sábado, 18 de novembro de 2017

Por que foi fraca a resistência ao golpe no Brasil?

Por que foi fraca a resistência ao golpe no Brasil?

Armando Boito (*)


Por que, durante a crise política de 2015-2016, a presidenta Dilma Rousseff foi abandonada por setores sociais que, até então, vinham se beneficiando com as políticas implementadas por seu governo?

Essa pergunta vale, dentre outros, para o movimento sindical, para os trabalhadores da massa marginal e, também, para boa parte da burguesia brasileira. Vamos tentar oferecer alguns elementos de resposta para cada um desses casos.

Estamos preocupados, acima de tudo, com as disposições políticas presentes nos citados segmentos sociais. Iremos nos referir apenas ocasionalmente à estratégia do Partido dos Trabalhadores. Essa, regra geral, consistiu em travar a luta contra o golpe parlamentar no interior das instituições do Estado, desprezando a importância da luta de rua - luta de rua que, ironicamente, foi valorizada, com sucesso, pela direita brasileira.

A burguesia interna dividiu-se diante do golpe

Para obtermos informação sobre a posição dos setores burgueses frente à política governamental, podemos usar, com método e parcimônia, as reportagens da grande imprensa, mas devemos dar especial atenção à imprensa própria das grandes associações empresariais. A burguesia brasileira está organizada em sindicatos oficiais, agrupados em federações e confederações, e também em associações civis que reúnem segmentos empresariais determinados e que têm um papel importante na vocalização e na organização de interesses. Coordenamos um levantamento de informações no material publicado pela imprensa de algumas importantes entidades empresariais durante o primeiro governo Dilma e durante os anos da crise política. O levantamento contemplou confederações, federações, sindicatos e associações estratégicas da agricultura e da indústria – com destaque para a CNI, Fiesp, Sinaval, Abimaq, ABDIB, CNA e Abag. Partimos, como é necessário e inevitável, de alguns conceitos prévios relativos à burguesia e à sua relação com o Estado.

A burguesia brasileira mantém relações variadas e complexas com o capital internacional. Não há no Brasil uma burguesia nacional antiimperialista, mas tampouco chegou-se a uma situação na qual todas as empresas capitalistas aqui atuantes seriam empresas estrangeiras e empresas integradas ao capital internacional. Temos uma fração da burguesia brasileira, a burguesia interna, que, embora não hostilize o capital estrangeiro, concorre com ele, disputando posições na economia nacional e, em menor grau, também na economia internacional. Os governos do PT representavam essa fração da burguesia apoiados em setores das classes populares e o golpe contra o governo Dilma foi dirigido, justamente, pelo capital internacional e pelo setor da burguesia brasileira a ele associado, contando com o apoio ativo da fração superior da classe média. O fato notório e muito importante de o governo Michel Temer ter abandonado a política (moderadamente) nacionalista para a cadeia do petróleo e gás – regime de exploração, refino, fornecimento de navios, de equipamentos pesados etc. – serve para ilustrar essa tese. Pois, bem, por que é que a fração burguesa que vinha sendo beneficiada pelos governos do PT não defendeu o governo Dilma?

A burguesia e suas frações agem premidas por circunstâncias dadas. Elas não possuem a clareza de interesses, a unidade política, a capacidade de organização e a liberdade de ação que supõem muitos dos analistas de esquerda. No caso do Brasil, a burguesia interna era representada pelo governo organizado por um partido político que não fora construído pela própria burguesia, mas que, justamente por isso, teve maior liberdade para impor algumas concessões à burguesia interna, angariando-lhe com isso uma base de apoio popular. Foi o que permitiu que os interesses maiores dessa fração prevalecessem frente ao capital internacional e à burguesia associada. Nascia a frente política neodesenvolvimentista que encerrou a hegemonia exercida pelo capital internacional e pela burguesia associada durante a década de 1990. A leitura da imprensa das associações empresarias permite ver que, durante os anos de crescimento econômico, e quando ainda estava fresca na memória da burguesia interna a estagnação e a abertura econômica radical dos governos FHC, essa fração burguesa aceitou tais concessões – valorização do salário mínimo, transferência de renda, reconhecimento do direito dos trabalhadores à luta reivindicativa, expansão do serviço público, etc.. Os documentos das associações empresariais, quando arrolavam aqueles que seriam os problemas, gargalos e dificuldades da economia brasileira, não concediam destaque à política social dos governos do PT. Aceitavam-na, mesmo que sem entusiasmo.

