15 DE JANEIRO DE 2019, 21H44
Corruptos acovardados: quadrilha Temer-Fux manda ativista Battisti para a tortura na Itália
Na coluna de Yuri Martins Fontes: “Seu ‘crime’ foi o de enfrentar altivo o caráter patológico da sociedade capitalista; foi o de expor o que há de falso na essência da ideologia ‘socialdemocrata’"
O governo centro-esquerdista de Evo Morales permitiu que o guerrilheiro Cesare Battisti fosse extraditado aos cárceres do Estado neofascista italiano (liderado pelo capo Matteo Salvini), onde deverá ser torturado até morrer.
O gesto foi de uma covardia ímpar, além de precipitada – o que foi acusado por diversos setores progressistas, inclusive pelo irmão do vice-presidente da Bolívia (Álvaro), Raúl Linera. E cabe aqui uma menção a mais um significativo acerto do lulismo, e coragem pessoal de Lula, quando com um gesto soberano o presidente concedeu asilo ao militante italiano perseguido.
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Ocorre que estando Evo em arriscada campanha presidencial, numa época de ascensão reacionária na América e no mundo, e sob a ameaça de em breve se tornar alvo de embargos e intervenções antidemocráticas (como a campanha midiático-econômica contra a Venezuela, levada a cabo pelos EUA com o apoio de lacaios-bolsonaros mundo afora), o presidente boliviano optou por lavar as mãos, sujando indelevelmente sua gloriosa história política – mas garantindo assim (quem sabe) uma sobrevida ao seu subpoder local.
Battisti e o golpe brasileiro de 2016: as sujeiras de Temer e Fux
A história da saga de captura do escritor socialista e antigo membro do grupo Proletários Armados para o Comunismo se entrelaça com a história do golpe de Estado de 2016, quando o golpista de ocasião, Temer o Decrépito, em seus últimos dias de canalhices oficiais (antes de deixar o poder para se tornar réu comum, por sua bem documentada rede de corrupção), visando se livrar da cadeia, acenou para a extrema direita eleita, assinando o decreto de expulsão do já idoso e enfermo militante, pai de um filho no Brasil.
Um dia antes do ato decreto do vice-golpista, no fim de 2018, o ministro do desqualificado STF, Luiz Fux, foi quem quis aparecer (mais um pouco) nos holofotes enlameados da política brasileira, revogando liminar que havia sido dada por ele mesmo (!) um ano antes – quando o reizinho de toga ainda se comportava como um juiz, com alguma orientação humanitária e dentro da lei constitucional.
Claro que o termo “dentro da lei”, referido a um juiz do Supremo do Brasil, tem que ser entendido com parcimônia.
É sempre bom lembrar: a maracutaia de Fux-pai e Fux-filha
Recordemos aqui do caso de 2014, quando o tal Fux fez “lobby” milionário (um “campanhão”, segundo fontes do Judiciário citadas por revista ligada à golpista Falha de S.P., incluindo banquetes a convidados transportados em helicópteros) junto a desembargadores e advogados do TJ-RJ para que sua inexperiente filha Marianna Fux, 32, fosse nomeada, sem a necessária prática jurídica prévia, para o cargo de desembargadora – cujo salário e mordomias chegam a 60 mil golpinhos, pagos pelos impostos dos trabalhadores.
À época, o governador do Rio, Sérgio Cabral (criminoso do PMDB hoje condenado a mais de 100 anos de reclusão), que é amigo e foi cabo eleitoral de Fux-pai (na gloriosa saga deste rumo a sua boquinha no STF), afirmou à imprensa que o Fux “justificou” esta sua decisão de presentear a filhinha com a tal mamata, ponderando na ocasião, e não sem polpudas razões, que: “Eu não tenho nada para deixar para ela” (coitado!)… Mas enfim, deixou.
Após o episódio desavergonhado desta campanha por sua filha, Fux, estando com a moral mais queimada que bituca de bêbado, desacreditado entre progressistas e mesmo centristas defensores do Estado de direito, resolveu então se submeter a sua guinada ética final, ajoelhando-se oportunisticamente às bênçãos da extrema direita, ao reabrir a temporada de caça ao velho comunista e refugiado político Battisti (a partir de requerimento dos ex-“socialistas” do PPS, atuais capachos do presidente fascista).
