CARTA
ABERTA EM DEFESA DA EDUCAÇÃO
Aloizio Mercadante
Buscando esconder as imensas
dificuldades de gestão, o ministro da Educação, Mendonça Filho, volta a atacar,
em matéria publicada no UOL, na última segunda-feira (16), os governos Lula e
Dilma no intuito de criar uma cortina de fumaça sobre os retrocessos que o
governo Temer impõe à educação brasileira.
Há quase um ano e meio no
cargo, a gestão Temer - Mendonça Filho é marcada pelo desmonte e truculência e
pela falta de diálogo, sendo que as sequelas, infelizmente, já estão em cada
escola e universidade pública do país.
Sobre o orçamento do MEC, o
ministro afirmou em outra oportunidade que nos governos Lula e Dilma havia uma
“orgia fiscal”, que sobravam recursos para a educação. Agora, muda o discurso e
afirma que recuperou R$ 4,6 bilhões, que tinham sido contingenciados em 2015.
Em primeiro lugar, é
importante considerar que os governos Lula e Dilma construíram um novo padrão
de financiamento público para a educação brasileira, por conceberem como a mais
importante e estratégica política pública para o país. A Constituição de 1988
deixou avanços no financiamento, especialmente à vinculação dos 18% da receita
fiscal federal e os 25% para estados e municípios.
Apesar do governo FHC ter
criado o Fundef, dentro de uma
política de foco prioritário na educação fundamental, que não incluiu a
educação infantil, o ensino médio, o ensino profissionalizante e as
universidades públicas federais, aprovou também a Desvinculação das Receitas da
União (DRU), que retirou 20% da verba vinculada pela Constituição para a educação.
Nossos governos criaram o Fundeb, que incluiu a educação infantil
e o ensino médio nos repasses de recursos, rompendo com a falsa oposição e
segmentação, implantando uma política educacional sistêmica, da creche à
pós-graduação. Além disso, acabamos progressivamente com a DRU e, no Governo
Dilma, foi aprovada a lei que vinculou os recursos dos royalties do petróleo e
do Fundo Social do Pré-Sal para a educação, a mais promissora fonte de
financiamento de médio e longo prazo.
Esse novo padrão público de
financiamento, construído nos governos Lula e Dilma, assegurou um crescimento
real no orçamento da educação, descontada a inflação, de 206%. No governo
Dilma, tivemos R$ 54 bilhões acima do piso constitucional, de 18% da receita
bruta federal, superando a marca de 23% da receita federal com a educação.
Em 2015, a articulação
golpista bloqueou o parlamento, apostando na política do quanto pior melhor,
para inviabilizar a gestão orçamentária do governo Dilma. É preciso lembrar que
Congresso não votou o ajuste do déficit fiscal proposto pelo governo Dilma e,
de forma inédita, em 2016, liderados de forma dissimulada por Michel Temer e
publicamente por Eduardo Cunha, não instalou nenhuma das comissões da Câmara
dos Deputados, até o mês de maio.
A devolução de R$ 4,7 bilhões
ao orçamento do Ministério da Educação, tão comemorado pelo atual ministro, só
foi possível após o fim do bloqueio das atividades legislativas, com a retomada
das votações orçamentárias, que só ocorreu depois do afastamento da presidenta
Dilma Rousseff, sem crime de responsabilidade.
Porém, em um período tão
curto, a gestão golpista de Temer aprovou a PEC 95, que congela os gastos
primários pelos próximos 20 anos, desmontando o padrão de financiamento
anterior, revogando o piso de 18% da receita fiscal bruta federal e ameaçando
todo esforço dos últimos anos para a educação.
Na educação técnica
profissionalizante, o governo FHC havia interditado as experiências de
integração da educação regular com o ensino profissionalizante e interrompido
os investimentos nas instituições federais de educação técnica e
profissionalizante. Os governos Lula e Dilma criaram e expandiram de 140 para
600 os campi dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. E
implantaram o PRONATEC, em parceria com o “Sistema S”, que realizou 9,4 milhões
de matrículas em educação técnica e profissionalizante, entre 2011 e 2015.
Em função da crise fiscal e
da paralisia do Congresso Nacional, nossa gestão deixou pronto para ser
assinado um acordo com os parceiros do “Sistema S”, que já havia sido anunciado
em março de 2016, que, permitiria a abertura de mais 2 milhões de vagas para
formação técnica profissionalizante em 2016. Por decisão política da atual
gestão, o acordo com o “Sistema S” não foi efetivado e a abertura de inscrições
no PRONATEC foi cancelada.