A situação começou a mudar a partir de 2013. Os fatos relevantes foram o baixo crescimento econômico, a ofensiva ideológica do capital internacional contra a nova matriz de política econômica ensaiada pelo Ministro Guido Mantega e, finalmente, o ajuste fiscal do segundo governo Dilma. Foi nessa nova conjuntura que a burguesia interna passou a ver as concessões que garantiam o apoio popular ao neodesenvolvimentismo como um preço alto demais. Se em 2005, na crise do governo Lula, a grande burguesia interna saiu a campo em defesa do presidente, o mesmo não ocorreu quando o governo Dilma Rousseff entrou em crise dez anos depois.

As associações de industriais e do setor agrícola pesquisadas arrolam algumas reivindicações que aparecem de modo recorrente ao longo de todo o segundo mandato Dilma Rousseff e durante o período de crise. Nesse elenco de reivindicações recorrentes destacam-se dois grupos. O primeiro aponta contra os interesses do capital internacional e financeiro, enquanto o segundo aponta contra os trabalhadores; o primeiro prevaleceu durante o primeiro biênio do governo, enquanto o segundo foi ganhando destaque a partir do ano de 2013. No primeiro grupo de reivindicações recorrentes, temos: juro baixo, câmbio depreciado, financiamento público a juro subsidiado para os investimentos, investimento em infraestrutura, política de conteúdo local (protecionismo), política industrial e outras. No segundo grupo de reivindicações recorrentes, temos: reforma da previdência social, reforma trabalhista, ajuste fiscal baseado na redução dos gastos sociais e no arrocho do funcionalismo e outras. Acompanhando a imprensa das associações empresariais, fica claro que o segundo grupo de reivindicações vai ganhando proeminência à medida que o período de crescimento baixo e de crise econômica prolongava-se e que a campanha da fração burguesa rival pelo ajuste fiscal ganhava força.

A burguesia interna não fez esse movimento em bloco. Parte dela foi perseguida judicialmente, graças ao fato de as forças articuladas do imperialismo, da burguesia associada e da alta classe média terem utilizado a corrupção como arma para isolar e mesmo destruir as empresas nacionais de construção e engenharia pesada; parte aderiu ativamente ao golpe – os casos mais importantes são a CNI, a Fiesp, pelo que se pode constatar lendo a imprensa dessas associações. A indústria de transformação encontrava-se, desde 2011, em trajetória declinante devido à penetração dos manufaturados chineses; parte da burguesia interna, ainda, ficou neutra na crise – foi o caso da indústria de construção naval que, tendo crescido a taxas de 19% ao ano, relutou em aderir ao golpe do impeachment e hoje está em campanha contra o desmonte da política de conteúdo local pelo governo Michel Temer.

A resultante, contudo, foi que se abriu uma crise de representação. O representado, a grande burguesia interna, não se reconhecia mais no representante, o governo Dilma – governo que, repito, fora apoiado e aplaudido por essa fração burguesa até pelo menos o ano de 2012. A ofensiva restauradora do grande capital internacional e da fração da burguesia brasileira a ele associada, apoiados na mobilização da alta classe média, encontrou, então, caminho livre para avançar.

