segunda-feira, 7 de maio de 2018

Carta de Lisboa - Uma casa em Lisboa

Cartas do Mundo

Carta de Lisboa - Uma casa em Lisboa

 

 
07/05/2018 13:25
 
 
Querida Monica

Você lembra daquela vez em que ficou encantada com uma vilazinha perto de Coimbra e disse que, se pudesse, comprava uma casa ali mesmo para viver? Pensei nesse episódio quando vi ontem a notícia de que, aqui em Lisboa, o preço de habitação por metro quadrado é muitíssimo superior ao da média nacional portuguesa e que tem crescido imenso o número de casas compradas por estrangeiros, sendo que 19% desses estrangeiros são brasileiros (só ultrapassados pelos franceses). A notícia revela que se trata de cidadãos brasileiros de alto poder aquisitivo que procuram alternativas imobiliárias ao investimento tradicional na Florida e que aplicam capital no imobiliário de Lisboa fugindo da crise política, social e económica do Brasil.

A elite social e financeira – no Brasil, em Portugal ou onde quer que seja – atua sempre da mesma maneira: produz as crises quando a sua acumulação de capital está posta em risco; e depois invoca a crise que ela própria produziu para fugir com o capital para paragens onde a rentabilidade esteja mais garantida. A elite social e financeira inventou até a institucionalização de praças de ilegalidade – os offshores – para satisfazer essa volúpia de acumulação garantida. E quando a estratégia de rentabilidade do capital se junta à fuga física pessoalizada, o imobiliário de luxo é uma tentação. O que está a acontecer em Lisboa é isso mesmo: muitos dos mentores empresariais e financeiros da atual esquerdofobia brasileira, que na sombra animaram o impeachment de Dilma e o impeachment preventivo de Lula, vivem discreta e tranquilamente em moradias luxuosas em Lisboa. Claro que, no discurso público, invocam o clima, o peixe, o vinho, a segurança e a simpatia do povo português para terem residência em Lisboa. Mas o seu objetivo real é bem outro: pôr a fortuna em lugar seguro e em aplicação altamente rentável. Não, Monica, essa gente nunca compraria uma casa rústica na vilazinha perto de Coimbra, é o boom imobiliário que ela própria alimenta que a atrai. Agora em Lisboa, depois em Madrid, amanhã em Luanda ou em Miami, depois logo se vê. Follow the money…
Mas há um outro aspeto desta “migração imobiliária” que me interessa e indigna. É que Portugal, como outros países europeus, criou um mecanismo de atração desses capitais seletivos (e especulativos) para o seu imobiliário. Chama-se “vistos gold” e consiste em atribuir automaticamente autorização de residência em Portugal a um cidadão estrangeiro que invista mais de 500.000 euros em imobiliário. Essa concessão automática contrasta radicalmente com o que é exigido a qualquer outro imigrante para Portugal ou aos cerca de 30.000 imigrantes que trabalham informalmente em Portugal há anos, que esperam pela emissão dos documentos de regularização que já requereram há meses ou mesmo anos e a quem o Estado condena a continuarem a aguardar em condição irregular e, por isso, expostos a todo o tipo de abusos dos seus direitos fundamentais. Eis como em Portugal se afirma hoje uma política de dois pesos e duas medidas para os fluxos migratórios: quem vem para o meu país trabalhar é confrontado com exigências legais e burocráticas e com uma atitude da administração que evidenciam uma lógica de fechamento que tem na União Europeia um poderoso agente legitimador; quem opera fuga de capitais do seu país de origem (do Brasil, por exemplo) – ou até, em vários casos já verificados, não tem outro intuito que não seja o da lavagem de dinheiro – tem uma passadeira vermelha estendida para alimentar a bolha especulativa no imobiliário português.  

Querida Monica, receio que a casa rústica que a encantou na vilazinha perto de Coimbra tenha hoje um preço exorbitante. O acolhimento tão generoso que Portugal faz à elite brasileira que retira o capital do seu país é responsável por isso. É melhor você esquecer aquele sonho de há anos. Será sempre bem-vinda à nossa casa cujo aluguer está sob uma pressão brutal para aumentar. Porque será?

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