quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Música, arma poderosa na luta pela liberdade de Lula

Arte

Música, arma poderosa na luta pela liberdade de Lula

Festivais, shows, raps, sambas, repentes nordestinos, vídeos musicais, refrões e manifestações melódicas país afora tomam conta da campanha 'Lula Livre, Lula Guerreiro do Povo brasileiro'. Reúne velhos, moços, homens e mulheres, artistas novos e os veteranos em vasto movimento pela democracia, um espelho da musicalidade do povo brasileiro que reivindica liberdade para o seu candidato

 
28/08/2018 19:58
O músico Tomaz Miranda e a cantora Beth Carvalho, no Festival Lula Livre, no Rio (Sofia Perpétua)
Créditos da foto: O músico Tomaz Miranda e a cantora Beth Carvalho, no Festival Lula Livre, no Rio (Sofia Perpétua)
 
Naquela noite clara de sábado, 28 de julho, pela primeira vez Chico Buarque e Gilberto Gil cantaram juntos para cerca de 50 mil pessoas a canção Cálice*, de autoria dos dois. Escrita em 1973 eles foram proibidos pela censura da ditadura civil-militar de apresentar sua composição, recém feita, em um festival. Antes dela, Chico Buarque cantou outra obra prima do seu cancioneiro, Gota D’Àgua**, para delírio da imensa audiência. 

Naquele momento, assim como hoje, um mês depois do Festival Lula Livre, nos Arcos da Lapa, no Centro do Rio de Janeiro, ficou provado, mais uma vez, que a música pode ser uma poderosa ferramenta de resistência e de chamado político em um país de extraordinária musicalidade como o Brasil.

Numa campanha eleitoral em que é feito o inimaginável pelos extratos golpistas da Justiça, da mídia e das chamadas elites, para calar a voz de Lula e apagar a sua imagem mantendo-o ilegalmente incomunicável e invisível em dependência da polícia federal de Curitiba, nada melhor, a partir daquela noite do Festival Lula Livre, do que as mensagens musicais oportunas e confortadoras transmitidas pelos militantes para os eleitores do ex-presidente – o candidato preferido da grande maioria de cidadãos que irão às urnas no próximo dia 7 de outubro e esperam ver o seu nome no escrutínio.

A vigorosa e alegre campanha musical pró Lula vem burlar o poder da velha mídia, em indecoroso silêncio sobre o assunto. Ela reúne os velhos e os moços, homens e mulheres de várias classes, em diversas cidades do país, e promete tomar mais corpo ainda nos próximos trinta dias.

Há vídeos musicais produzidos por coletivos que circulam na internet. Há o tema do olê olé olácantado e musicado em diversos tons gravado em telefones celulares pelo Brasil afora. E pode-se dizer que essa monumental narrativa musical que reivindica o reencontro físico com Lula e a restauração da democracia no país, essa campanha de resistência política começou com o trompete de um jovem instrumentista, Fabiano e Silva Leitão. Atualmente ele é motorista porque não tem mais emprego na sua profissão: professor de música de uma ONG para crianças pobres da periferia de Brasília. 

Fabiano hoje é conhecido como o ''trompetista da resistência''. Começou o ativismo trolando, com o seu instrumento, as entradas ao vivo dos repórteres da Globo em Brasília.

Um balanço deste penúltimo fim de semana de agosto mostra que as manifestações de apoio musical a Lula estão se espalhando. Conta-se 17 locais públicos de várias cidades do país – shoppings, feiras livres, mercados, o Parque Laje no domingo carioca, estação de metrô no Centro do Rio de Janeiro, rodoviárias – que se encontram nessa mesma sintonia política musicada e dançada ao som do refrão de outras campanhas vitoriosas petistas, o olê, olé, oláagora enriquecido com gritos de batalha de Lula, guerreiro do povo brasileiro e do clamor exigindo Lula Livre.
O solitário trompete de Fabiano inspirou dezenas de trompetaços. Em algumas manifestações-surpresa já apareceram duplas e trios de trompetistas. E daqui a alguns próximos eventos, espera-se a apresentação de pequenas bandas tocando o mesmo instrumento. 

Enquanto isto, até um violinista(!) já apareceu em um louco solando os refrões da campanha. E uma fiel moradora do bairro de Laranjeiras, no Rio, costuma, quase toda tarde, da varanda do apartamento dar o boa noite Lula com seu trompete.

