Paulo Moreira Leite
Nós sabemos que no mundo da
justiça-espetáculo as versões costumam ser mais importantes do que os fatos.
Lembrei dessa regra ao ler o
depoimento de 12 paginas de Joesley Batista à revista Época, reproduzido com
tambores e trombetas na noite de sábado no Jornal Nacional. Alguns fatos e
versões se encontram, indiscutivelmente, fora do lugar, formando uma construção
que gera resultados políticos óbvios.
O maior exemplo envolve o
papel do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, personagem numero 2 do governo
comandado pelo "chefe da quadrilha
mais perigosa do Brasil" nas palavras de Joesley.
Graças ao silêncio da Época,
o cidadão brasileiro permanece sem saber o papel do ministro da Fazenda
Henrique Meirelles nos negócios do grupo.
É um clássico silencio
ensurdecedor.
Frequentador da porta
giratória Estado-setor privado que lhe permitia deixar um cargo no primeiro
escalão do governo Lula, e depois voltar na equipe de Temer, o nome
"Henrique Meirelles" sequer é mencionado numa entrevista de 12
páginas.
Nem uma única vez.
É uma falta de curiosidade
espantosa, quando se recorda que entre 2003 e 2010, ele ocupou a presidência do
Banco Central, onde era o grande cartão de visita que Lula apresentava ao
mercado financeiro.
Depois disso, entre 2012 e
2016, foi presidente do Conselho de Administração da J&F, que administrava
o conjunto de negócios bilionários do grupo. Também dirigiu o banco Original,
dos mesmos sócios. Meirelles só deixou o cargo em maio do ano passado, para
voltar ao governo, ocupando agora o segundo cargo mais importante da República,
como Ministro da Fazenda.
De seu gabinete saíram as
principais linhas da atual política econômica, desde a emenda constitucional
que definiu o congelamento de gastos pela inflação como a reforma da
Previdência e a reforma trabalhista. Estas medidas definem - não é adjetivo, apenas conceito - o
governo Temer como o mais reacionário da história republicana.
Nessa condição, seria
indispensável saber: a partir de 2016, quando voltou ao governo, como Meirelles
se comportou ao lado do "chefe da quadrilha mais perigosa”?
Ajudou? Atrapalhou? Tentou
impedir medidas ilegais? Deu conselhos? Quais propostas recusou, quais apoiou?
Ajudou Joesley na fase 1, quando o chefe estava na quadrilha? Ou na fase 2,
quando resolveu delatar?
Não sabemos se apresentou
algum contato dos velhos tempos. Se
participou de jantares na presença de amigos ou se ofereceu informações estratégicas.
Alguma vez - quando era
executivo da J&F - estranhou o desvio milionário e regular de recursos que
eram enviados para esquemas políticos?
O que achava das conversas
com Guido Mantega, um dos inimigos que deixou no governo?
Comportou-se como aquele tipo
que, como gosta de lembrar o procurador da Lava-Jato Luiz Fernando Lima, pode
ser acusado de "cegueira voluntária"?
É um comportamento que chama
a atenção em qualquer hipótese.
Mesmo que a ideia seja
demonstrar que atual ministro da Fazenda não passava de uma improvável Rainha
da Inglaterra - eufemismo para definir o velho e bom testa-de-ferro - o leitor
tem o direito de saber qual era sua função real. Mesmo porque um presidente de
Conselho pode ter obrigações legais a responder no futuro.
Não se trata de pré-julgar
Meirelles nem imaginar coisas que não foram sequer insinuadas. A escola que
leva a condenar sem respeito pela presunção da inocência não é a minha e só
leva a reforçar um estado de exceção.
Só acho que não dá para
esconder um personagem dessa estatura e achar que ninguém vai perceber. Não é
jornalismo.
Também é fácil reconhecer que
o silêncio sobre Meirelles atendeu a um propósito político.
Empenhadas num projeto de
retirar Temer do Planalto, as Organizações Globo têm outro plano para o
Ministro da Fazenda e a equipe econômica. Querem que seja mantido no cargo de
qualquer maneira, para garantir a continuidade das reformas.
Nos primeiros momentos da
crise, o próprio Meirelles já se ofereceu, pelos jornais, para permanecer no
posto caso o presidente venha a ser afastado. Desse ponto de vista, o silêncio
sobre seu papel - antes e depois - é providencial.
Essa postura seletiva, agora
no sentido inverso, explica o esforço para minimizar as afirmações de Joesley
sobre Lula, que compõem um depoimento obrigatório para quem responde a tantos
inquéritos na Lava-Jato. Numa cobertura séria, que envolve candidato a
presidente que está em primeiro lugar nas pesquisas enfrenta uma caçada
judicial de anos, era uma novidade e tanto.
"Nunca tive uma conversa
não republicana com o Lula," diz o empresário conta-tudo. "Não estou
protegendo ninguém," acrescentou.
Referindo-se às insinuações
frequentes de que um dos filhos de Lula era sócio oculto da Fri-Boi, a mais
conhecida empresa do grupo, Joesley deixa claro que se trata de uma mentira.
Em vez de dar o destaque ao
testemunho pessoal, Época e a TV Globo deram prioridade a uma afirmação: que
Joelsey não sustentou com fatos. O carnaval foi feito em torno da frase de que
"Lula e PT institucionalizaram a corrupção."
Basta ler os diários de
Fernando Henrique Cardoso no Planalto para encontrar provas de que o troféu
originalidade está em disputa. Nem vamos lembrar de Fernando Collor de Mello, o
protegido da Globo nos dois turnos de 1989.
No volume 2 de seus diários,
FHC relata que acabou cedendo a pressão de integrantes da "quadrilha mais
perigosa" e assim, explicitamente,
após muita pressão de Temer-Geddel-Padilha, acabou nomeando o último para o
Ministério dos Transportes - decisão que ele mesmo sabia ser questionável.
Então deu para entender.
Estamos combinados.
www.brasil247.com 18/06/2017
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