Os trabalhadores da massa marginal permaneceram passivos

O capitalismo dependente brasileiro sempre manteve um grande contingente de trabalhadores apenas periférica e superficialmente integrado à produção estritamente capitalista. A maneira específica de o capitalismo integrar o trabalhador é o assalariamento para a produção e a realização da mais-valia. Pois bem, os camponeses com pouca terra, os trabalhadores urbanos por conta própria, os chamados camelôs, os prestadores de serviços domésticos variados, os subempregados e outros integram-se ao capitalismo brasileiro apenas como assalariados eventuais, como vendedores ocasionais e autônomos de mercadorias eventualmente produzidas pelas empresas capitalistas ou, no limite, apenas como consumidores. Estão na margem do sistema. O modelo capitalista neoliberal e dependente fez crescer a massa de trabalhadores marginal. Como é sabido, esses trabalhadores votavam, em sua grande maioria, nos candidatos à presidência do Partido dos Trabalhadores. Eles foram a base eleitoral de massa dos governos do PT.

Essa relação política nada tem a ver com aquilo que imaginam e apregoam os liberais, os seus partidos e a imprensa comercial. Não se trata de cidadãos cuja opção de voto resultaria da desinformação, do suposto carisma de Lula ou do clientelismo. Os governos do PT atenderam a interesses reais desses setores e o fizeram com uma política de massa e não com favores pontuais em troca de apoio político, como é próprio do clientelismo. Não custa lembrar os programas de transferência de renda e de fornecimento de bens e de serviços que tiveram os trabalhadores da massa marginal como beneficiários: programa “Bolsa Família”, estímulo ao usufruto do “Auxílio de Prestação Continuada”, “Luz para Todos”, “Minha Casa, Minha Vida”, programa de construção de cisternas na região semiárida (“Programa Cisternas”), o “Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego” (Pronatec), dentre outros. Os trabalhadores da massa marginal ao descarregarem o seu voto no PT procediam, portanto, do mesmo modo que procedem todas as demais classes e camadas sociais: votavam no candidato que, de algum modo e com maior ou menor amplitude, atendia aos seus interesses.

Apesar desse elemento geral, a relação desses trabalhadores com os governos do PT apresentava uma particularidade. Era uma relação de tipo populista, ou, para ser mais preciso, neopopulista. Sabemos bem que esse conceito é mal visto por grande parte dos intelectuais de esquerda. Mas, atenção, não convém se perder em discussões terminológicas. Já mostramos, no parágrafo anterior, que, embora usemos a palavra populismo, não utilizamos o mesmo conceito (= ideia) de populismo que é utilizado pelos liberais. Para esses, o político populista obtém apoio popular engabelando, tapeando ou até hipnotizando as “massas incultas”. Já indicamos que na relação populista o político deve atender, minimamente, os interesses de sua base social. No caso do Brasil, esse interesse é a distribuição de renda que, pelo seu caráter popular e progressista, diferencia o populismo do bonapartismo, já que nesse último a demanda da base social é conservadora.

Getúlio Vargas (1930-1954), no populismo clássico brasileiro, apoiou-se no proletariado recém-chegado do campo e sem experiência organizativa – a nova geração proletária que substituía a geração de operários imigrantes da República Velha (1889-1930) – amealhando apoio popular para a política desenvolvimentista de industrialização. Sua arma e bandeira foi a Consolidação dos Direitos do Trabalho, a CLT, estatuto legal que, até os dias de hoje, assombra os neoliberais. Na década de 1980, o novo sindicalismo evidenciou que a classe operária e demais assalariados urbanos tinham maior capacidade de organização e de luta que os trabalhadores do período pré-1964. Lula da Silva e Dilma Rousseff, para implantarem o neopopulismo, apoiaram-se, não nesse novo e mais combativo operariado do qual, por ironia, provinha Lula, mas, sim, nos trabalhadores da massa marginal, composta por segmentos das classes trabalhadoras com baixa capacidade de organização e de pressão, encontrando então nesses segmentos apoio popular para o neodesenvolvimentismo, a política que reformou o modelo capitalista neoliberal até hoje vigente no Brasil. A tradição populista brasileira encontrou um novo assento e falou mais alto que as intenções iniciais dos fundadores do Partido dos Trabalhadores que visavam, segundo proclamavam insistentemente, a superar a Era Vargas pela esquerda.