A manobra do nobre juiz Fux, não menos “excelentíssimo” que os demais de sua atual laia Judiciária-golpista, além de escarrar novamente na divisão de Poderes, ao interferir na decisão anterior do Executivo (Lula por decreto concedera asilo “definitivo” a Battisti), incluiu ainda uma “violação” da Constituição (no eufemismo juridiquês foi uma “reinterpretação”), sem contar a agressão à língua portuguesa: ao permitir que um presidente (o fantoche não eleito Temer) revogasse um decreto de outro, admitindo ainda numa cajadada um novo entendimento para a palavra “definitivo”.
Anteriormente, quando constitucionalista, um Fux ainda não acometido pela senilidade afirmara: “Decisões políticas não competem ao Judiciário”. Mas nada que algumas dezenas de milhares de reais mensais para a rebenta não o fizessem mudar de ideia.
A festa liberal-fascista e a pseudoesquerda domesticada
O retorno à temporada de perseguição ao ativista italiano, no fim do ano passado, foi curiosamente comemorado até mesmo por setores da centro-esquerda.
E não se faz aqui referência a jornais como o El País, que em sua nação de origem tem viés marcadamente reacionário (mantendo aliás oposição virulenta a qualquer governo menos subalterno que surja, de Cuba à Venezuela); mas que apesar disto, no caso da edição dedicada ao Brasil, frente a nossa corja midiático-corporativa, conseguiu encontrar espaços para se colocar como “meio progressista” (confortavelmente mais à esquerda que o padrão panfletário-golpista do cartel nativo Estadão-Globo-Folha).
Não. Infelizmente, no caso, o protagonismo reacionário por parte de setores da centro-esquerda partiu da (supostamente) progressista revista Carta Capital, o único grande semanário brasileiro que não é de direita ou de extrema direita, cujo diretor-dono, Mino Carta, apesar de identificado com diversas pautas das esquerdas, é já há tempos declarado inimigo de Battisti.
Destilando sua misteriosa repulsa, fora de lugar e de contexto, Mino elevou a demonização do ativista ao nível de pauta-primeira – em detrimento de assuntos “menores”, como: a entrega da Embraer, a contrarreforma da Previdência (exceto para a aposentadoria dos militares, obviamente), ou mesmo o episódio das goiabeiras divinas e da globalização-marxista que afundam o Brasil.
Os motivos para tal ódio por parte do diretor italiano radicado no Brasil não ficaram bem claros nos seus editoriais, cujas “provas”, no mínimo inconsistentes, para designar seu compatriota como “criminoso comum”, apenas reproduziram o discurso acusatório vazio da direita italiana, que acusou Battisti à revelia, sem nenhuma prova documental, para além das famosas “delações premiadas” – prática persecutória antes reservada apenas aos socialistas, mas que ora ganha corpo também contra reformistas, veja-se o caso do preso político Lula.
Ao que parece, tudo leva a crer que o “caso Mino” advém de uma espécie de mágoa entre “irmãos” – uma birra pelo coração de uma garota, talvez, ainda na adolescência. Mas isso ainda deverá ser verificado com a devida justeza pela aristocracia do STF, na falta de coisas menos importantes de que cuidar.
Crise capitalista, “três” Guerras Mundiais e as acusações a Battisti
Nos anos 1960, a Itália (e todo o mundo capitalista) começava a sentir os efeitos da recessão, após os 20 anos de aquecimento econômico artificial provocados pela destruição da II Guerra Mundial (a mais devastadora, dentre as “três” Guerras Mundiais que ocorreram – ao menos no entendimento do comandante da Marinha Brasileira e revisor da historiografia bélica global, Ilques “Bolsonaro” Barbosa).
Por volta de 1967, o Estado de bem-estar social – com que o capitalismo tentava se contrapor ideologicamente aos avanços sociais do projeto soviético – começa a ruir. Diante disso, o planeta capitalista vê surgirem, nos centros e nas periferias globais, diversas manifestações populares, como os enfrentamentos de rua em Paris, no México, ou mesmo a marcha dos 100 mil no Rio de Janeiro – que se dá no auge da ditadura militar (perdão, no auge do “movimento militar”, como o quer o juiz Toffoli, ao rebatizar corajosamente as bestiais torturas dos milicos de 1964, para assim satisfazer ao novo “comando” do STF, cujas ordens desde o ano passado já vêm diretamente dos quartéis, com vistas provavelmente a evitar as custosas e lentas mediações da obsoleta Justiça).
Na Itália dessa época, os “anos de chumbo” que se estendem pelos 1970 e 1980, foram violentos os combates que opuseram diversos grupos socialistas insurgentes (em defesa da manutenção de mínimos direitos sociais) ao governo capitalista “cristão” cada vez mais autoritário (na proporção da crise, como costuma ocorrer), ancorado em grupelhos paramilitares fascistas da melhor tradição mussoliniana.
