o acontecimento ecológico: o discurso ecológico oficial e o discurso ecológico alternativo. O primeiro é aquele enunciado pelas instituições governamentais e intergovernamentais. Opera dentro dos limites do pensamento liberal, propondo estratégias ecológicas compatíveis com o desenvolvimento industrial capitalista. O segundo está ligado aos setores do movimento ecológico que empreendem uma crítica radical ao modo de produção capitalista, à cultura urbano-industrial, e à razão ocidental. Aponta soluções baseadas em modos não predatórios de produção, bem como numa outra ética das relações entre os homens. Constitui-se no contexto dos chamados novos movimentos sociais e produz, através de uma prática política diferenciada, novos valores e novos sujeitos sociais. Esses discursos lutam, de seus lugares antagônicos, por territórios de significação, disputando a hegemonia da interpretação do acontecimento ecológico.
A dissertação foi produzida por uma especialista em educação ambiental e defendida no Departamento de Psicologia da Educação da Fundação Getúlio Vargas. Vale dizer, nem a especialidade da autora nem a instituição têm algo a ver com estudos da linguagem. É bem verdade que ela cita Fritjof Capra, Foucault e a especialista em Análise do Discurso francesa pêuchetiana Eni Orlandi. Ela fala de "discurso ecológico oficial" e "discurso ecológico alternativo" de modo genérico, extralinguístico. Mesmo assim, se alguém tirasse a data do texto e dissesse que se trata de um ensaio colinguístico, ninguém acharia estranho. Tanto que alhures eu a chamei de uma dissertação ecolinguística avant la lettre. O importante no presente contexto é que ela pode perfeitamente ser qualificada como uma dissertação em Linguística Ambiental, quando não porque cita uma linguista e um filósofo da linguagem para falar de dois tipos de discurso ambiental.
O segundo trabalho é Csillag (1999). Trata-se de uma outra dissertação de mestrado, também da Fundação Getúlio Vargas. Eis o resumo:

O trabalho utiliza algumas ferramentas da Semiótica para realizar uma análise do discurso ambiental das empresas. Assim, analisa os pormenores que se encontram por trás do discurso oficial das empresas, chegando ao discurso real, ou que está nas entrelinhas do que é oficialmente divulgado. Na análise do discurso, também é feita uma análise do papel ético e da responsabilidade social das empresas na sociedade. Uma vez encontrado o discurso real, o trabalho apresenta uma orientação para a formulação de futuros discursos empresariais ambientais.

Essa dissertação emergiu no âmbito da Administração de Empresas, utilizando "ferramentas da Semiótica". Mesmo assim, ela já é bem mais "linguística" do que a dissertação de Carvalho, mesmo porque foi orientada pelo conhecido linguista Izidoro Blikstein. Como cita também muitos ecologistas e ambientalistas, pode perfeitamente ser enquadrada no âmbito da LA. O resumo está aí para confirmar essa conclusão. Com efeito, para ser qualificado de Linguística Ambiental, basta tratar de questões ambientais e ser feito por linguista ou, pelo menos, apoiar-se em trabalhos de linguistas. A dissertação foi escrita apenas seis anos após a publicação dos dois primeiros textos ecolinguísticos seminais mencionados acima.
A dissertação de Menezes (2008) foi produzida um ano após a publicação do primeiro livro de Ecolinguística no Brasil (Couto 2007). Vejamos seu resumo:
Este trabalho busca analisar a composição discursiva sobre questões ambientais presentes no jornalismo impresso em dois jornais de Minas Gerais. O estudo enviolveu a leitura e análise de matérias jornalísticas do Estado de Minas e do Hoje em Dia no período entre maio e junho de 2007, marcado pela temática aquecimento global e o Dia Mundial do Meio Ambiente. Para a operacionalização da análise foi usada a metodologia da análise do discurso francesa, proposta por Maingueneau, Brandão e Orlandi. A importância de analisar tal composição discursiva está no fato de que hoje, os processos de comunicação acontecem em redes, e mudanças profundas e irreversíveis nos processos de produção e intercâmbios simbólicos estão presentes na sociedade contemporânea, afetando, como nunca se viu antes, a vida das pessoas. A abordagem do tema ambiental permite interpretar a essência de uma interface global midiática. Por conseguinte, a análise da mídia permite detectar o papel importante que ela tem na divulgação de políticas públicas nacionais e internacionais desta área. Com certeza, isso evidencia seu caráter de formadora de opinião. Diante dessas abordagens que se instituem, como a mídia tem apresentado as questões ambientais e por que são assim expostas? Para tanto se faz necessário discutir como as matérias jornalísticas se fazem. A pesquisa tem por objetivo analisar o discurso ambiental presente nos jornais Estado de Minas e Hoje em Dia, através dos gêneros informativos e opinativos; identificar as ações nas quais as questões ambientais estão presentes e caracterizar as estratégias discursivas presentes nos jornais. A interpretação dos dados analisados permitiu evidenciar, entre outros resultados, que o discurso ambiental presente nos jornais mineiros remete a outros discursos como a predominância das fontes oficiais e o destaque à racionalidade econômica associada aos pressupostos do desenvolvimento sustentável.

