quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Política Porque Lula tem que estar na urna eleitoral

Política

Porque Lula tem que estar na urna eleitoral

O caso do ex-presidente brasileiro representa um conflito entre democracia e estado de direito. Não há uma boa solução para isso, mas desta vez a democracia deve prevalecer sobre a justiça

 
23/08/2018 15:31
Uma fotografia com o rosto de Luiz Inácio Lula da Silva serviu de fundo para a coletiva de imprensa do Partido dos Trabalhadores na qual se anunciou que o ex-presidente seria seu candidato à presidência. (Patricia Monteiro/Bloomberg, via Getty Images)
Créditos da foto: Uma fotografia com o rosto de Luiz Inácio Lula da Silva serviu de fundo para a coletiva de imprensa do Partido dos Trabalhadores na qual se anunciou que o ex-presidente seria seu candidato à presidência. (Patricia Monteiro/Bloomberg, via Getty Images)
 
Nota da redação:Jorge Castañeda é um escritor e político mexicano. Filho de diplomatas, em sua juventude participou do Partido Comunista, mas se tornou um liberal econômico depois. Foi ministro das Relações Exteriores de Vicente Fox, eleito pelo partido direitista PAN e que introduziu reformas liberais no México. Tentou candidatar-se como independente à presidência do México, mas não conseguiu. É atualmente professor de  “Politics and Latin American and Caribbean Studies” na New York University. 

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CIDADE DO MÉXICO — No dia 7 de outubro haverá uma eleição presidencial no Brasil, a sétima desde o retorno da democracia em 1985. Esta disputa representa um choque fundamental entre a democracia e o estado de direito, entre as eleições livres e justas e o respeito ao devido processo. O ex-presidente brasileiro e aspirante a candidato presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva, explicou parte desta contradição recentemente. 

O complicado sistema eleitoral e judicial brasileiro decidirá aproximadamente em meados de setembro se admite sua candidatura ou, o que é mais provável, se proíbe sua participação. Isto seria um erro. Ter Lula na urna eleitoral fortalecerá a democracia no Brasil, o qual é uma condição necessária, apesar de insuficiente, para o estado de direito.

Lula da Silva e seus seguidores argumentam que ele está liderando as pesquisas; que a proibição de sua participação está baseada em uma acusação de corrupção relativamente leve, sustentada por declarações de testemunhas cujas sentenças foram reduzidas em troca de testemunharem contra ele, algo que ele e muitos juristas questionam; e que o sistema judicial brasileiro transformou-se no árbitro das eleições do país devido a uma série de leis anticorrupção perante a ineficácia das normas existentes.

Seus opositores, junto com os juízes que o sentenciaram a doze anos de prisão e parte dos meios de comunicação brasileiros, insistem no conteúdo da questão, não no processo em si. Segundo eles, Lula da Silva foi sentenciado pelo crime de corrupção, seja ele leve ou não, e perdeu o recurso de apelação na Suprema Corte para ficar em prisão domiciliar até que terminassem todas as suas investigações. Além disso, enfatizam, ele ainda está sendo julgado por outras seis acusações, apesar de que o processo completo pela primeira acusação ainda não completou seu curso. Em último lugar, está a "Lei da Ficha Limpa" no Brasil, assinada pelo próprio Lula quando era presidente, que afirma que qualquer pessoa que for declarada culpada de corrupção em duas instâncias não pode ser candidata à presidência. Dessa forma, seja porque está na prisão ou porque foi condenado por corrupção, é quase certo que ele não estará na urna eleitoral.

Os apoiadores de Lula da Silva respondem que um dos juízes envolvidos, Sérgio Moro, está realizando uma vingança política contra o ex-presidente e o partido que este fundou há cerca de quarenta anos. Também afirmam que o apartamento de frente para o mar que supostamente foi-lhe dado por uma empreiteira à qual ele deu contratos não é seu nem de sua falecida esposa. Seus adversários respondem que não está sendo dado um tratamento especial a Lula e que ele não deve ter nenhum privilégio especial só porque é popular, foi presidente ou desejar disputar esse cargo.

Este dilema não tem uma solução simples, especialmente em um país com uma elite política tão desprestigiada que está só começando a sair da pior recessão econômica em décadas. Jair Bolsonaro, um candidato da extrema-direita — que ao que parece é assessorado, entre outros, por Steve Bannon — está disputando a presidência e ocupa o segundo lugar nas pesquisas, após Lula da Silva. Esse candidato apela para o lado racista, homofóbico e sexista sempre presente na sociedade brasileira, além de um grande sentimento de rejeição à classe dirigente. Claramente, Bolsonaro é uma ameaça maior para a democracia brasileira que os excessos de Lula da Silva, se forem confirmados totalmente.

