segunda-feira, 7 de maio de 2018

Todos contra a esquerda, no Brasil como no México


Todos contra a esquerda, no Brasil como no México

Cenário político brasileiro repercute no México, onde os quatro candidatos preteridos nas intenções de votos para as eleições presidenciais de julho voltam suas armas contra o líder das pesquisas, López Obrador, nome da frente de esquerda

 
07/05/2018 10:49
 
 
O caótico cenário político do Brasil atual está na agenda de professores e pesquisadores de diferentes países do continente americano, num exercício de reflexão e resistência contra violações às pautas democráticas que, não raro, se reproduzem na região. Um olhar atento sobre o México, que passará por eleições presidenciais no próximo dia 1º de julho, desvenda algumas dessas semelhanças. É o que explica Miriam Madureira, doutora em Filosofia pela Universidade Goethe de Frankfurt (Alemanha) e professora da Universidade Autônoma Metropolitana (UAM/México). Ela é membro da equipe de especialistas que promove o Seminário de Estudos Brasileiros (Sembrar), na Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), instituição da qual fazem parte as outras duas professoras realizadoras do projeto, Regina Crespo, doutora em História, e Mônika Meireles, doutora em Estudos Latino Americanos.

“Perceber a existência de uma mesma lógica em acontecimentos nos diferentes países do continente permite identificar uma mesma lógica no que poderia parecer acaso, e perceber que esta lógica está frequentemente vinculada a interesses internos e externos semelhantes. Isso também pode ser útil para desenvolver uma resistência em comum”, argumenta Miriam.

Ecoaram em universidades mexicanas os recentes ataques à liberdade de cátedra desfechados no Brasil pelo ministro da Educação, Mendonça Filho, contra o cientista político Luis Felipe Miguel, que oferece uma disciplina sobre o golpe de 2016 na Universidade de Brasília (UNB). “Consideramos gravíssima a situação atual do país e pensamos que a censura ao debate acadêmico e a perseguição às Humanidades que se torna cada vez mais clara é inadmissível”, repudia a professora.

Ciência – Miriam Madureira equipara a linha de atuação do Governo Enrique Peña Nieto à do Governo Michel Temer. “A política para a ciência também sofre cortes aqui, mas nada que se compare com o que o governo ilegítimo de Temer e seus apoiadores querem implementar. Em termos gerais, existe ainda bastante apoio para as universidades públicas e a pesquisa acadêmica, através do Conacyt [Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, do México, correspondente ao CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, do Brasil], embora esse setor não tenha passado por uma expansão tão grande como as universidades públicas e o ensino técnico nos governos do PT, e esteja mais centralizado na capital do país”, relaciona.

No Brasil, entidades do campo científico se lançaram a uma empreitada contra as medidas do Governo Temer para o setor. No manifesto “Orçamento de CT&I para 2018: tragédia anunciada!”, lançado no final de 2017, denunciam que o orçamento geral do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) para 2018 é cerca de 19% menor do que o praticado no ano anterior.

Todos contra a esquerda – Miriam Madureira afirma que no México, tal qual no Brasil, é forte a presença do que ela define como direita tendencialmente golpista. “Existe, sim, uma reação ao candidato mais à esquerda para as próximas eleições presidenciais no México, López Obrador, que se parece muito com o tipo de reação contra o PT e a esquerda em geral no Brasil, com o mesmo tipo de falsos argumentos e preconceitos, embora a situação no México esteja menos polarizada (até porque a esquerda há décadas não governa o México)”, relata. Entre as acusações rudimentares desferidas contra López Obrador, estão a de “querer transformar o México numa Venezuela” e a de “ser populista”. Tem ainda a fórmula, de grande apelo social, que associa líderes de esquerda à corrupção, mesmo que não haja provas, apenas convicções. Insistem que López Obrador possui “apartamentos não declarados”, ainda que as únicas evidências atentem a favor do candidato da frente de esquerda.

Nesse contexto de atentado contra o jogo limpo no México, e que é tão familiar ao Brasil, a professora alerta existir “um risco, caso ele seja eleito, de um golpe aqui também: depois de décadas, na semana passada [19 de abril] a extinção do foro privilegiado para funcionários públicos foi aprovada de repente - justamente agora que um governo de esquerda está a ponto de eleger-se. É provável que não seja coincidência”.

O projeto, chancelado às pressas na Câmara dos Deputados, dá margem a julgamentos políticos, motivados por revanchismo, tamanha ambiguidade das tipificações a que pode ser enquadrado um gestor, como “atuar em prejuízo de interesses públicos”. A iniciativa ataca um inimigo comum à direita, à esquerda e às variantes, que é a corrupção; o cerne da polêmica se encontra nos seus meandros dúbios e que indica o interesse eleitoral dos seus defensores. Ao fim e ao cabo, os 370 legisladores convergiram na aprovação do projeto e não falta quem reivindique a paternidade dele.

Trajetórias - A lógica dos partidos à direita também é campo minado num e noutro país, analisa Miriam Madureira: “Depois de ter passado pela Revolução Mexicana, que fez já nos anos 20 uma reforma agrária que nunca tivemos, ao longo de décadas o governo do PRI [Partido Revolucionário Institucional] foi se tornando algo como um imenso PMDB, fisiológico e corrupto, e a única alternância que houve no governo federal foi com um partido conservador, o PAN, depois do ano 2000”.

O PRI governou o México por 71 anos seguidos, entre 1929 e 2000, quando perdeu o posto para o Partido Ação Nacional (PAN), retomando o poder em 2012, sob a batuta de Enrique Peña Nieto. Em 2018, os partidos de esquerda Movimiento Regeneración Nacional (Morena), Partido Encuentro Social (PES) e Partido del Trabajo (PT) estão unidos na frente Juntos Haremos Historia, encabeçada por Andrés Manuel López Obrador. Ele aparece com larga vantagem sobre os outros quatro candidatos que disputarão a preferência de 89 milhões de eleitores no México.

No último mês abril, pesquisa de intenções de voto do jornal Reforma apontou vitória de López Obrador com 48% dos sufrágios. Ele é seguido por Ricardo Anaya (26%), aposta da frente formada pelo Partido Acción Nacional (PAN), pelo Partido de la Revolución Democrática (PRD) e pelo Movimiento Ciudadano. Em terceiro lugar, figura José Antonio Meade (18%), timoneiro da coalizão entre o Partido Revolucionario Institucional (PRI), Partido Verde Ecologista de México (PVEM) e Nueva Alianza. Os candidatos que assumem o quarto e o quinto posto concentram 5% e 3% das intenções de voto, respectivamente. As porcentagens desconsideraram os 19% de eleitores que preferiram não responder ao questionário e a margem de erro da pesquisa é de 3,7%. A comparação entre os resultados das pesquisas a cada novo cotejo aponta permanente ascensão de López Obrador.

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