A despeito do fato de a dissertação ter sido produzida em um mestrado em Extensão Rural, não resta a menor dúvida de que se trata de um trabalho de LA. A autora analisa o discurso ambiental de dois jornais mineiros com objetivos claramente ambientalistas. As fontes teóricas utilizadas são de linguistas, além de diversos outros autores. Os dois motivos básicos que justificam sua inclusão na LA é o ter tratado de tema ambiental e usado obras linguísticas como base teórica. Das três monografias acadêmicas, a de Menezes é, ironicamente, a que foi produzida no âmbito do curso mais distante da área de letras.
É altamente provável que Carvalho, Csillag e Menezes nunca tenham ouvido falar em Ecolinguística. No entanto, vimos que seus ensaios se adéquam perfeitamente ao arcabouço da LA. Isso mostra a abrangência desse ramo da Ecolinguística que, por si só, já é bastante abrangente. Repitamos, para determinado ensaio ser considerado um estudo em Linguística Ambiental basta atender dois requisitos: tratar de assunto ambiental e ser feito a partir de algum modelo teórico linguístico, quer o autor seja linguista, quer não.
Há outras teses e dissertações muito semelhantes às três que acabam de ser comentadas. Por exemplo, a dissertação de mestrado de Cristina Zanella Rodrigues, “As mudas romperam o silêncio”: discurso ecológico e movimento campesino, foi defendida na Universidade Católica de Pelotas (RS), em 2009, na área de Letras. Por ter sido escrita por uma linguista e sobre questão ambiental, pode ser considerada como uma monografia de Linguística Ambiental. A tese de doutorado de Cristina Pontes Bonfiglioli, Discurso ecológico: a palavra e a fotografia no Protocolo de Kyoto, 2008, mesmo que com menos razão, também pode ser uma tese de Linguística Ambiental, mesmo tendo sido defendida na Escola de Comunicações e Artes da USP, ou seja, na área de comunicação. A autora fala da questão ambiental e usa pelo menos Foucault como base teórica.

7. Observações finais
Diante da tese que defendo, pode parecer que eu seria contra o ambientalismo ou contra quem se dedica a ele. Pelo contrário. Os praticantes de Linguística Ecossistêmica podem se dedicar, e têm se dedicado, ao ativismo ambiental. Alguns de seus praticantes são dedicados ativistas do ambientalismo. A única diferença relação à LA e ao que fazem muitos ecolinguistas é que, ao fazê-lo, o fazem a partir de seu sub-ramo Análise do Discurso Ecológica (ADE). Isso se deve ao fato de ambas serem parte do ramo da Ecolinguística chamado Linguística Ecossistêmica, que seria um ponto de convergência, um ponto de união das diversas tendências existentes no interior da Ecolinguística. Se se dispensasse o termo "ecolinguística" e se adotasse a Linguística Ecossistêmica, todas as questões mencionadas acima teriam guarida em algum de seus ramos e sub-ramos. 
Ensaios feitos por sociólogos sobre questões ambientais, sem usar literatura linguística, em princípio pertencem à Sociologia Ambiental; os feitos por psicólogos, à Psicologia Ambiental, e assim sucessivamente. Do mesmo modo, os ensaios sobre assuntos ambientais feitos da perspectiva linguística pertencem à Linguística Ambiental.  Repetindo, teremos um ensaio de Linguística Ambiental sempre que o tema tratado for uma questão ambiental analisada por um linguista ou por alguém que utilize pelo menos parcialmente fontes linguísticas. 

Referências
Capra, Fritjof. 1998. Pertencendo ao universo. São Paulo: Cultrix, 10ed.
Carvalho, Isabel Cristina Moura. 1989. Territorialidades em luta: uma análise dos discursos ecológicos. Fundação Getúlio Vargas, dissertação de mestrado em Psicologia da Educação.
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Trampe, Wilhelm. 1990. Ökologische Linguistik: Grundlagen einer ökologischen Wissenschafts- und Sprachtheorie. Opladen: Westdeutscher Verlag.

*     *     *     *     *

APÊNDICE
NOTA: Sugestão de programa para um curso de Linguística Ambiental de um semestre. Trata-se de mera sugestão. O programa pode ser ampliado, aumentado, diminuído, parcial ou totalmente, enfim, adaptado às necessidades do professor e dos alunos. Os números entre parênteses na Bibliografia remetem ao item do programa no qual ele pode ser utilizado.

LINGUÍSTICA AMBIENTAL

1. A Ecolinguística
2. Linguística Ambiental e seu lugar na Ecolinguística
3. Outras disciplinas ambientais, como Psicologia Ambiental e Sociologia Ambiental.
4. O ambientalista: caracterização e pequeno histórico
5. Teoria linguística a ser utilizada (pode ser uma das variantes da Análise do Discurso)
6. Estudo de alguns ensaios que se enquadram no âmbito da Linguística Ambiental
7. Análise de textos/discursos sobre catástrofes naturais
8. O tratamento dado pele mídia impressa e televisiva sobre a devastação do meio ambiente para a agropecuária
9. A educação ambiental
10. Um estudo de caso (sugestão: Ramos 2013).

Bibliografia [ver também as Referências do artigo].
Alexander, Richard. 2015. Sobre a necessidade de submeter o discurso ambiental contemporâneo à investigação reflexiva. ECO-REBEL v. 1, n. 2, p. 30-52 (5-8).
http://periodicos.unb.br/index.php/erbel/article/view/16524/11767 (acesso: 22/03/2017)
Couto, Hildo Honório do. 2007. Ecolinguística: estudo das relações entre língua e meio ambiente. Brasília: Thesaurus. Seção  VI (caps. 2, 3, 4, 5); seção VII (caps. 2, 3, 4, 5); seção VIII (cap. 3).
_______; Couto, Elza; Araújo, Gilberto; Albuquerque, Davi. (orgs.). 2016. O paradigma ecológico nas ciências da linguagem: Ensaios ecolinguísticos clássicos e contemporâneos.  Goiânia: Editora da UFG (nesta coletânea há textos sobre todos os tópicos do programa).
Fill, Alwin. 2015. Ecolinguística: a história de uma ideia verde para o estudo da linguagem. ECO-REBEL v. 1, n. 1, p. 7-18 (5-8).
http://periodicos.unb.br/index.php/erbel/article/view/15123/10834  (acesso: 22/03/2017).
Fill, Alwin & Peter Mülhlhäusler (orgs.). The ecolinguistics reader. Londres: Continuum (1).
Harré, Rom, Jens Brockmeier & Peter Mühlhäusler. 1999. A study of environmental discourse. Thousand Oaks, Cal.: Sage Publications (2).
Mühlhäusler, Peter. 2003. Language of environment, environment of language: a course in ecolinguistics. Londres: Battlebridge (obre itens de 1 a 8).
Ramos, Rui. 2009. O discurso do ambiente na imprensa e na escola: Uma abordagem linguística. Lisboa: fundação Calouste Gulbenkian / Fundação para a Ciência e Tecnologia (7, 8, 9).
_______. 2013. O rei de Espanha foi caçar elefantes: A construção discursiva do evento nos media portugueses. Cadernos de linguagem e sociedade v. 14, n. 1, p. 17-40 (7, 8, 10).
_______. 2015. O ambiente como argumento final na imprensa brasileira. ECO-REBEL v. 1, 1, p. 95-106.
POSTADO POR HILDO DO COUTO ÀS 15:18 NENHUM COMENTÁRIO:
TERÇA-FEIRA, 28 DE JUNHO DE 2016

