O S do BNDES por Bruno Fonseca
Foi em 2013 que encarei minha primeira investigação envolvendo essas cinco letrinhas: BNDES. Era uma época que, passados apenas seis anos, parece surreal, um outro país perdido na distância. Eu havia acabado de me mudar de Minas para São Paulo; o gigante despertava nas ruas e se contorcia em gás lacrimogêneo; pessoas pediam mais investimento em saúde e educação; o busão custava R$ 3,20; o dólar, R$ 2,20.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social era a cara de um projeto de país que chegava ao fim sem a gente se dar conta. O dinheiro federal também parecia não ter limites. Em um ano, o banco chegava a emprestar R$ 156 bilhões, verba que erguia estádios, traçava rodovias, subia hidrelétricas. O menino de ouro do governo brasileiro financiava seus próprios gigantes pelo país e mundo afora.
Como investigar esse colosso? Na época em que as críticas ao banco se concentravam nos “comunistas” do porto de Mariel, algo começava a se desenhar contra os grandes conglomerados financiados pelo dinheiro público. Mas e os direitos humanos? Quem criticava o BNDES parecia esquecer o "S" de Social e focar apenas no "E" do econômico. E lá foi a Pública.
A primeira tarefa que coube à minha colega Jessica Mota e a mim foi descobrir quais direitos humanos estavam em risco nas obras monumentais erguidas com o dinheiro doBNDES na Amazônia. Não eram poucas. Mortes no Maranhão, trabalhadores forçados por soldados da Força Nacional a permanecerem em canteiro de obras em Belo Monte, territórios indígenas ancestrais destruídos. O dinheiro que saía dos cofres públicos abastecia obras que ignoravam direitos trabalhistas, povos indígenas e leis ambientais.
A investigação sobre o BNDES também trouxe à tona aquilo que se tornou um jargão utilizado a torto e, atualmente, à direita: a "caixa-preta" do BNDES. Nós pedimos informações de todos os contratos firmados pelo banco e descobrimos que o BNDES não revelava dados de mais de 1 milhão de empréstimos realizados em 2012, somando quase R$ 70 bilhões – 44% do que o banco financiou no ano.
A briga pela transparência do BNDES não foi apenas nossa: repórteres de diversos veículos investigaram, questionaram, processaram e recorreram. Com o tempo, o banco teve que ceder à imprensa e à lei e, hoje, o BNDES é muito, muito mais transparente. Até que chegamos a 2019.
Hoje, o dólar beira os R$ 4; a passagem de ônibus custa ainda mais; saúde e educação públicas são vistas, por uns, como projetos mais comunistas que o porto em Cuba; e o gigante apequenado pede o fim do Supremo, o fechamento do Congresso, o fim da Constituição. Voltei novamente ao BNDES, desta vez, para revelar que o banco, apesar deregras que proíbem financiar o setor do comércio de armas, emprestou mais de R$ 75 milhões aos principais fabricantes e vendedores de armas do Brasil.
Assim como em 2013, o banco tenta se defender da crítica pública: o argumento é que empresas que vendem armas podem tomar empréstimos se for sob a rubrica de outra atividade econômica, por exemplo, utilizando o código CNAE de produção industrial de armas. Justificativa posta, na prática, a lógica do banco permite que o dinheiro do cidadão brasileiro seja utilizado para fabricar armas que, sem controle, chegam a bandidos e milicianos, armam o mercado internacional, alimentam governos que violam direitos humanos. Uma vez mais, o "S" da responsabilidade social é posto de lado em nome do todo poderoso "E" das engrenagens econômicas.
Nada mais irônico que, hoje, enquanto o presidente braveja ameaças à tal caixa-preta do BNDES, o jornalismo investigativo tenha revelado justamente o ponto nebuloso do financiamento à indústria de armas, tão cara a Bolsonaro.
A roda girou, os tempos são outros, mas sigo, na Agência Pública, investigando esse banco e suas cinco letras, apesar da reiterada teimosia dos governantes em desconsiderar justamente a última delas, que aponta para os princípios do bom jornalismo e da civilização: os direitos humanos.
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Bruno Fonseca é repórter multimídia, trabalha com infografia, dados, vídeos e animação. |
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Rolou na Pública
Pastores de Trump. Começamos a semana publicando três grandes reportagens que revelam a chegada de pastores ligados a Trump a Brasília, suas relações com membros do governo Bolsonaro e as ações de líderes evangélicos para mudar a embaixada brasileira em Israel. As matérias fazem parte do especial Transnacionais da Fé, uma investigação internacional da qual a Pública faz parte com outros 15 veículos da América Latina. Nossas reportagens foram publicadas também pelo El País Brasil.
Essa não é a primeira investigação internacional da qual a Pública faz parte. Em 2015, participamos da série "Evicted and Abandoned", do International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ), que investigou violações de direitos cometidas por projetos financiados pelo Banco Mundial em diversos países. Em 2018, também com o ICIJ, integramos a equipe do The Implant Files, que investigou o licenciamento e uso de implantes médicos em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. Na semana passada, soubemos que o The Implant Files ganhou o prêmio Excelência em Jornalismo da Sociedad Interamericana de Prensa!
Falando em colaboração, a Pública é um dos 13 veículos nativos digitais que organizam o Festival 3i. Para quem não conhece, o 3i é um festival de jornalismo inovador, inspirador e independente, que reúne quem está pensando no futuro do jornalismo! Neste ano, o Festival 3i será nos dias 18, 19 e 20 de outubro no Rio de Janeiro. Os ingressos começam a ser vendidos na segunda-feira, dia 19, quando também será anunciada a programação incrível que estamos preparando. Para não perder as novidades, confirme presença no evento pelo Facebook!
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Novas dos Aliados
Quase 800. Estamos às vésperas de chegar a 800 aliadas e aliados. Muito obrigado! Criamos um formulário para saber os motivos que fazem você apoiar a Pública e como podemos melhorar o Programa de Aliados. Participe!
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