Pois bem, a relação populista imobiliza politicamente o trabalhador. Um setor social com baixa capacidade de organização, interpelado do alto por políticos profissionais ou governos, torna-se prisioneiro daquilo que poderíamos denominar o culto ou fetiche do Estado protetor. Ele delega ao Estado capitalista, cujas instituições parecem situar-se acima das classes sociais, a função de “proteger os pobres”. É verdade que parte dos trabalhadores da massa marginal organiza-se e luta em movimentos pela terra e por moradia. Essa parte esteve, de resto, muito ativa na resistência ao golpe. Contudo, ela representa ainda uma ínfima minoria. O grande contingente de trabalhadores da massa marginal ausentou-se da luta e deixou a caravana do golpe passar. Esse contingente vê o Estado como uma entidade livre e soberana, a qual deve tomar a iniciativa de proteger os “pobres” e cuja ação independeria da relação de forças entre as classes sociais – residindo aí o motivo de utilizarmos também a expressão fetiche do Estado.

Os trabalhadores da massa marginal foram de fundamental importância para as vitórias eleitorais dos candidatos do PT à presidência, mas eles não têm consciência clara desse fato. Não percebem o impacto do seu próprio voto na situação política nacional; não percebem que se os seus interesses dependiam dos governos petistas, esses, por sua vez, dependiam, e ainda mais, do apoio político e não apenas eleitoral da massa marginal. E o PT não teve interesse nenhum em mudar tal percepção.

No momento da crise, quando a força e a soberania do governo petista desmancharam-se no ar, os trabalhadores da massa marginal não tinham condições ideológicas e nem organizativas para saírem na defesa do governo. Os governos Lula e Dilma e o próprio PT abriram mão de organizar essa massa, de levá-la a superar o populismo e fazê-la ver que ela deve contar com as suas próprias forças. Não quiseram e não puderam recorrer a ela em sua defesa.

No populismo clássico, em agosto de 1954, a passividade política dos segmentos populares mantidos sob o fascínio do populismo transformou-se no seu contrário e idêntico. Interpelados pela pungente “Carta testamento” de Getúlio Vargas, irromperam nas ruas em grandes, embora impotentes, quebra-quebras, ataques à grande imprensa comercial e a consulados estadunidenses. Carlos Lacerda, o jornalista que chefiara a campanha de imprensa contra Getúlio, apavorado, fugiu para a Bolívia. Em agosto de 2016, Dilma Rousseff não apelou ao povo e sequer esse espetáculo de revolta impotente o neopopulismo nos ofereceu.

Os trabalhadores sindicalizados foram neutralizados

Três fatores explicam a quase ausência do sindicalismo brasileiro na resistência ao golpe parlamentar de 31 de agosto de 2016. Primeiro, Dilma Rousseff traiu o discurso da campanha eleitoral. O segundo fator é que o sindicalismo sempre ocupou uma posição subordinada na frente política neodesenvolvimentista que sustentou o governo Dilma Rousseff. O terceiro fator é a peculiaridade da estrutura sindical brasileira e do pessoal que dirige os sindicatos.