''Meu jeito de lutar pela liberdade do Lula é tocando meu trompete nas feiras, nos mercados, nas marchas e nos encontros do PT, onde me convidam. A companheirada faz uma vaquinha, paga a passagem, arranja uma casa para eu ficar e eu embarco. O meu trompete ajuda na mobilização popular'', disse Fabiano à repórter Zezé Weiss, numa bela reportagem sobre ele publicada na revista Xapuri.

Já José Rodrigues Júnior, conhecido como Mao, líder da banda Garotos Podres, em entrevista recente classifica a música uma forma de intervenção política. Ele critica duramente os governos tucanos em São Paulo e conta que se filiou recentemente ao PT. "É uma manifestação de rebeldia", ele diz.

Outro ativista musical é Claudinho Guimarães. Ele recebeu uma ligação da equipe de Lula durante a última caravana do ex-presidente. Era um pedido pessoal de Lula para que o sambista compusesse uma música. O refrão do seu samba é forte: ''O povo quer, o povo decide, o povo diz / Nós queremos Lula andando livre no País''.
Claudinho mora em Maricá, no Rio de Janeiro. Nasceu em Marechal Hermes e foi criado em Rocha Miranda. ''Eu sei o que é viver na comunidade, onde você troca comida''. Sobre o momento atual de Lula ele diz estar ''triste''; e sabe que houve um ''outro golpe''. Mas crê que isso pode significar um ''renascer''.

Música e poesia, armas para lutar pela liberdade de Lula. ‘’ Há algo de novo que está no ar, que surgiu meio que por acaso, e virou uma onda, a seis semanas desta insólita eleição, em que o candidato favorito disparado nas pesquisas continua preso em Curitiba, ‘’ escreve o jornalista Ricardo Kotscho no seu blog. 

E acrescenta: ''Nos vídeos que inundaram as redes sociais no domingo, o que mais me chamou a atenção foi a adesão generalizada da freguesia, sem que se notassem protestos contra as manifestações''.
No Norte e no Nordeste, dezenas de repentistas mostram a verve e o talento em shows cada vez mais concorridos. Em Mossoró, Rio Grande do Norte, no começo de agosto, os cantadores José Luiz e Valdir Teles, apresentaram um improviso com o mote ''Sérgio Moro, se cale, abra essa cela... Solte Lula que o povo quer votar''.
E no festival dos Arcos da Lapa, o cantor e compositor Chico César arrepiou a multidão cantando o Hino da Independência à capella, e mudando o verso ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil por ou ficar o Lula livre ou lutar pelo Brasil.
''Quando a coisa aperta sempre correm para os artistas. Para dialogar com as pessoas, nada melhor do que música, teatro, cinema etc. A arte transforma, faz refletir. É muito mais do que entretenimento'', diz Tomaz Miranda, de 31 anos. Ele comanda a música do ''Simpatia é Quase Amor'' há 10 anos. É um dos muitos artistas da nova geração engajado na campanha de resistência política. Sempre defende, na organização dos atos políticos, ''menos falação e mais arte''. 

Formado em música, com 15 anos ele selou o primeiro trabalho em uma roda de choro, no Porcão de Ipanema. É cria de um ''lugar especial'', como ele diz. O bar Bip-Bip, em Copacabana, reduto dos petistas, do Alfredinho, onde ''aprendi quase tudo que sei de samba''.

Tomaz relembra alguns momentos de particular emoção, durante o Festival Lula Livre: ''Quando cantei o samba enredo da Tuiuti/2018, de Claudio Russo e Moacyr Luz, que fala de escravidão, liberdade e cativeiro. Quando Odair José subiu no palco para cantar 'eu vou tirar você desse lugar'. Ver a Beth Carvalho, do alto dos seus 72 anos, subindo naquele palco para cantar um samba inédito do Claudinho Guimarães e chamando a gente para cantar junto. Só ela é capaz dessa generosidade. E, naturalmente, quando Chico e Gilberto Gil cantaram Cálice.Nessa hora não consegui me segurar e chorei''.

O cavaquinista, que é advogado também, faz parte da equipe da assessoria do Deputado Wadih Damous, do  PT do Rio de Janeiro, um dos advogados de Lula. Ele diz: ''Mas continuo músico, sempre. Sempre fiz as campanhas do PT no Rio, desde garoto, mesmo antes de me filiar. Tenho até uma foto, eu criança com Lula e Chico Buarque numa pelada, no Aterro do Flamengo''. 


