segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Alexandria Ocasio-Cortez, a novata que eletriza a política em Washington

Pelo Mundo

Alexandria Ocasio-Cortez, a novata que eletriza a política em Washington

A congressista de 29 anos se transformou em um fenômeno de massas que conseguiu colocar o socialismo no coração do debate político estadunidense

 
18/02/2019 07:36
(AFP)
Créditos da foto: (AFP)
 
O escritório de Alexandria Ocasio-Cortez chama a atenção, mesmo estando no final de um dos longos corredores do edifício do Congresso estadunidense. Um mural de post-its coloridos colados em ambos os lados da entrada rompe a harmonia da fileira de portas uniformes pelas que se deve passar até chegar até a sua: a de Andy Levin, representante de Michigan; a de David Scott, da Geórgia; ou a de John Ractliffe, do Texas. Nenhum deles conta tampouco com um grupo de garotas em viagem de estudos que passou horas esperando para conhecer pessoalmente a inquilina do número 229, como quem aguarda a Madonna na saída de um concerto. “Ali está ela… A-O-C!”, grita de repente uma das jovens. “Te adoramos!”, exclama outra. Efetivamente, como se fosse uma estrela pop, Ocasio-Cortez saiu por uma porta secundária. Ao ouvir suas iniciais - que se transformaram numa espécie de marca pessoal –, ela dá a volta, faz uma saudação e abre um sorriso do tamanho do Capitólio.

Desde a sua chegada à Câmara de Representantes, no dia 3 de janeiro, Alexandria Ocasio-Cortez colocou Washington de pernas pro ar. Transforma em ouro midiático tudo o que toca, arrasta hordas de millennials e foi capaz de colocar as propostas mais esquerdistas do espectro ideológico americano no centro do debate. Para entender a magnitude do fenômeno que esta mulher de 29 anos (a mais jovem da história a chegar ao Congresso estadunidense), devemos recordar que há pouco mais de um ano ela ganhava a vida atrás de um balcão de um restaurante de tacos em Nova York. Sua vitória nas primárias, durante o verão passado, superando uma das vacas sagradas do Partido Democrata, foi uma das grandes zebras do ano passado. Conseguiu uma eloquente vitória nas eleições de novembro, na disputa por uma vaga como representante do distrito de Queens-Bronx, setor bastante progressista da cidade. Agora, como deputada, deixou de ser mera curiosidade.

Em um país que ainda associa o termo “socialismo” às ditaduras comunistas, Ocasio-Cortez se define como uma socialista-democrática, na mesma linha de Bernie Sanders, e luta por um imposto de até 70% para as rendas superiores aos 10 milhões de dólares, proposta que foi elogiada por economistas de corte progressista como, o vencedor do Nobel de Economia de 2008, Paul Krugman. Ademais, com o debate migratório como um dos principais temas do país nos últimos tempos, ela defende o desmantelamento da polícia fronteiriça (ICE, por suas siglas em inglês), medida que ganhou a adesão posterior de outros colegas do Partido Democrata, como a pré-candidata presidencial Kirsten Gillibrand.

Seu primeiro discurso no pleno da Câmara de Representantes durou quatro minutos e bateu o recorde de audiência da história do C-SPAN, o canal que cobre a atividade parlamentar. Em apenas 12 horas, já havia sido visto por mais de um milhão de pessoas. Mas isso não é nada comparado com o que aconteceria semanas depois. Seu interrogatório numa audiência sobre o financiamento de campanhas, no qual expôs todos os vazios legais que podem ser utilizados a favor do lobby das grandes corporações dentro da política estadunidense – mostrando que tanto o presidente como os congressistas estão mais à mercê dos que os financiam que dos eleitores – quebrou todos os parâmetros da Internet, com 37 milhões de visualizações.

Nas redes sociais, ela arrasa: criou uma audiência fiel no Instragram, onde conta o dia-a-dia menos conhecido do Congresso, e seu volume de interações no Twitter supera o de qualquer grande meio informativo e qualquer outra figura democrata (incluindo Barack Obama) ou republicana, com exceção de Trump, o único que a supera, segundo um informe da Axios que analisa o período entre 17 de dezembro e 17 de janeiro.