Neste contexto de guerra civil, o coletivo revolucionário integrado por Cesare Battisti, Proletários Armados pelo Comunismo, efetuou variados atos que se praticam em uma situação de guerra: sabotagem de infraestrutura, sequestro de empresários reacionários ligados ao poder, e mesmo eventuais mortes de inimigos em campo de batalha.
É por estes atos de resistência e de ação direta que Battisti seria condenado décadas depois (anos 1990) pela Justiça italiana do período neoliberal pós-Guerra Fria – sujeito a um mecanismo judicial ainda mais conservador, já que sob influência da unipolaridade dos EUA (que se segue à derrota da URSS).
O guerrilheiro é então acusado por quatro “assassinatos” – sem que tenha sido apresentada, para além das “delações”, uma única prova concreta de seus “crimes” (que de todo modo não seriam propriamente “crimes”, mas “atos de guerra” em circunstância de embate).
Sobre os “bons-cidadãos” que Battisti teria eliminado
Dentre os quatro “inocentes” que Battisti é acusado de haver suprimido a vida (sem provas, reitero, e com o uso de tortura visando confissões, além das famosas “delações superpremiadas”, conforme demonstrou sua defesa), está Pierluigi Torrengiani, um joalheiro ultraconservador que, mediante negociatas escusas, financiava grupos paramilitares: milícias de sanguinários fascistas que assassinavam sumariamente lideranças sociais e políticas que lhes desagradassem.
O outro cidadão-de-bem, que Battisti é acusado de liquidar, chamava-se Lino Sabbadin, açougueiro e membro do Movimento Sociale Italiano, partido neofascista formado em 1946 por alguns simpatizantes-viúvas do ditador e criminoso de guerra Mussolini.
Além destes dois representantes da nata do neofascismo italiano, Battisti é ainda acusado de matar dois policiais que estavam no encalço de seu grupo, já que o governo conservador democrata-cristão tinha a prática pouco cristã de eliminar fisicamente a resistência.
Situemos, portanto, em outros termos tal acusação: os dois policiais falecidos estavam a serviço do governo liberal-conservador, inimigo do povo italiano, e foram mortos na circunstância de sua atividade de risco – de modo que uma ocorrência como esta não pode ser concebida senão como legítima defesa e efeito colateral de um conflito bélico.
Eram os anos de chumbo do mui cristão e anticomunista governo de Giulio Andreotti quem abriu as portas à aplicação dos “ajustes estruturais” em seu país – a política neoliberal, idealizada pelos “Chicago boys” e cuja cobaia foram os chilenos sob Pinochet, em meados dos 1970 (esta prática de submissão estatal aos negócios do imperialismo em parceria com desvios públicos foi mais tarde aprofundada por Berlusconi, seguidor dessa devota corrente “cristã”).
Ou seja, tratou-se de um governo conivente com o eixo dominante EUA-Inglaterra (OTAN) e que arremeteu com brutalidade contra o desgosto de seu próprio povo, aliando-se com a extrema direita e mesmo com a violenta máfia siciliana (Andreotti tem dezenas de acusações de relações com mafiosos, práticas mais tarde detalhadas no filme “Il Divo”, premiado em Cannes).
Lutar por justiça social e contra a irracionalidade fascista não é crime
Em síntese, o crime pelo qual Cesare Battisti e seu grupo são acusados é o de terem se insurgido em armas contra um governo economicamente submisso, antipopular, entreguista e ideologicamente conivente com a irracionalidade sanguinária fascista.
Seu “crime” – na perspectiva infeliz de certa parcela centro-esquerdista que se arroga “democrática” – foi o de ser honesto para com seus ideais e levá-los para além do raso onde chafurda a medíocre “intelligentsia” moderna. Foi o de ter mais coragem e coerência de que aqueles semi-socialistas de café-expresso, com seu discurso parnasiano, que entre rimas diz tão pouco.
Seu “crime” foi o de enfrentar altivo o caráter patológico da sociedade capitalista; foi o de expor o que há de falso na essência da ideologia “socialdemocrata” – que desvia boas almas de potencial humanista, confinando-as à passividade das zonas-de-conforto anódinas e coniventes, aos escritórios e redações gourmets das avenidas paulistas, com seus potentes aparatos de ar-condicionado antiecológicos sempre ligados.
Força, camarada Cesare Battisti, os socialistas e a História estão com você.
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