segunda-feira, 4 de setembro de 2017

O SILÊNCIO DO SERTÃO

O silêncio do Sertão

Leonardo Casalinho



Lagarto, em Sergipe, sedia o campus de saúde da única universidade federal do estado.

Não suficientemente feliz com a construção do novo espaço da universidade no governo Lula – que abriu a possibilidade de um curso de medicina cujos alunos participam do atendimento da rede pública de saúde desde o primeiro ano de faculdade, ajudando a prefeitura e o entorno no atendimento da população –, a UFS (veja PS do Viomundo) concedeu ontem (21/08) ao ex-presidente um título de honoris causa.

Na cerimônia, um jovem egresso dos corredores da mesma universidade, hoje professor naquela instituição, faz um discurso que ressalta a importância de programas como PROUni, Fies e etc…

Até aí, nada de incomum.

Passado o discurso, o jovem caminha em direção ao ex-presidente, trajado de toga, bem ao estilo “titulações acadêmicas”, Lula estica a mão num sinal claro de cumprimento e abraça o jovem, este, também trajado à caráter, cai no choro.

Um choro copioso. Um choro de alegria.

Um choro que termina em soluços também copiosos de agradecimento pela oportunidade de ter podido forjar toda uma vida (de aluno que ingressou na universidade através de políticas públicas e hoje é professor de uma universidade federal) a partir de uma ação governamental.

Passado o recebimento do título, o presidente segue caminho ao interior do Sergipe, sendo – também de maneiras não incomuns nos últimos dias – recebido por milhares de pessoas tanto nos atos e cerimônias como no meio das estradas desse sertão.

Coisa de não mais que 40 minutos de adentrar seu ônibus, a caravana encontra o povoado de São Domingos, onde cerca de mil e quinhentas ou duas mil pessoas esperam o presidente na beira da estrada – praticamente um mar vermelho na apertada estrada pela qual viajava a caravana.

Avistada a multidão, o presidente desce à cabine do veículo e acena, como faz todo político que é recebido por seus aliados, porém, algo mágico estava por acontecer naquele chão tão historicamente esquecido pelo resto do Brasil.

Abre-se a porta. Aglomera-se a multidão ensandecida por uma foto, um carinho, um aperto de mão ou algo que o valha.

O calor já bastante forte de um dia normal de “inverno” (33ºC) torna-se praticamente insuportável dada a quantidade de pessoas se empurrando. Aparece o ex-presidente da república e logo um microfone lhe surge à mão.

Para sair de Lagarto, mesmo com a segurança da universidade impedindo a entrada dos populares com grades de isolamento, Lula demorou não menos que 40 minutos para percorrer um percurso de 60 metros. Dito isso, sigamos o relato…

O presidente, que acabou praticamente sumindo no meio da multidão dado sua estatura não muito privilegiada, diz as primeiras palavras: “Oi, gente!”, e a população vai à loucura.

Ele segue…

“Pessoal, eu quero muito falar com vocês… Mas eu tenho outras agendas marcadas pra hoje e na última eu demorei quase uma hora para chegar ao ônibus. Se vocês puderem, por favor, abrirem para que eu chegue até o carro de som pra conversar com vocês…”

Assim se deu algo incrível.

Com um pedido simples o nordestino de 71 anos dividiu a multidão a sua frente.

Abriu-se o mar vermelho que se estapeava na beira e no meio da estrada para que passasse o que era alguém que estava para aquele povo assim como a água está para a sede ou como um prato de comida está para quem tem fome.

Da balburdia fez-se a paz. Da algazarra fez-se a tranquilidade. Da multidão emanou o silêncio…

E era nesse silêncio que residia a grandeza do ato.

Aquele silêncio contava algo além do respeito por um grande líder. Era sim, naquele silêncio, que morava a reciprocidade e a cumplicidade daqueles que sabem o quanto sua vida mudou a partir das ações daquele homem.

Afinal, por que não abrir um simples caminho de 100 metros para aquele que abriu a porta para uma vida mais digna para milhões e milhões de pessoas como aquelas?


OS: A Universidade Federal de Sergipe (UFS) tem 68 cursos de pós-graduação e 1.400 professores, dos quais 1.200 são doutores.

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