Tomaz Miranda e seu pai (à direita) ao lado de Lula, em futebol do Encontro Nacional do PT, em 1997. Também na foto estão Chico Buarque, Tarso Genro e Antonio Pitanga (Arquivo Pessoal)

''Tive certeza de que estou do lado certo vendo artistas, jornalistas, intelectuais, parlamentares, figuras públicas e anônimas trabalhando em harmonia nos bastidores do festival do mês passado. Produção, política, cultura... Para fazermos uma noite histórica pela liberdade do maior líder popular da América Latina.’’ 

''O Lula está preso por um motivo simples: a elite brasileira não tem candidato para ganhar dele e cansou de conciliar. E as instituições de Estado no Brasil têm um caráter de classe. Em 2002 nós ganhamos o governo, mas não ganhamos o Estado. É preciso refletir sobre isso''.

E sobre o juiz de Curitiba: ''Sergio Moro tem um lugar reservado na história: a lata do lixo, que é para onde os ratos vão. Juscelino foi perseguido pelas instituições de Estado. Alguém lembra o nome dos investigadores?''

Além do ''som forte do trompete'', como diz o Fabiano, há outros ares musicais na campanha pró-Lula. Grupos de música africana (o Mama África por exemplo), Chico Cesar, Odair José, Macalé,  veteranos como Beth Carvalho, Noca da Portela e Nelson Sargento; Taiguara e Martinho da Vila que visitou o ex-presidente em Curitiba na companhia de Chico Buarque. Raps, sambas, ritmos do Norte e do Nordeste se multiplicam e estão  por aí, circulando apesar do silêncio do Fantástico, como acentuou Chico, na saída da visita a Lula: ''Mas calaboca já morreu'', ele lembrou.

O próprio Lula registrou, no bilhete que escreveu agradecendo os artistas que participaram do festival da Lapa, no Rio, e que será replicado em São Paulo, no próximo domingo, dois de setembro, o segundo de uma série de outros, até outubro -, Lula reforçou: ''Onde querem silêncio, seguiremos cantando''.

Em suma: trata-se de uma bela e eficaz nova forma de fazer campanha e fazer política. É como observou Kotscho, ''sem marqueteiro, sem grana de empreiteiras, sem cabos eleitorais remunerados – e o TSE não pode fazer nada para impedir''.

*Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ De vinho tinto de sangue/ Como beber dessa bebida amarga/ Tragar a dor, engolir a labuta/Mesmo calada a boca, resta o peito/ Silêncio na cidade não se escuta/ De que me vale ser filho da santa/ Melhor seria ser filho da outra/ Outra realidade menos morta/ Tanta mentira, tanta força bruta/ Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/De vinho tinto de sangue/ Como beber dessa bebida amarga/ Tragar a dor, engolir a labuta/ Mesmo calada a boca, resta o peito/ Silêncio na cidade não se escuta/ De que me vale ser filho da santa/ Melhor seria ser filho da outra/ Outra realidade menos morta/ Tanta mentira, tanta força bruta/ De muito gorda a porca já não anda/ De muito usada a faca já não corta/ Como é difícil, pai, abrir a porta/ Essa palavra presa na garganta/ Esse pileque homérico no mundo/ De que adianta ter boa vontade/ Mesmo calado o peito, resta a cuca/ Dos bêbados do centro da cidade/ Pai, afasta de mim esse cálice/ De vinho tinto de sangue/ Talvez o mundo não seja pequenoNem seja a vida um fato consumado/ Quero inventar o meu próprio pecado/ Quero morrer do meu próprio veneno/ Quero perder de vez tua cabeça/ Minha cabeça perder teu juízo/Quero cheirar fumaça de óleo diesel/ Me embriagar até que alguém me esqueça. (Cálice)

**Já lhe dei meu corpo, minha alegria Já estanquei meu sangue quando fervia/ Olha a voz que me resta/ Olha a veia que salta/ Olha a gota que falta pro desfecho da festa/ Por favor/ Deixe em paz meu coração/ Que ele é um pote até aqui de mágoa/ E qualquer desatenção, faça não /Pode ser a gota d'água/ Já lhe dei meu corpo, minha alegria/ Já estanquei meu sangue quando fervia /Olha a voz que me resta/ Olha a veia que salta/ Olha a gota que falta pro desfecho da festa/ Por favor /Deixe em paz meu coração /Que ele é um pote até aqui de mágoa/ E qualquer desatenção, faça não /Pode ser a gota d'água /Pode ser a gota d'água / Pode ser a gota d'água. (Gota d’Água)

Nenhum comentário:

Postar um comentário