quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Os quatro países que marcarão a política internacional na próxima década


Os quatro países que marcarão a política internacional na próxima década

Neste mundo que muda aceleradamente, as nações continentes são as que ditam o ritmo e dão o tom principal. Ontem eram os Estados Unidos, hoje é a China

 
23/08/2018 11:55
 
 
Hoje, o G3 se consolida com Estados Unidos, China e Japão. Mas se espera que, nos próximos anos, uma quarta força se some a esse clube: a Índia, a maior democracia do mundo, que em 2040 representaria 15% do produto bruto mundial.

Neste mundo que muda aceleradamente, as nações continentes são as que ditam o ritmo e dão o tom principal. Ontem eram os Estados Unidos, hoje é a China. Ambos, aceleradamente, estabeleceram o que se costumou chamar de G2. Há algum candidato ao G3? Sim, é o Japão. Mas daqui a cinco ou dez anos será o momento da Índia.

E já é hora de observemos desde este lado do mundo como a Índia se está movendo no tabuleiro global. Por seu crescimento, por seu pertencimento a diversas agrupações estratégicas, pela singularidade de ser a maior democracia do mundo.

A Índia emerge com uma força extraordinária. Está crescendo mais que a China nos últimos dois ou três anos, com 7,5% anual. Conta com uma população que, em cinco anos, superará a da China e tudo indica que será um continente com 1,6 bilhão de pessoas até 2040. Um recente informe de uma importante consultora anuncia que será una economia maior que a dos Estados Unidos, com paridade de poder de compra. Ou seja, nos próximos vinte anos, a Índia será a segunda economia do mundo depois da China.

Nas últimas semanas, vimos a Índia participar do encontro denominado Quad Indo-Pacífico (junto com Estados Unidos, Austrália, Índia e Japão), na Organização de Cooperação de Shanghai (somando-se oficialmente a Rússia, China e outros da Ásia Central) e na última cúpula dos BRICS (onde também estão Brasil e África do Sul). Daqui a três meses, estará em Buenos Aires, na reunião do G20. Sem dúvidas, uma diplomacia intensa e diversa.

Em cada instância por onde passa, deixa a sua marca: a democracia de maior população, seguidora dos valores democráticos e liberais que, de uma ou outra forma, herdaram do império inglês. Após as conquistas impulsadas por Gandhi e Nehru, o pensamento socialdemocrata do partido do Congresso, conduzido por Indira Gandhi e seu filho, deram o grande suporte político, depois da independência. Mas em 2014, com a chegada do primeiro-ministro Narendra Modi, de inspiração liberal e comprometido a mover a economia com menos ataduras estatais.

Foi responsável por um período de extraordinário crescimento, embora alguns sustentem que poderia avançar mais rapidamente, em torno a 9%. A grande aposta da Índia está no setor de serviços, diferente da China, que buscou estabelecer um domínio no âmbito das manufaturas. Bangalore é o seu Vale do Silício, e já levou a Índia a ser considerada uma líder mundial no mundo da tecnologia. Contudo, o país quer ser conhecido por algo mais que o outsourcing de suas habilidades informáticas.

Esta Índia, que outrora inspirou o grande movimento dos Países Não Alinhados, agora busca gerar seu próprio conceito, através do Oceano Índico e do Pacífico. É ali onde emerge o planteado por Gurpreet Khurana, oficial da marina hindu que, em 2007, falou da segurança das linhas marítimas e de como se poderia fomentar uma cooperação com o Japão.

Conseguiu o apoio do primeiro-ministro Abe, em agosto de 2007, falando sobre a confluência entre os oceanos Índico e Pacífico, como mares de liberdade e prosperidade no espaço geográfico maior da Ásia. Hoje, se destaca a vigência de um entendimento entre Austrália, Índia, Japão e Estados Unidos em torno a essa ideia.

É um quadrilátero onde esses países tentam se coordenar para defender seus interesses nesse grande espaço marítimo, com clara intencionalidade política. Mas a Índia busca fazê-lo com cuidado. Não só porque seu orçamento militar se mantém baixo, comparado com os outros grandes do entorno, mas também porque a China tem uma grande influência nos países periféricos da Índia, como Nepal, Sri Lanka e Bangladesh.

Se registra, assim, um movimento acelerado de peças, onde a Índia emerge com força nos diversos tabuleiros: por suas credenciais democráticas “ao estilo ocidental”, com apoios com a Austrália, o Japão e os Estados Unidos, mas também por suas profundas raízes no mundo asiático, com a China e outros países da região. Ao mesmo tempo, buscando se consolidar como uma potência econômica nos BRICS. Até 2040, se supõe que a Índia chegará a ter 15% do produto bruto mundial. Então, passaria a ser a segunda maior economia do mundo, superando os Estados Unidos.

Trump – muito longe da visão estratégica com a qual Obama buscou o diálogo com Narendra Modi – vê essa possibilidade dos “quatro ocidentais” como operação de contenção imediata, enquanto empurra a guerra comercial com a China. Mas as coisas são mais sutis. Em 2013, um documento do Ministério da Defesa da Austrália dizia que para assegurar os interesses geopolíticos australianos era importante operar no Oceano Índico com sócios regionais.

Mas a Índia calcula cada passo. Por isso, apesar de causar certa surpresa na recente reunião desses quatro países, em Singapura, o primeiro-ministro Modi (presidente do grupo este ano) fez um discurso onde se absteve de mencionar os países, porque considerou que não era adequado se comparar com essas outras democracias ocidentais tão grandes. Foi sutil. Sua diplomacia está praticando um princípio de multipertencimento, que deixa mais de uma lição para os países como os nossos, da América Latina. Modi sabe que é uma questão de saber esperar.

Ricardo Lagos Escobar é ex-presidente do Chile

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