“Ela produz uma espécie de `Efeito Oprah Winfrey´. Oprah tem um status de celebridade tamanho que quando ela apresenta algo ao público, um novo creme, um novo livro, um sapato esportivo, todo mundo se interessa, e a coisa apresentada se transforma em febre nacional. A política é diferente, mas está ocorrendo algo parecido. Ocasio-Cortez fala de coisas que talvez já tenham sido ditas antes, mas nunca forma capazes de captar a atenção das pessoas dessa maneira”, explica por telefone Stephanie Kelton, ex economista-chefe do partido democrata, para o Comitê Orçamentário, e agora professora de políticas públicas na Universidade Stony Brook.

“Ela consegue isso graças a uma combinação de fatores. É muito dinâmica, tem senso de humor, e o mais importante, ela é muito autêntica. Chegou à política sem ter se preparado durante anos para isso, e tem esse olhar refrescante sobre o que acontece em Washington. Viu o que acaba de escrever sobre os indigentes?”, agrega Kelton. Na quarta-feira passada (17/2), a congressista publicou a foto de uma fila de pessoas sem teto em um corredor do Congresso, denunciando uma velha prática existente na capital: os lobistas pagam os pobres para que façam fila por eles antes dos comitês ou audiências, e assim têm assegurados um posto na sala. “A palavra `choque´ não chega nem perto de ser suficiente para descrever isso”, disse.

Uma pergunta que seus críticos fazem com frequência é sobre o quanto dessa euforia se transformará em ações legislativas. Não é normal se esperar tanto de uma congressista novata, menos ainda em seus primeiros meses de atividade, mas tudo o que envolve a jovem e atraente Ocasio-Cortez é exagerado, incluindo as expectativas. O que parece sim evidente é a sua capacidade de agitar o debate político e obrigar o Partido Democrata a se plantear – uma vez mais – o seu “ser ou não ser”. Se o caminho à Casa Branca em 2020 passa por se aproximar do centro ou por uma guinada à esquerda.

Um Green New Deal para os moderados
Um grande exemplo é o Green New Deal, um ambicioso plano meio-ambiental de nome rooseveltiano, apresentado no dia 7 de fevereiro por ela e pelo senador de Massachusetts, Ed Markey. Com forma de resolução, o projeto planteia toda uma transformação da economia que permita o uso de 100% de energias limpas até 2050. O lançamento despertou certo ceticismo entre alguns democratas. A líder do partido no Congresso, Nancy Pelosi, mostrou seu desdém em uma entrevista à imprensa local, mas depois se retificou: “será uma das muitas propostas que impulsaremos”, afirmou, para logo completar: “o green dream (sonho verde) ou seja lá como se chame, ninguém sabe o que é, mas eles vão apostar nisso, não?”. Diga-se de passagem, Ocasio-Cortez não forma parte do Comitê sobre a Crise Climática que Pelosi apresentou no mesmo dia em que se conheceu o Green New Deal. Entretanto, ela é membro de um dos comitês mais poderosos do Capitólio, o de Serviços Financeiros, que aborda a regulação bancária e a independência da Reserva Federal.

Outro caso que colocou as diferentes sensibilidades dos democratas frente a frente tem a ver com a gigante Amazon, que acaba de cancelar seus planos de construir uma nova sede em Nova York – o que supostamente significaria 25 mil novos postos de trabalho – graças à oposição dos políticos locais, especialmente Ocasio-Cortez, que criticaram as vantagens fiscais que a empresa exigia.

Para a rede de notícias conservadora Fox News, a jovem já se tornou uma espécie de belzebu. Entre os democratas, os militantes mais progressistas a adoram e os moderados temem os efeitos que ela pode causar. Em uma coisa todos parecem estar de acordo: Alexandria Ocasio-Cortez não é um acidente. Nesta semana, pelas normativas do Congresso, ela teve que retirar os post-its coloridos de um dos lados da porta do seu escritório. Deixou o outro como está. Uma das mensagens, com letra redonda, diz o seguinte: “continue lutando, acreditamos no que você faz”.

*Publicado originalmente em elpais.com | Tradução de Victor Farinelli

Nenhum comentário:

Postar um comentário