A financeirização da mídia vai acabar com a sua aposentadoria
Está nos jornais. A revista Exame, mais antiga e mais tradicional publicação econômica do Brasil, foi vendida. Será controlada pelo banqueiro André Esteves, do banco BTG Pactual. O esquartejamento da Editora Abril, antigo império da família Civita, é consequência direta da crise dos meios de comunicação no Brasil. Com uma dívida superior a R$ 1 bilhão, a Abril foi vendida por valor simbólico ao empresário Fabio Carvalho, que já era ligado ao BTG e decidiu entregar uma das joias da coroa aos seus parceiros.
Com a Exame nas mãos, Esteves tentará replicar a estratégia do site Infomoney, que é controlado pela corretora XP, recentemente adquirida pelo Itaú. É um site de notícias, mas também um canal de venda de produtos financeiros, como fundos de investimento. Ou seja: a notícia é a isca usada pelos banqueiros para atingir seus verdadeiros interesses. Como o BTG também trava uma guerra empresarial contra a XP, a compra da Exame é um movimento absolutamente coerente na lógica corporativa.
As implicações disso, no entanto, vão muito além da disputa entre dois grupos empresariais. Quando a mídia tradicional ainda conseguia se financiar, banqueiros influenciavam a linha editorial indiretamente. Sempre tiveram peso entre os maiores anunciantes, mas também havia apoiadores da indústria, do comércio e mesmo os assinantes representam uma parcela significativa das receitas.
Quando a mídia foi tragada pela revolução digital, a influência dos banqueiros cresceu. Eram anunciantes e passaram a ser credores. Agora, entra-se num novo estágio. São donos.
Esse processo de financeirização da mídia tem consequências diretas na vida das pessoas. Qualquer pessoa que se julgue "informada" repetirá a tese de que ou o Brasil aprova a reforma da Previdência ou cai no precipício. Outros dirão até que a única saída é a capitalização chilena, muito embora o Chile hoje seja conhecido pelo suicídio de idosos e nada menos que 18 países estejam abandonando esse modelo.
Como se criam esses falsos consensos na mídia? Basicamente porque as vozes que contestam o chamado "pensamento único" não encontram espaço nos veículos tradicionais. Quantos críticos da reforma da Previdência de Paulo Guedes você encontra na Globonews, na Folha, no Estado, no Globo, no Infomoney ou na Exame, agora sob nova direção? Ninguém. O que se vê por aí é gente dizendo até que, se o atual governo não entregar a tal reforma, será derrubado pelo mercado – como se o mercado votasse.
Isso não quer dizer que não seja necessário realizar ajustes atuariais na seguridade social, especialmente numa sociedade que envelhece e vive mais. O ex-presidente Lula fez uma reforma na Previdência dos servidores. A ex-presidente Dilma também apresentou uma proposta que foi sabotada quando PSDB e PMDB se uniram na política do "quanto pior, melhor" que visava derrubá-la.
O problema é outro: os meios de comunicação no Brasil, cada vez mais financeirizados, não revelam seus conflitos de interesse. Ou, para usar uma expressão típica do mercado financeiro, não fazem o chamado "disclaimer". Será que a Exame informará aos leitores que é controlada por um banco interessado na venda de produtos financeiros? Provavelmente, não.
Aliás, a Exame não é um caso isolado. A XP, como já se disse, controla o Infomoney. No grupo Folha, que recentemente demitiu uma das donas que pretendia investir no jornalismo, o principal ativo já é o PagSeguro. A Empiricus, que é sócia do site Antagonista, se apresenta como empresa de mídia – e não de venda de relatórios financeiros propagandeados pela notória Bettina. O Estado de S. Paulo, na prática, já caiu nas mãos dos banqueiros. E o Valor Econômico é 100% controlado pela família Marinho, que não demonstra compromisso com o capitalismo industrial do País.
É um quadro dramático e que tem consequências diretas na economia nacional. A lógica do capital financeiro não passa necessariamente pelo desenvolvimento do País. Um quadro de insegurança econômica, associado à falta de uma previdência pública, pode potencializar a venda de produtos financeiros. E políticas econômicas que fragilizem o estado trazem como consequência lógica as privatizações de ativos públicos, das quais também se beneficiam os financistas nacionais.
Portanto, cuidado ao ler as páginas econômicas da mídia tradicional, porque será cada vez mais difícil separar o que é informação e o que é propaganda. Bettina é apenas um exemplo grotesco. Cada vez mais financeirizada, a mídia corporativa fará de tudo para acabar com a sua aposentadoria.
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