Ecossistema cultural

As línguas formam um grande ecossistema cultural

(Gilberto Gil)

1. Introdução
A afirmação de Gilberto Gil não é necessariamente verdadeira, mas aponta na direção certa. Isso porque o grande cantor e ex-Ministro da Cultura associa "língua" a "ecossistema cultural". Gil só não acertou ao deixar implícito que um mero conjunto de línguas, ou o conjunto de todas elas, formaria um "ecossistema cultural". Na verdade, os ecossistemas culturais existem e estão associados a língua, mas no sentido de esta fazer parte daqueles. O ecossistema cultural compreende, em seu interior, o ecossistema linguístico. Pode até conter mais de um ecossistema linguístico. Isto porque a língua é parte da cultura, como os antropólogos vêm defendendo há várias décadas.

É bem verdade que hoje em dia há uma tendência para se falar em "ecossistema" de tudo (espiritual, virtual etc.), de certa forma banalizando o conceito. No entanto, o conceito de ecossistema cultural faz sentido. Tanto que ele está implícito e às vezes claramente explícito em muitos ensaios antropológicos, uma vez que a antropologia é a ciência que mais tem a ver com a questão da cultura. Por exemplo, Lewis Morgan (1818-1881) e Edward Tylor (1832-1917) associaram língua e cultura já no século XIX. Aliás, a definição de Tylor vem sendo repetida até hoje. O antropólogo Franz Boas (1858-1942) não só associou as duas como chegou a escrever ensaios sobre línguas indígenas norte-americanas. Seu discípulo Edward Sapir (1884-1939) foi mais longe, tornando-se uma espécie de dublé de antropólogo e linguista. De fato, ele é conhecido, respeitado e frequentemente citado em ambas áreas. Foi até mesmo o primeiro a escrever um ensaio dedicado à relação entre língua e meio ambiente (Sapir 2016).
Segundo Neves (1996), a antropologia ecológica começou com Leslie White (1900-1975), que restaurou o pensamento evolutivo na antropologia. Em seguida Julian Steward (1902-1972) introduziu o método da ecologia cultural a fim de "resgatar dentro da Antropologia o conceito de meio ambiente como fator gerador de cultura" (p. 34), contrariamente à ideia tradicional de que "cultura vem de cultura". Por fim, Andrew Vayda e Roy Rappaport opuseram a ecologia humana à ecologia cultural de Steward, introduzindo o conceito de ecossistema na antropologia, com enfoque na população.
Do lado linguístico, podemos citar Kenneth L. Pike, que tem uma visão ampla da língua, inserindo-a em um contexto antropológico mais amplo, chegando mesmo a se aproximar do que hoje se chama de ecolinguística. Foi ele que propôs a distinção entre visão 'ética' e 'êmica', dos fenômenos linguísticos e culturais, hoje moeda corrente entre os antropólogos, partindo dos conceitos linguísticos de 'fonética' e 'fonêmica', sendo esta o nome que o estruturalismo americano dava ao que na Europa era chamado de fonologia. A primeira é a perspectiva de quem está de fora, enquanto que a segunda é a de quem está dentro e conhece a estrutura e o funcionamento da cultura. Infelizmente, porém, muitos antropólogos atuais vivem anos a fio junto a um grupo indígena, assimila sua cultura, e sua língua, espera-se, mas não dão um exemplo sequer de dado linguístico. É como se a língua não fosse parte da cultura, e a mais importante.
2. Ecossistema biológico e ecossistema linguístico
Sabemos que a variante da ecolinguística chamada linguística ecossistêmica tem esse nome por partir do ecossistema, que é o conceito central da ecologia geral ou macroecologia. Na ecologia biológica temos, obviamente, o ecossistema biológico, que consta de uma população (P) de organismos vivos (animais ou vegetais), seu habitat ou território (T) e as interações (I), tanto interação organismo-mundo quanto interações organismo-organismo. A totalidade de P, T mais I forma o ecossistema biológico, no interior do qual T é o meio ambiente de P. Veremos logo a seguir que meio ambiente da língua é um tanto diferente, pois ele equivale ao que seria o meio ambiente de I. Portanto, o 'meio ambiente da língua' é o locus das interações que constituem a língua (natural, mental, social). Isso equivale a dizer que o 'meio ambiente' de I (interações ecológicas) é o lugar em que essas interações se dão.
No ecossistema linguístico temos exatamente os mesmos componentes, motivo pelo qual a variante brasileira da ecolinguística é chamada de linguística ecossistêmica, também conhecida como ecologia linguística. Isso quer dizer que se trata de uma disciplina que está em pé de igualdade com a ecologia biológica, embora inclua também a ecologia social (p. ex., a ecologia humana, a ecologia social, a sociologia ambiental etc.) e a filosófica (p. ex., a ecologia profunda). Se na ecologia biológica o conceito central é o de ecossistema biológico, na ecologia linguística (linguística ecossistêmica) o conceito central é o de ecossistema linguístico. Ele consta de uma população ou povo (P) que só o é por seus membros conviverem em um lugar, que é seu meio ambiente ou território (T). Por conviverem nesse território, interagem (I) entre si e com o ambiente. A única diferença entre o ecossistema linguístico e o biológico, se é que se pode dizer que se trata de diferença, é que no ecossistema linguístico as interações recebem o nome de língua (L), de modo que o ecossistema linguístico é a totalidade PTL (L=I). Esse ecossistema tem sido representado, em sua forma geral, como se vê na figura 2. É claro que esse ecossistema contém três outros em seu interior, ou seja, o ecossistema natural, o mental e o social, como se pode ver na postagem "Linguística ecossistêmica", entre outras, deste mesmo blog.
Aqui as interações são também de dois tipos: interação pessoa-pessoa, equivalente à interação organismo-organismo, e interação pessoa-mundo, equivalente a interação organismo-mundo. Linguístico-ecossistemicamente, as interações pessoa-pessoa são chamadas de comunicação e as interações pessoa-mundo são conhecidas como referência, nomeação, denotação ou significação.
