Encontro dos jovens conservadores que querem tomar a UNE terá gincana e terá livro de Ustra. É sério
Reportagem de Ruan de Sousa Gabriel na Revista Época.
“Você pode me perguntar sobre qualquer tipo de movimento de juventude de esquerda que existe que eu respondo. Eu conheço todos: Juntos, UJS, RUA, JPT…” O autor desse desafio é Douglas Garcia, um paulistano de 25 anos. Não, ele não é nenhum estudioso de partidos de esquerda e movimentos sociais nem um aguerrido militante da União Nacional dos Estudantes (UNE), desses que não perdem assembleias e passeatas. Garcia é um jovem conservador, membro do partido do presidente Jair Bolsonaro, o PSL. Nesta sexta-feira (15), ele tomará posse como deputado estadual na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Garcia conhece o Juntos — coletivo de jovens associado ao PSOL —, a União da Juventude Socialista (UJS), do PCdoB, o RUA – Juventude Anticapitalista —, a Juventude do PT (JPT) e outras agremiações da mocidade vermelha porque acompanha todas elas pelas redes sociais. Embora não compareça aos congressos, às rodas de conversa ou aos acampamentos organizados pela esquerda, ele assiste às gravações de todos esses eventos, disponibilizadas no Facebook, para aprender as táticas de cooptação de seus adversários políticos. Garcia planeja denunciar as artimanhas esquerdistas e impedir que os jovens brasileiros caiam no laço dos vermelhos? Não. Ele quer copiar as táticas, reproduzi-las com o sinal inverso e, quem sabe, arregimentar uma mocidade conservadora capaz de competir com a esquerda nos espaços estudantis.
A União dos Estudantes Conservadores (Unecon) ainda não existe como pessoa jurídica e atua sob o guarda-chuva do Instituto Conservador (Icon), fundado pelo empresário Edson Salomão em maio de 2016, no meio do processo de impeachment de Dilma Rousseff para ser um think tank da direita brasileira. O Icon oferece um curso on-line de formação política, chamado Política, governo e conservadorismo, com aulas mensais e duração de dois anos. Defende o estado de direito, o livre mercado e o porte legal de armas, e se opõe veementemente ao aborto, à legalização das drogas, à política de cotas, ao ativismo subversivo e a “ideologias racialistas e de gênero”. Aos quase 1.200 membros, “é vedada a articulação ou relação institucional com movimentos esquerdistas de qualquer espécie”. O Icon têm dois tentáculos que trabalham para organizar as massas conservadoras nas ruas, nas redes e nas escolas: o Direita São Paulo e a Unecon. Ao contrário da UniLivres, que pretende ser uma entidade representativa dos universitários direitistas em todo o Brasil, a Unecon não quer ser uma UNE conservadora, mas sim atuar dentro da UNE, como fazem um sem-número de correntes esquerdistas. E, quem sabe, tomá-la. “Nossa ideia é não é substituir a UNE. É tomá-la. Não tenho nem medo nem vergonha de dizer isso com todas as palavras: nós queremos tomar a UNE”, afirmou Garcia.
Antes de tomar a UNE, os jovens conservadores querem ocupar as escolas e universidades para expurgá-las de toda “doutrinação marxista”. Eles são ferrenhos defensores do projeto Escola sem Partido e relatam que suas ideias direitistas costumam ser recebidas com antipatia por professores. “O ambiente estudantil ainda é hostil aos conservadores. Somos tachados de fascistas, nazistas, racistas e homofóbicos por nosso posicionamento político. Não somos nada disso. As ideologias de esquerda envenenam a mente dos jovens nas escolas e faculdades. Esse radicalismo impede a pluralidade e restringe o debate”, disse Garcia.
(…)
No encontro da Unecon, Garcia vai falar sobre “Como organizar os estudantes conservadores nas instituições de ensino”. Depois, haverá outra palestra, intitulada “A supressão dos estudantes conservadores no ambiente acadêmico”. O preletor será Nikolas Ferreira, de 22 anos, militante do Direita Minas. Ferreira cursou direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), em Belo Horizonte, onde sentia-se perseguido por professores de esquerda. “Uma professora deu prova em dupla para todo mundo, menos para mim e uns outros alunos. Quando perguntei para ela o porquê disso, ela disse que eu não cumpria os requisitos, que não participava das aulas e desrespeitava a professora e que, por isso, não podia fazer prova em dupla. Ela disse: ‘faz a prova aí com o seu Deus’, porque sabia que eu sou cristão”, lembrou Ferreira. Ele ainda contou que um professor de sociologia, com quem ele tinha “vários embates ideológicos”, nunca o chamava pelo nome, mas sempre de “Jesus me ama”, para zombar de sua fé.
(…)
Além das palestras de Garcia e Ferreira, o encontro conservador contará com uma aula de história sobre ideologias totalitárias — fascismo, nazismo e comunismo — dada por Gabriel Salgado, de 33 anos, professor que vive e trabalha em Santos, no litoral paulista. Inicialmente, o professor seria o youtuber Felipe Dideus, do canal Vamos falar de história?, que tem quase 440 mil seguidores. Fotos de Dideus estampam o material de divulgação da Unecon, mas o youtuber mora em São Lourenço, no Sul de Minas, e não poderá comparecer. Salgado, militante do Direita São Paulo, foi convocado. “Pretendo mostrar aos alunos as definições originais, dos teóricos do fascismo, do nazismo e do comunismo: Giovanni Gentile, Alfred Rosenberg e Karl Marx”, disse Salgado. “Quero levá-los às fontes, porque o conhecimento é libertador. Eu credito minha adesão ao conservadorismo ao conhecimento.” Salgado começou a ler autores conservadores porque desconfiava da bibiliografia indicada por seus professores. “Agradeço a Olavo de Carvalho, que me apresentou a uma gama infinita de autores: Roger Scruton, Russell Kirk, G. K. Chesterton.”
Para fisgar o jovem conservador mais brincalhão, que não quer saber só de aula e palestra, Garcia planejou algumas gincanas e apresentações musicais descontrair o encontro da Unecon. “Como todo evento conservador, a gente vai abrir, às 10h, com o Hino Nacional. Chamamos um violinista para tocar para a gente”, afirmou. “Mas também teremos bandas de rock, música clássica e até uma galera cantanto a capella”. Os cantores, intrumentistas e bancas se inscreveram para participar, assim como os 180 jovens que são esperados para encher a plateia, que será majoritariamente masculina. “A esquerda xinga a gente de machista, mas é só olhar a bancada do PT ou do PSOL. A maioria é homem. Tanto de um lado quanto do outro, quem mais interessa por política são os homens. É um fato inegável”, disse Garcia.
(…)
Se as leituras machadianas e o concurso de gritos de guerra vão premiar a criatividade e a desenvoltura da mocidade conservadora, a competição “Vá estudar história!” vai testar o conhecimento do público. Felipe Duarte, estudante de história de São Roque, interior de São Paulo, elaborou 50 perguntas, a maioria sobre figuras ilustres e datas históricas. As perguntas serão objetivas, sem muita margem para respostas interpretativas. Haverá questões tanto sobre a história do conservadorismo quanto sobre os movimentos socialistas. Quem acertar mais respostas vai ganhar o livro de cabeceira de Bolsonaro: A verdade sufocada , de Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel que chefiou, entre 1969 e 1973, o Destacamento de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), órgão de inteligência e repressão do Exército em cujas dependências eram torturados os opositores do regime.
Nenhum comentário:
Postar um comentário