Quanto ao ProUni, convém
lembrar que o atual ministro da Educação é do DEM, partido que combateu o Enem, votou contra o ProUni e foi ao
STF para impedir o programa. Apesar de todo o esforço do partido do ministro
Mendonça Filho, em impedir o programa, o Prouni, já distribuiu mais de 1,7
milhões de bolsas de estudos para estudantes de baixa renda em universidades
particulares do Brasil, além de ser importante ferramenta na indução para a
qualidade.
O mesmo comportamento teve o
partido do atual ministro, o DEM, em relação a Lei de Cotas, que aprovamos em
2012 e que está assegurando metade das vagas das universidades federais para os
estudantes das escolas públicas, com recorte de renda e raça, enfrentando os
desafios da desigualdade social e da discriminação racial. Destaco que todas as
pesquisas acadêmicas demonstram o êxito dessa política, na qual o desempenho
dos cotistas é semelhante aos não cotistas no final dos cursos.
São inacreditáveis os ataques
que o ministro Mendonça Filho faz ao Fies
– Programa de Financiamento Estudantil. O Fies foi criado no governo FHC e reformulado, em 2010, como
ferramenta estratégica para o Brasil resgatar um passado de exclusão e educação
superior. Para isso, foi estruturado como um financiamento reembolsável, com
prazos mais longos, tendo já beneficiado 2,6 milhões de alunos. Sem o Fies, as matrículas na educação
superior seriam aproximadamente 25% menores.
As ofertas de bolsas
reembolsáveis do FIES cresceram depois de 2013, a partir das mudanças nas
exigências dos avalistas dos estudantes beneficiados, por decisão do Congresso
Nacional, que retirou as medidas protetivas e sobrecarregou o fundo garantidor
do programa. Quando um novo cenário econômico com restrições fiscais se
apresentou, em 2015, uma série de medidas prudenciais foi adotada, com o
redirecionamento das vagas para cursos considerados mais estratégicos, além da
vinculação ainda mais exigente à qualidade das instituições ofertantes nas
avaliações do Ministério da Educação.
Além disso, reduzimos o
patamar de renda familiar para 2,5 salários mínimos per capita e adotamos uma
proporcionalidade para as cinco regiões do país. As taxas de juros foram
elevadas de 3,5% par 6,5% a.a. No cenário de crise fiscal fizemos um ajuste com
qualidade no Fies, com
consequente redução da oferta de vagas, mas mantendo o compromisso de inclusão
educacional.
O volume de crédito do Fies representa menos de 3% do total de
crédito público ofertado para atividades empresariais, imobiliárias, agrícolas
ou infraestrutura. A oferta de crédito público é historicamente subsidiada, em
decorrência das abusivas taxas de juros praticadas pelo sistema financeiro
brasileiro.
Programas de crédito
educativo existem em praticamente todos os países desenvolvidos. Nos EUA, por
exemplo, o crédito educativo na educação superior já ofertou US$ 1,3 trilhão
desde sua criação. Na crise de 2009, quando da explosão da inadimplência, o
governo Obama aumentou a oferta em 40%, alongou os prazos de pagamentos para 30
anos, mantendo a prioridade da educação.
Esse conjunto de políticas
públicas de acesso, permanência e indução da qualidade, como: o ProUniI; o FIES;
a Lei de Cotas; o ReUni, que expandiu de forma inédita as vagas na rede de
universidades federais; acompanhados pela reformulação do Enem e o SISU permitiu ampliar as
matrículas de 3,4 milhões de estudantes para 8,1 milhões na educação superior
durante o nosso período de governo. E o mais importante, 35% dos formandos que
fizeram o ENADE – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, em 2015, eram os
primeiros da família a serem diplomados. Uma mudança histórica no acesso à
educação superior! A crise econômica associada ao desmonte destas políticas já
tem como consequência a redução do número de matrículas presenciais nos cursos
de graduação universitária.
Sobre o IDEB – Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica, sistema de avaliação criado e aperfeiçoado
em nossos governos, no último resultado de 2015, o ensino fundamental, anos
iniciais (1º ao 5º ano) foi a etapa de destaque. A meta prevista era de 5,2 e o
resultado alcançado foi de 5,5. Só nesta etapa são 117,9 mil escolas e 15,5
milhões de alunos, considerando a rede pública e a rede privada, sendo que
82,5% dos alunos desta etapa pertencem à rede pública municipal.
No ensino fundamental anos
finais (6º ao 9º ano), a meta era de 4,7. O resultado alcançado foi de 4,5.
Apesar de não ter alcançado a meta, o número representa um aumento de 0,3 se
comparado ao IDEB de 2013. Ao todo, nesta etapa, são 62,4 mil escolas e 12,4
milhões de alunos. Ao considerar apenas a rede pública, os dados demonstram que
41,7% dos alunos estão vinculados aos municípios e 43,6% aos estados.