Assim como a propriedade definidora do ecossistema biológico são as interações, não os organismos nem seu habitat em si, a propriedade central do ecossistema linguísico são as interações linguísticas, a comunicação, ou melhor, a interação comunicativa. Esta, por sua vez, insere-se em uma ecologia da interação comunicativa (EIC). Sempre que dois membros da comunidade linguística, outro nome para ecossistema linguístico, se engajam em uma interação comunicativa produzem uma sequência de atos de interação comunicativa, cujo fluxo é chamado de diálogo ou fluxo interlocucional. Em cada ato de interação comunicativa (AIC) os interlocutores se comunicam referindo-se a algo exterior à linguagem. Por outro lado, só se referem a algo comunicando-se. Os dois aspectos estão inextricavelmente interligados.
3. O que vem a ser ecossistema cultural?
Antes de falar de ecossistema cultural é importante averiguar o que vem a ser cultura. A palavra é derivada do verbo latino cólere (cultivar, plantar), via particípio passado cultus. Até hoje no Brasil rural se ouve a expressão "terra de cultura", para terra boa para plantar. Marco Túlio Cícero (106–43 a.C), usando a metáfora agrícola, falou em cultura animi, algo como "cultura do espírito", com a intenção de distinguir a parte espiritual dos humanos como algo "superior" à mera materialidade, ideia que persiste até hoje em algumas acepções da palavra 'cultura'. Diversos antropólogos têm tentado definir o termo desde pelo menos final do século XIX, como Lewis H. Morgan e Edward B. Tylor. Tylor disse em seu clássico Primitive culture (1871) que cultura é "a complexa totalidade que inclui conhecimento, crenças, artes, moralidade, lei, costumes e qualquer outra capacidade ou hábito adquirido pelo homem como membro de uma sociedade". Portanto, para ele "cultura" está exclusivamente no nível social/espiritual. Outros autores incluíram a "cultura material", sobretudo quando começaram a fazer pesquisas etnográficas, caso do antropólogo americano Leslie White. A cultura material incluiria a tecnologia, a arquitetura e a arte, entre outras. A definição do dicionário Aurélio, também inclui a dimensão material, como se vê no termo "materiais" da definição de que cultura é "o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e doutros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade". Para uma visão panorâmica da antropologia cultural, pode-se consultar Stagl (1974).
Para as finalidades do presente ensaio, cultura pode ser tida como tudo que faz parte do acervo de um povo, mas que não pertence exclusivamente à natureza, embora isso não signifique que cultura se oponha a ela. Na verdade, natura existe sem cultura, mas cultura não existe sem natura. Bookchin (1993) diz que a cultura é uma 'segunda natureza', dependente da 'primeira natureza' e sobreposta a ela. Nesse sentido, cultura é de natureza semiótica, sobretudo no sentido da semiótica de Peirce: tudo que se encontra no contexto de determinado povo representa algo para ele. Seus membros podem referir-se a tudo em suas interações comunicativas quotidianas. Essa é a concepção implícita em Eco (1974) e em Couto (1981, 1982, 1999). De certa forma, cultura é constituída de signos (indiciais, icônicos e simbólicos), organizados em códigos, ou seja, cultura é linguagem.
O semioticista estruturalista russo Iuri. M. Lotman analisou a cultura como sistema semiótico em relativo detalhe, usando como exemplo a cultura medieval por oposição á cultura renascentista. Enquanto que a primeira preferia ver no mundo o que tinha valor semiótico, de signo, a segunda enfatizava os realia. Na Idade Média, o valor dos humanos se resumia ao papel de reflexos da imagem de Deus, como parte dele, enquanto que no Renascimento o que importava eram os humanos como seres de carne e osso, não como imagens (signos) de Deus. Para Lotman, a cultura é um conjunto de códigos (linguagens), em que a língua é o código principal, ou seja, para ele a cultura é verbocêntrica. Para o que aqui interessa, é importante ressaltar que na proposta do autor, fica implícito que toda mensagem (resultado de atos de interação comunicativa) pode conter ingredientes dos mais variados códigos da cultura (Lotman 1979). 
Com isso, podemos tentar dar uma conceituação de ecossistema cultural. Trata-se dados signos e sistemas de signos de determinada comunidade, ou seja, tudo que é compartilhado por seus membros, tanto no nível material como no imaterial. Por ser compartilhado, pode eventualmente ser usado em atos de interação comunicativa, e o são. O primeiro de todos os ingredientes da cultura é a língua. Mas aí entram também os gestos, as crenças, os usos e costumes, os artefatos, aí inclusas as casas, os monumentos, as ferramentas e muito mais. Eco (1974) apresenta um conspecto relativamente detalhado do ecossistema cultural, embora sem usar o termo. Como se pode ver na figura 3, a representação do ecossistema cultural é homóloga à do ecossistema linguístico apresentado acima.
Esse tripé deve ser lido da seguinte forma: para que haja uma cultura (C) é necessário que preexista um povo (P) convivendo em determinado lugar, que é seu território (T). O C no caso, ou seja, a cultura, seria tudo que P fez, faz e fará. No "fez" está o acervo guardado na memória e que garante a identidade do grupo. No "faz" estão os padrões de ação, no como lavram a terra, plantam, colhem, enfim, os modos tradicionais de agir, inclusive de comunicar. Tanto que uma das primeiras definições antropológicas de cultura foi a de que ela é "the ways of a people" (os modos [de se comportar] de um povo"). No "fará" estão os planejamentos e investimentos para o futuro, como a educação dos jovens.