A campanha eleitoral de Dilma Rousseff em outubro e novembro de 2014 foi centrada na defesa do crescimento econômico, da distribuição de renda e na crítica às políticas de ajuste fiscal. A candidata fez isso de modo sistemático, pedagógico e eloquente. Talvez, tenha sido a campanha eleitoral mais à esquerda das candidaturas presidenciais do PT. Por isso, tal campanha logrou atrair forças e organizações de esquerda, como o Partido do Socialismo e Liberdade, o Psol, que tradicionalmente são críticos dos governos do PT. Ocorre que, assim que assumiu o governo, Dilma passou a implantar um ajuste fiscal pesado sem sequer se preocupar em apresentar justificativas a quem a tinha apoiado. Convidou para ocupar o Ministério da Fazenda um economista, Joaquim Levy, tradicionalmente vinculado ao setor financeiro, que implantou cortes de todo tipo transformando uma conjuntura de crescimento baixo em recessão. O movimento sindical progressista passou a criticar o governo e afastou-se dele.

A relação do movimento sindical com os governos petistas nunca foi tranquila. A melhor fase foi a do segundo governo Lula (2007-2010), quando o boom das commodities, o aumento do salário mínimo e o investimento público puxaram o crescimento econômico. Porém, os governos do PT ignoraram ao longo dos anos reivindicações históricas que os sindicalistas levaram a eles em ocasiões simbolicamente fortes, como foi o caso do comício de Dilma Rousseff dirigido a 40.000 sindicalistas na campanha eleitoral de 2010 no Estádio Municipal do Pacaembu em São Paulo. Esses governos não atenderam a reivindicação de redução da jornada de trabalho legal, a reivindicação de regulamentação restritiva da terceirização, de melhoria no sistema de pensões dos aposentados, de alteração nas faixas e percentuais do imposto de renda e outras. O que o sindicalismo obteve foi, principalmente, um ganho indireto: o crescimento econômico e a enorme redução do desemprego, que caiu de 13,5% em 2003 para 4,6% em 2014, possibilitaram o fortalecimento da luta sindical na base e a conquista, pelos trabalhadores em luta, de significativos ganhos salariais. O ganho direto, resultante de ação deliberada do governo, foi a valorização do salário mínimo que teve aumento real de 75% entre 2003 e 2012.

Por último, é preciso ter em mente que o movimento sindical brasileiro é dependente do Estado. Essa estrutura começou a ser montada no primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1934), mesma época em que Salazar em Portugal e Franco na Espanha implantavam sindicalismos de Estado na Península Ibérica. No Brasil, ainda hoje, um sindicato para ser reconhecido como tal tem de obter a carta sindical do Estado. Uma vez obtida essa carta, ele pode negociar em nome de um segmento dos trabalhadores que é definido na carta expedida pelo Estado. Ademais, ele o fará em regime de monopólio da representação – unicidade sindical – e terá acesso ao fruto proibido que todo o sindicalismo disputa: abundantes recursos financeiros que, provenientes da contribuição obrigatória de todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, entram regularmente nos cofres dos sindicatos oficiais.

Graças a esse sistema, o governo pode intervir de modo sistemático e capilar na vida sindical: distribui cartas sindicais de acordo com os seus interesses, controla o uso das finanças dos sindicatos, as suas eleições e intervem, por intermédio do judiciário, depondo ou suspendendo diretorias sindicais. Os resultados políticos são variados: o Brasil tem um número cada vez maior de sindicatos cada vez menores, uma grande porcentagem dos dirigentes são agentes do Estado no seio do movimento sindical – os chamados pelegos – e a distância entre as direções, encasteladas no sistema, e as bases é grande. No momento do golpe, vimos de tudo. Centrais sindicais de pelegos apoiando o golpe parlamentar, direções de sindicais progressistas temerosas de sofrerem ingerências do Estado caso mobilizassem politicamente suas bases contra o golpe e sindicalistas progressistas que se surpreenderam com a reação negativa das bases quando solicitadas a se mobilizar. O resultado geral foi desastroso para a esquerda. A cúpula das três centrais sindicais progressistas – a CUT, a CTB e a Intersindical – mobilizaram-se contra o golpe parlamentar. Forneceram recursos financeiros, apoio logístico e meios de comunicação para a resistência. Porém, os sindicatos de base ficaram imóveis, não compareceram e nem mobilizaram os trabalhadores. Nas manifestações contra o golpe parlamentar, tínhamos lá o movimento estudantil, alguns movimentos populares, como os movimentos por terra e por moradia, setores progressistas da classe média, mas não víamos os petroleiros, os metalúrgicos, os bancários, os trabalhadores da construção civil, enfim, não víamos lá nenhum setor ativo e forte do movimento sindical.