No ensino médio, tivemos um
importante avanço no acesso e fluxo. Eram 3,7 milhões de estudantes em 1991,
atingindo 10,6 milhões, em 2016. A taxa de matrículas dos jovens entre 15 e 17
anos passou de 41,9%, em 1992, para 88,7% em 2014. No fluxo, a proporção de
estudantes com mais de dois anos de atraso nesta etapa, que era de 40,3% em
1992, caiu para 19,1%, em 2014. O resultado do IDEB foi de 3,7 frente a uma a
meta de 4,3.
Apesar dos avanços e de todo
este esforço, continuamos tendo um imenso desafio na educação em geral e no
ensino médio em particular. Por isso, deixamos pronta a Nova Base Nacional
Curricular, depois de uma consulta pública com mais de 12 milhões de participantes,
que pretende flexibilizar o currículo, dialogar com os interesses dos
estudantes, mas mantendo o mesmo direito de aprendizagem. Depois de dois anos
de discussões no Congresso Nacional deixamos pronto, também, o relatório de um
novo marco legal para o ensino técnico profissionalizante e sua integração com
o ensino médio.
A atual gestão de forma
autoritária e truculenta tentou impor por Medida Provisória, de cima para
baixo, sem qualquer diálogo ou participação social, uma mudança que eliminava
disciplinas e impunha alterações no ensino médio sem qualquer consulta a
comunidade. Tal medida gerou uma ocupação estudantil prolongada em mais de 1
mil escolas e greves generalizadas dos professores.
O Congresso retomou o projeto
que havíamos deixado amadurecido, fez correções importantes e aprovou um novo
marco legal. Porém, a Nova Base Nacional Curricular para o ensino médio foi
paralisada pela atual gestão, impedindo a reforma do ensino médio, que é
necessária, mas só poderá ocorrer dentro de um processo de diálogo e
participação efetiva dos professores e estudantes.
Agora, o que o ministro
Mendonça Filho não fala é da deliberada omissão que realizou na divulgação dos
resultados do último IDEB, escondendo em um primeiro momento o resultado das
escolas públicas federais que tiveram um desempenho igual ou superior ao setor
privado. No Pisa - Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes, tivemos um destaque sem precedente na
América Latina, novamente com o desempenho dos Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia, que se fossem um país ficariam em 11º lugar, entre os 70
países mais ricos do planeta.
O verdadeiro problema é que,
só neste ano, estes IFETs – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
tiveram um corte de 40% nos investimentos e 15% no custeio e enfrentam uma
situação dramática para manter a qualidade e a estratégia de expansão de vagas.
Nos governos do PT, o Brasil
diminuiu o percentual de crianças e jovens fora da escola em todas as fases da
educação básica. Nos anos iniciais do ensino fundamental, o percentual de
crianças que abandonaram a escola passou de 8,2% em 2001 para 1,1% em 2014. Nos
anos finais, caiu de 11,4% para 3,5%. No ensino médio, foi reduzido de 15% para
7,6%, no mesmo período.
O ministro Mendonça Filho
conhece bem os números do IDEB de Pernambuco de 2007 que avaliou a sua gestão
como governador do estado na educação. Os resultados daquele IDEB apontam que
nos anos iniciais Pernambuco foi 19º estado da federação em desempenho, nos
finais foi o pior colocado (27º) e no ensino médio 22º. Melhorou muito depois
de seu governo, especialmente na gestão de Eduardo Campos, com uma forte e
republicana parceria com o governo federal.
Por isso tudo, ao invés de
tentar responsabilizar os governos anteriores pelo fracasso que esse governo já
é na educação, o ministro deveria lutar para recolocar a educação como eixo
estratégico capaz de colocar o Brasil na sociedade do conhecimento. A educação
deve ser concebida como política de estado e precisa de continuidade.
Nós incorporamos e procuramos
aperfeiçoar muitos programas do passado, como por exemplo, o novo significado
que demos, por exemplo, ao FIES, ENEM e ENADE, cujas primeiras iniciativas
vinham do governo FHC. O que é grave é o desmonte completo de programas como o PRONATEC,
Ciência Sem Fronteiras, Hora do ENEM, acompanhado de um discurso que procura
uma legitimidade que esse golpe nunca teve ou terá. Não se constrói nada em
educação quando o único esforço é a desconstrução do passado. O bom gestor na
educação está sempre olhando para o vidro da frente do automóvel e não para o
retrovisor.
Toda a comunidade da educação
brasileira sabe os avanços no acesso, na permanência e na qualidade da educação
que realizamos e o retrocesso que está ocorrendo.
A emenda constitucional 95
transformará a grave crise dos recursos públicos para a educação em uma
situação dramática, já em 2018. É por tudo isso, que na educação brasileira,
com tantas correntes do pensamento e pluralidade, o único verdadeiro consenso
é: Fora Temer!
São Paulo, 18 de outubro de 2017
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