Deixando de lado as definições de cultura e seus componentes pelos antropólogos, desde pelo menos final do século XIX, o ecossistema cultural como um todo vem sendo discutido por autores como Eco (1974), Preziosi (1977), entre muitos outros. No contexto do que viria a ser a linguística ecossistêmica, eu venho incluindo a língua em um contexto cultural mais amplo desde Couto (1981), usando " L" de "linguagem" em geral no lugar de "C" de "cultura". Por esse motivo, língua ficou representada por l1, ao lado dos demais sistemas de signos culturais, ou seja, das demais linguagens, que seriam l2, l3 até ln. Assim, l2, poderia ser o conjunto de regras culturais de comportamento, l3 seria a linguagem do sistema jurídico, l4 corresponderia à linguagem do trânsito e assim por diante. Nesse caso, eu falava em "cultura como um conjunto-universo de códigos" (p. 11-19). Numa publicação do ano seguinte, cultura foi vista como "um sistema de signos" (Couto 1982: 65-91), no contexto da gramática estratificacional, atualmente 'linguística neurocognitiva'. Entre os componentes da cultura, mencionavam-se as estruturas conceptuais, as atividades, os grupos sociais, os papéis e padrões comportamentais, as taxonomias (botânicas, zoológicas, topográficas etc.) e a língua. Em Couto (1999, seção 7.3), o assunto foi retomado no contexto da formação e transformação das línguas pidgins e crioulas, já com um pendor para a ecolinguística.
Como se pôde ver, a cultura foi tomada como uma macrolinguagem, que compreendia a língua, de uma perspectiva semiótica, ou seja, da perspectiva dos signos que formam as diversas linguagens. Daí o uso da palavra 'código', como designação do todo, ou seja, a linguagem, que unifica os diversos grupos de signos culturais em um todo. Foi mostrado que essas linguagens podem ser multissígnicas, ou seja, conter uma quantidade quase imensurável de signos, como a língua, e até unissígnicas, como uma pedrinha que ficava em cima da mesa do professor antigamente, e que podia ser pega por qualquer aluno que desejasse ir ao banheiro, sem pedir licença ao professor. Se a pedrinha não estivesse lá, teoricamente ninguém podia ir ao banheiro. Tratava-se de uma linguagem (código) que constava de um único signo. Entre os dois extremos, temos os mais variados tipos de linguagem/código, compreendendo quantidades as mais variadas de signos.
Podemos encarar o ecossistema cultural de mais de uma perspectiva. De uma delas, podemos dizer que ele consta de cultura imaterial e cultura material. Como o próprio nome já sugere, a cultura material inclui tudo que é de natureza física, como os artefatos, os padrões de construção, os monumentos, as cidades, as esculturas, as roupas, os garfos etc. A cultura imaterial, por seu turno, açambarca tudo que caracteriza determinado povo, mas que não seja de natureza física. É o caso da língua, das tradições, das festividades, dos modos de comportamento etc. De acordo com uma perspectiva que privilegia a língua, temos, por um lado, a língua e, por outro, objetos, fatos ou fenômenos. Os objetos/fatos podem ser (a) naturofatos, (b) artefatos, (c) mentefatos e (d) sociofatos.
Gostaria de salientar que, da perspectiva ecossistêmica aqui adotada, a distinção 'cultura material x cultura imaterial' é interessante uma vez que implica que há um entrelaçamento entre elas. O que é mais, a o termo 'imaterial' é derivado de 'material' mediante a adjunção do prefixo in-. Isso está em sintonia com a tese do filósofo da linguagem e ecolinguista alemão, Peter Finke, e do proponente da ecologia social, Murray Bookchin. De acordo com eles, cultura emerge de natura. Mas, quem comparou explicitamente as inter-relações entre ecossistema cultural e ecossistema linguístico foi Trampe (2002), dando continuidade à proposta original de Finke.
A língua é o componente mais importante da cultura de um povo, abrangendo a maior parte dela, como se pode visualizar na figura 4 abaixo. Os naturofatos associados à cultura de determinada comunidade compreendem tudo que pertence à natureza física, mas que tem algum valor simbólico para seus membros. Um dos casos mais conhecidos é o Monte Fuji, que é um símbolo do Japão, a cem quilômetros de Tóquio. Qualquer pessoa que tenha um mínimo de informação, ao vê-lo, saberá que está no Japão, pois o monte está nele. O Pão de Açúcar é um símbolo do Rio de Janeiro e, até certo ponto, também do Brasil. O canguru é um símbolo da Austrália. Dizem que os finlandeses têm cerca de sete símbolos nacionais que são seres da natureza. O panda-gigante da China parece ser outro exemplo. Para aplacar a reação dos naturófobos (aqueles que têm horror a associar fenômenos humanos/sociais a fenômenos naturais), podemos recorrer ao signo indicial de Peirce (1972: 115-134). De acordo com ele, o signo indicial (por oposição ao icônico e ao simbólico) se refere à coisa referida por estar naturalmente associado a ela. É o caso do continente pelo conteúdo (como o Monte Fuji e o Pão de Açúcar), e vice-versa, da parte pelo todo ("braço" por "trabalhador"), e vice-versa, da seta indicando determinada direção etc. Talvez seja um exagero incluir aqui os sete presumíveis naturofatos finlandeses, pois naturofato precisaria ser reconhecido inclusive pelos não finlandeses.
Entre os artefatos mais conhecidos de algumas culturas do mundo poderíamos mencionar, em um nível macro, a Muralha da China, a Torre Eiffel, a Torre de Pisa, o Cristo Redentor e a Estátua da Liberdade. No caso específico da cultura brasileira, temos ainda artefatos culturais como a cuíca, o berimbau, as estátuas em geral, os quadros de pintura, o formato das casas, a vestimenta, enfim, praticamente tudo que pertence ao que foi chamado de cultura material. Os mentefatos são constituídos por tudo que for de caráter psíquico nos indivíduos de determinado povo. Eu não tenho muita coisa dizer sobre o assunto. No entanto, fenômenos como sensação, percepção/percepto, imaginação, memória, cognição/conceito e outros parece pertencerem a esse domínio, uma vez que todos eles são de natureza intelectual. Há também os de natureza emocional, como prazer, dor, excitação, amor/ódio, emoção, stress/depressão, irritação, alegria etc., além dos de natureza volitiva como vontade, desejo, pulsão, enfim, as volições e nolições.