A direita ganhou, de longe, a luta de rua. Suas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff apresentavam um contingente de manifestantes muitas e muitas vezes superior ao contingente presente nas manifestações que defendiam o mandato da presidente eleita.

Depois do golpe

Consumado o golpe em 31 de agosto de 2016, quando a presidente Dilma Rousseff, que se encontrava afastada desde 17 de abril do mesmo ano, foi definitivamente deposta, esses mesmos atores começaram a manifestar insatisfações pontuais ou oposição aberta diante do governo Michel Temer.

Os empresários do setor produtivo passaram, por intermédio de suas associações, a criticar o ajuste fiscal, a redução e o encarecimento do crédito, a nova vaga de abertura comercial e, inclusive, a elevar a polêmica para o nível doutrinário, criticando o “ultraliberalismo” do governo. Nada disso significou, contudo, que tivessem passado à oposição.

Os sindicalistas, diante da ampla e profunda política de retirada de direitos – reforma trabalhista e reforma previdenciária do governo Michel Temer – passaram a se mobilizar. Com a importante colaboração dos movimentos populares, lograram fazer uma greve geral significativa em 28 de abril deste ano de 2017. Mas, aí, como diriam os portugueses, Inês já era morta. A reforma trabalhista, que revoga os pilares do direito do trabalho brasileiro, foi aprovada. Ademais, nem o movimento sindical, nem o movimento popular, lograram, até aqui, demonstrar força suficiente para resistir à política reacionária em toda linha do novo governo.

E os trabalhadores da massa marginal? Estão recebendo a “visita” de Lula. É a chamada “Caravana da Cidadania” com a qual o ex-presidente percorre os nove Estados do Nordeste, a região mais pobre do país. Lá, Lula é abraçado por multidões, faz discursos prometendo dias melhores e aterroriza todos reacionários ao exibir sua grande popularidade. Pratica o neopopulismo, esse que se apoia nos trabalhadores da massa marginal, diferente daquele de Getúlio Vargas que se apoiava na jovem classe operária recém-chegada do campo. É, em todas as pesquisas de intenção de voto, o candidato favorito para vencer a eleição presidencial de 2018. Se a perseguição judicial da qual é vítima não impedir a sua candidatura e se houver eleição em 2018, a esquerda, penso eu, não terá outra opção a não ser apoiá-lo.





(*) Armando Boito é professor de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade de Campinas (Unicamp). É ainda diretor do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) e editor da revista ‘Crítica Marxista’. Desenvolve pesquisa sobre as relações de classe no capitalismo neoliberal no Brasil e na América Latina. Entre as suas obras publicadas contam-se O Golpe de 1954: a burguesia contra o populismo (Editora Brasiliense, 1982), O sindicalismo de Estado no Brasil - uma análise crítica da estrutura sindical (Editoras Hucitec e Unicamp, 1991), Política neoliberal e sindicalismo no Brasil (Editora Xamã, 1999), O Sindicalismo na política brasileira (Editora IFCH-Unicamp, 2005) e Estado, política e classes sociais (Editora da Unesp, 2007). É também organizador de diversos volumes coletivos, entre os quais A obra teórica de Marx - atualidade, problemas e interpretações (Editora Xamã, 2000),A Comuna de Paris na História (Editora Xamã, 2001), Marxismo e Ciências Humanas(Editora Xamã, 2003), Marxismo e socialismo no século XXI (Editora Xamã, 2005) ePolítica e classes sociais no Brasil dos anos 2000 (Alameda Editorial, 2012)

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