Permitir que Lula disputasse a presidência apaziguaria seus apoiadores, que são muitos, mas reduziria seriamente a sensação de que depois de quase dois séculos de privilégios, corrupção e ausência de leis iguais para todos e da queda dos arrogantes e poderosos, o Brasil está entrando finalmente na modernidade em um aspecto no qual o país e seus vizinhos sempre foram mal: o estado de direito. Entretanto, negar a dezenas de milhões de cidadãos que votarão em Lula a possibilidade de fazer com que seu ídolo retorne ao Palácio do Planalto quase implicaria privá-los de seus direitos.

A petição de Lula da Silva foi respaldada por figuras internacionais de todo o planeta. Mais de uma dezena de parlamentares estadunidenses e o senador Bernie Sanders escreveram uma carta ao embaixador do Brasil em Washington. Exigiram que Lula fosse libertado enquanto seu recurso de apelação estivesse em curso e condenaram o uso da luta contra a corrupção como ferramenta para perseguir os políticos da oposição. O papa Francisco recebeu um pequeno grupo de amigos de Lula originários do Brasil, Argentina e Chile alguns dias atrás, e ouviu com atenção suas queixas.

Apesar de Lula da Silva insistir em que a única opção é sua candidatura, seu partido, o Partido dos Trabalhadores (PT), tem um plano B. Neste cenário, o ex-prefeito de São Paulo e atual candidato à vice-presidência, Fernando Haddad, acabaria estando na urna eleitoral se os protestos, os recursos jurídicos e os esforços da campanha internacional de Lula não derem resultado. No caso do ex-líder sindical poder transferir votos suficientes para seu substituto, ele poderia ganhar no segundo turno da eleição, marcado para 28 de outubro. Entretanto, se a transferência não funcionar completamente e for negada ao PT a vitória de uma ou outra forma, os desafios para o Brasil podem ser acachapantes.

Existe uma complicação adicional derivada do contexto regional no qual este drama está se desenvolvendo. Em várias nações latino-americanas, as proibições por parte dos mandatários no poder aos opositores que disputam a presidência tornou-se a norma. Na Nicarágua, em 2016, Daniel Ortega abateu ou intimidou uma quantidade suficiente de rivais — em particular o mais forte deles, Eduardo Montealegre — para terminar vencendo com 72% dos votos e praticamente sem protestos legais. Na Venezuela neste ano, Nicolás Maduro garantiu que os principais candidatos da oposição, Henrique Capriles e Leopoldo López, não pudessem sem candidatos. Somente um candidato bastante falso se opôs a Maduro.

Em outros países, também houve tentativas de proibir que candidatos aparecessem na cédula ou de desanimá-los quanto a se candidatarem; entre os afetados estiveram desde o líder mexicano da oposição López Obrador em 2005 (o qual venceu as eleições de julho deste ano) até vários candidatos guatemaltecos que foram proibidos de entrar na disputa devido a acusações de corrupção, cláusulas de antinepotismo e violações dos direitos humanos.

Assim como no Brasil, muitos destes casos — não todos, evidentemente — são enganosos. Alguns candidatos foram retirados da disputa por razões válidas, ou pelo menos legais. Outros foram vítimas inquestionáveis de perseguição política. É difícil questionar a ideia de que o caso de Lula pertence mais adequadamente às categorias da Venezuela e da Nicarágua e não às outras. Com exceção de que a democracia brasileira não está colapsando nem estão sendo assassinados os manifestantes nas ruas, prendendo-se os estudantes ou calando-se os meios de comunicação. Como a The Economist advertiu há alguns meses, pode até ser que sejam os juízes que estejam governando o Brasil, mas não há uma ditadura.

Apesar de achar que a revelação do escândalo Lava-Jato e a agilidade de juízes como Moro foram algo benéfico para o Brasil e a América Latina, prefiro ver Lula na urna eleitoral que na prisão.

As acusações contra ele são fracas demais, o suposto crime tão pequeno (até agora), a sentença tão evidentemente desproporcional e os riscos tão altos que, na América Latina de hoje em dia, a democracia tem que prevalecer, vamos dizer assim, sobre o estado de direito. Em um mundo ideal, os dois andam juntos, e sem dúvida não entram em choque. No Brasil, eles sim entram em choque. Eu estou do lado da democracia, mesmo com seus defeitos.

*Jorge G. Castañeda, ministro das Relações Exteriores do México de 2000 a 2003, é professor da Universidade de Nova York e colunista de opinião no The New York Times.

**Publicado originalmente no The New York Times | Tradução de Nicolas Chernavsky

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