Os sociofatos, por seu turno, constituem a esmagadora maioria dos dados da cultura, sendo que para alguns antropólogos ela seria constituída só de sociofatos. De qualquer forma, gostaria de salientar as regras culturais (RC) ou comportamentais. Elas podem complementar as regras interacionais da linguística ecossistêmica, logo, ser usadas nos atos de interação comunicativa. Na verdade, todo e qualquer elemento da cultura de um povo pode ser usado na interlocução entre quaisquer dois de seus membros. Apesar de algumas das primeiras definições de cultura incluírem apenas os sociofatos, acabamos de ver que não podemos deixar de lato os naturofatos e os mentefatos. Podemos representar sinoticamente os componentes da cultura da seguinte forma:
Cultura:
1) Língua: a) regras interacionais, b) regras sistêmicas.
2) Objetos/fatos: a) naturofatos, b) artefatos, c) mentefatos, d) sociofatos.
É importante ressaltar que o ecossistema discutido em Couto (2016) constituía, juntamente com as comunidades vizinhas, o ecossistema cultural rural. Ele se opunha ao ecossistema cultural urbano, vigente nas cidades. Naquela época, de cerca de 1941/2 a 1957, as regiões rurais brasileiras tinham muito pouco contato com as cidades, motivo pelo qual sua língua e cultura eram bastante diferentes das respectivas variedades urbanas. Cada polo dessa oposição tinha alguma ideia do que era a outra, mas apenas uma vaga ideia. Eram mundos diferentes. O ecossistema cultural rural é centrípeto, voltado para si mesmo, pois a lide diária pela sobrevivência não dá tempo às pessoas para grandes elucubrações teóricas. O ecossistema urbano, ao contrário, é centrífugo, com habitantes de cada cidade voltados para a cidade maior (Rio de Janeiro, São Paulo etc.), e as elites desta voltadas para a Europa e os Estados Unidos. Isso a despeito de grande parte dos residentes nas cidades serem de origem rural.
Pelo menos aparentemente, não há um "ecossistema cultural estatal", para manter o paralelo com as variedades da língua chamadas de dialeto estatal, dialeto urbano e dialetos rurais naquele ensaio. Isso mostra mais uma vez que a língua estatal é uma realidade artificial, abstrata, induzida das realidades linguísticas concretas. Não existe um ecossistema estatal que a englobe e lhe dê identidade.
Repitamos, tudo que faz parte do ecossistema cultural pode ser usado para o entendimento nos atos de interação comunicativa. No caso da comunidade de fala recém-mencionada, elementos da natureza (naturofatos) como a arvinha, a serra da Capetinga e outros eram parte do respectivo ecossistema cultural. A primeira era um local de as crianças brincarem, ao passo que a segunda era observada para se ver se viria chuva. Enfim, praticamente todos os microtopônimos, como elementos físicos, pertenciam ao ecossistema cultural local, além do nome que tinham. Consequentemente, podiam ser usados, e eram usados, para o entendimento nos atos de interação comunicativa.
4. Inter-relações entre ecossistema linguístico e ecossistema cultural
Ja vimos que quem primeiro comparou cultura e língua de uma perspectiva ecossistêmica de modo explícito foi Wilhelm Trampe, como se pode ver em Trampe (2002) e outras publicações do autor. No entanto, implicitamente as duas já vinham sendo comparadas desde as primeiras reflexões antropológicas sobre cultura. A ideia de se comparar as duas no contexto do que viria a ser a linguística ecossistêmica, porém, recua a Couto (1981). Depois ela foi retomada em Couto (1983: 34-36) e ampliada em Couto (1999). No entanto, o conceito como tal, associando explicitamente língua e cultura, foi apresentado pela primeira vez em Couto (2016). Nada do que apresentei nesses ensaios era novidade, pois os antropólogos já vinham discutindo o assunto desde pelo menos o final do século XIX, como vimos acima. O fato é que atualmente já existe até uma revista internacional dedicada às relações entre língua e cultura. Trata-se de International Journal of Language and Culture, publicada pela editora John Benjemins, de Amsterdam (Holanda).
Que a língua é parte da cultura parece não restar a menor dúvida. Tanto que a representação do ecossistema linguístico (fig. 2) e a do ecossistema cultural (fig. 3) têm a mesma aparência. A relação entre os dois é de inclusão: o ecossistema linguístico está incluído no ecossistema cultural, é parte dele.
A inclusão do ecossistema linguístico no ecossistema cultural tem muitas implicações. A primeira e mais óbvia é a de que o povo (T) e o território (T) dos dois são os mesmos. A segunda é o fato de que a língua de um povo é parte da cultura desse povo, é parte integrante dela. A terceira é que grande parte da cultura desse povo é de natureza linguística. Tanto que a maior parte do triângulo do ecossistema cultural é ocupada pelo ecossistema linguístico. A quarta refere-se ao fato de que tanto um como outro ecossistema são de natureza semiótica. A quinta consiste no fato de a língua poder ser veículo de cultura, ou seja, além de ser parte dela, pode manifestá-la também. A sexta consiste no fato de haver uma parte da cultura que fica fora do domínio da língua, justamente a composta pela maioria dos sociofatos, mas praticamente por todos os naturofatos e os artefatos. Cultura e língua são constituídas de representações, fato que nos leva imediatamente à questão dos índices, dos ícones e dos símbolos de Peirce (1972). Tudo que pertence a elas representa alguma coisa para os membros da comunidade. No caso da língua são os padrões de interação comunicativa (PIC), as palavras, as frases etc. Na cultura temos os fenômenos, ações, fatos (naturofatos, mentefatos, sociofatos, artefatos). 
A única diferença entre ecossistema linguístico e ecossistema cultural, se é que se pode falar em diferença, consiste em que o ecossistema cultural tem, no lado língua (L), o C de cultura. Entretanto, isso não é problema. Ambas são de natureza semiótica. Como vimos acima, cultura é também linguagem. Tanto que ela já foi representada por L, e a língua por l1, ou seja, o componente número um da cultura, sendo os demais l2, l3 etc. Já vimos também que l2 poderia ser, por exemplo, as regras culturais, de que as regras interacionais do ecossistema linguístico fazem parte. Além disso, e talvez em consequência disso, há uma parte da cultura que fica fora do domínio da língua. No entanto, como se pode ver nos exemplos dados abaixo, as regras culturais podem ser usadas em atos de interação comunicativa. Aliás, todo e qualquer item da cultura de um povo pode ser usado neles.
Embora língua e cultura (ecossistema linguístico e ecossistema cultural) estejam inextricavelmente entrelaçadas, um povo pode perder a língua sem perder totalmente a cultura, tanto que parte da última fica fora do domínio da primeira. Isso ocorreu com muitos grupos de ciganos, como os calons do Brasil, os judeus no Leste Europeu e na Península Ibérica, muitos grupos indígenas etc. No entanto, é impossível perder a cultura e manter a língua, uma vez que é impossível perder o todo sem perder suas partes. Um povo (P) pode perder também o território (T), como aconteceu com muitos nômades, como os próprios judeus e outros, mas sobreviver como uma cultura mutilada, não prototípica, ancorada ou até escorada no T de outro P. O que a cultura não pode perder é a população (P), pois a cultura só existe como hóspede da população, assim como a língua também o é. Mufwene (2001) chega a afirmar que a língua é uma espécie parasita (epífita) da população. Sem povo não há cultura nem língua. Na verdade, território é o hospedeiro da população, que é hospedeira da cultura e da língua.
O linguista brasileiro Joaquim Mattoso Câmara Jr. apresentou uma síntese bem interessante das relações entre língua e cultura. De acordo com ele
1. A língua é parte da cultura; 2. É, porém, parte autônoma, que se opõe ao resto da cultura; 3. Explica-se até certo ponto pela cultura e até certo ponto explica a cultura; 4. Tem, não obstante, uma individualidade própria, que deve ser estudada em si; 5. Apresenta um progresso que é o seu reajustamento incessante com a cultura; 6. É uma estrutura cultural modelo, que nos permite ver a estrutura menos nítida, imanente em outros aspectos da cultura (Câmara 1972: 273).
Áreas culturais podem conter em seu interior mais de uma língua, caso em que teríamos bilinguismo ou multilinguismo. Na Suíça, por exemplo, são faladas quatro línguas (alemão, francês, italiano e engadino), mas os padrões culturais do país são aproximadamente os mesmos. O mesmo se pode dizer de Quebec, no Canadá, em que se falam francês e inglês em um mesmo contexto cultural. Na região do Parque Indígena do Xingu são faladas diversas línguas, mas os povos que nele se encontram compartilham muitos traços culturais, até mesmo antes da formação do Parque. Pode ocorrer o contrário também, ou seja, falantes de uma língua estarem envolvidos em mais de uma cultura, caso em que teríamos biculturalismo ou multiculturalismo. Nas fronteiras entre povos de línguas tipologicamente muito diferentes isso deve ocorrer, ou seja, um lado não fala a língua do outro, mas compartilha com ele muitos hábitos culturais.
Um caso interessante de relação entre língua e cultura é o de uma família brasileira, por exemplo, que tenha um membro surdo em seu seio. Mesmo que o surdo não fale o português, ele compartilha muito da cultura com os parentes ouvintes. Tanto que interage com eles por meio de gestos e mímicas diuturnamente. O surdo domina praticamente tudo da cultura brasileira praticado no domínio doméstico. O mesmo não se daria com um chinês que tivesse aprendido o português na escola em seu país e viesse conviver com a mesma família. Apesar de aparentemente "falar português", ele terá muita dificuldade na interação com os membros da família, pois não está familiarizado com os padrões culturais locais. Isso mostra que as regras interacionais e as regras culturais são mais importantes numa interação comunicativa do que exclusivamente as regras sistêmicas. Para se comunicar bem em determinada língua não basta dominá-las e ser capaz de formar frases gramaticais ad libitum. Isso é importante, mas apenas como auxiliar dos dois outros tipos de regras. A interação fica muito mais difícil se o chinês for monoglota em chinês. Tratar-se-ia de uma situação muito diferente do surdo monoglota em LIBRAS.
Retomemos a questão de signos culturais extralinguísticos que podem ser usados na interação comunicativa. Pensemos no caso de alguém que estivesse indo de avião da Europa para o Japão. A certa altura ele pergunta a quem está sentado na poltrona ao lado se já estão chegando. Se essa pessoa olhar pela janela e disser "Já estou vendo o Monte Fuji", estará dizendo algo como "Sim, já estamos chegando", pois esse monte é parte integrante do Japão. Quem o vê sabe que está no país. O mesmo se poderia dizer de alguém chegando ao Rio e dissesse que já está vendo o Cristo Redentor. No primeiro caso teríamos um dado cultural do domínio dos naturofatos sendo usado em um ato de interação comunicativa; no segundo, um artefato, na mesma função.
As relações entre língua e cultura são de fundamental importância no ensino e na aprendizagem de línguas estrangeiras. Como acabamos de ver, não basta aprender livrescamente a nova língua e se tornar capaz formar frases gramaticais. As regras culturais e as regras interacionais são mais importantes do que as regras sistêmicas (gramática). Na seção seguinte abordarei esse assunto perfunctoriamente.
5. Ecossistema cultural e aprendizado de línguas estrangeiras
O fato de os especialistas em linguística aplicada e em tradução enfatizarem tanto a questão cultural não é por acaso. Eles se veem frente não apenas à questão do bilinguismo e à do multilinguismo. Para eles é de fundamental importância também a consciência e um certo conhecimento também do multiculturalismo. Os tradutores, por exemplo, têm que se haver com a interculturalidade. Até mesmo no nível comunitário os povos estão enfatizando o fato de que ser multicultural é ser mais pujante. Um país monocultural é muito mais pobre culturalmente do que um país multicultural. Se na ecologia a diversidade biológica é riqueza, o mesmo se dá na ecologia humana e na social, ou melhor, no ecossistema cultural. Quanto mais diversidade cultural, mais riqueza cultural.
Por esses e outros motivos, não basta aprender uma segunda ou mais línguas. É preciso aprender também pelo menos quais são os naturofatos e artefatos, bem como os padrões de comportamento mais apropriados nas diversas situações, quais deles são mais comuns nos atos de interação comunicativa. Por exemplo, quem estuda uma língua pelo livro em seu país natal e vai para o país em que a língua que aprendeu é falada pode ter sérios problemas se não conhecer as regras interacionais e as regras culturais associadas a essa língua. Certa feita um brasileiro que se encontrava em uma mesa de refeição com seus anfitriões na Inglaterra disse a um deles Do you pass this to me? (você me passa isto?). O inglês achou que o brasileiro não fora polido, pois, na sua língua é obrigatório incluir o please (por favor). No Brasil, a entoação interrogativa tem a mesma função do "por favor", mas na Inglaterra não. Vale dizer, pela enésima vez, que não basta adquirir regras sistêmicas que permitam formar frases gramaticais.
Uma outra situação me foi relatada por Clea Rameh, brasileira que ensinou português em Washington, EUA, por muitos anos. Sua experiência mostrou que às vezes é bom o estrangeiro não falar a língua local como os nativos, sem dominar as regras culturais e as regras interacionais no mesmo nível. Se ele cometer alguma gafe cultural, será perdoado por perceberem pelo sotaque que é estrangeiro. No entanto, se ele falar a língua como eles, poderá ser até agredido diante da transgressão de alguma regra cultural. Enfim, no aprendizado de línguas estrangeiras língua e cultura têm que andar de mãos dadas.
Em Couto (2007: 415-416), eu comentei rapidamente o caso de dois surdos. O primeiro deles é uma garota de uns 12 anos de idade, surda de nascença. Ela não aprendeu LIBRAS nem o português oralizado. Pode-se dizer que não aprendeu nenhuma língua. No entanto, comunica-se com os parentes por meio de gestos caseiros para todas as suas necessidades interacionais. É uma pessoa extremamente inteligente, eu diria mesmo de inteligência acima da média. Tanto que, quando alguém levou um computador usado para a família, foi ela quem primeiro conseguiu lidar com ele, inclusive indo além do que lhe foi ensinado. Além até mesmo de outro membro da família que está no término do segundo grau.
A segunda pessoa é um rapaz de uns 25 anos, também surdo de nascença. Tampouco ele aprendeu LIBRAS ou a oralizar o português. O que ele faz é interagir com os membros da família e amigos por meio de mímica doméstica. Inclusive comigo ele se comunicou, perguntando-me se eu ia ficar muitos dias na localidade ou se ia embora logo. No geral, ele fica sempre atento, observando quem está conversando, aparentemente, tentando deduzir o que dizem pela leitura labial, mas não parece que o conseguisse nem de maneira sofrível.
Um fato interessante é que esse meio de comunicação que os dois surdos em questão desenvolveram não tem gramática (regras sistêmicas). Ele consta apenas de alguns gestos, que apontam para determinadas coisas ou indicam determinadas ações, ou seja, ele consta apenas de itens lexicais. A conclusão inevitável é a de que o essencial na linguagem não é a gramática, mas o léxico. A gramática seria apenas um recurso adicional para expandir sua capacidade expressivo-comunicativa. Isso decorre do fato de que na verdade o essencial na língua não são as regras sistêmicas, mas a interação comunicativa, com suas regras interacionais. Esses surdos compartilham com os demais membros de suas famílias grande parte do ecossistema cultural, no qual se insere a maior parte das regras interacionais, exceto as que são naturais. É por compartilharem esse ecossistema, e os universais da comunicação, que podem comunicar-se.
Da perspectiva da linguística ecossistêmica eles têm uma língua sim. Com efeito, há uma população (os membros da família), convivendo no espaço da casa, que é seu território, no interior do qual interagem por meio de mímicas. Trata-se de uma comunidade de fala de pequenas dimensões, mas com todos os ingredientes de um ecossistema linguístico, ou seja povo (P), território (T) e modo de interagir (L).
6. Observações finais
Como vimos no lugar apropriado, ecossistema cultural se refere a tudo que tem valor sígnico (simbólico) para determinado povo (P). Não se trata de cultura no sentido de quem diz que fulano tem "cultura", é "civilizado", como faziam os gregos, para os quais "civilizados" eram eles; todos os demais povos eram "bárbaros". Tanto que a palavra tinha valor onomatopaico, indicando aquele que "não fala", apenas faz "br.br.br". Quem "falava" (tinha língua) eram só os gregos. Os demais "não falavam" porque os gregos não os entendiam.
A expressão "língua de cultura" é altamente preconceituosa, pois refere-se às línguas que têm uma "grande" literatura, como grande parte das línguas europeias. Para os gregos a única "língua de cultura" era o grego. Contrapondo-se a essa visão, o líder africano e ex-presidente da Guiné Ahmed Sékou Touré (1922-1984) afirmou que na África as línguas de cultura são as línguas africanas, uma vez que são elas que expressam as culturas africanas. Essa asserção está inteiramente certa e em sintonia com as concepções de cultura comentadas acima. Todas as línguas africanas estão inseridas em um ecossistema linguístico que, por sua vez, está inserido em um ecossistema cultural. Existem diversos grupos étnicos na África, cada um deles com sua própria língua, inserida em sua própria cultura. Há algumas exceções, no entanto, como os pigmeus, que praticamente já perderam a língua, além de outros povos, como o cassanga na Guiné-Bissau. A causa disso tem sido geralmente a invasão dos colonizadores europeus.


Referências
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* Professor de linguística na UnB

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