MUMBI: o museu do Bixiga que merece o amor dos paulistanos
Com cerca de 1900 objetos e 10 mil fotografias e documentos, o espaço reabriu suas portas em 2017, depois de mais de dez anos fechado
O MUMBI - Museu Memória do Bixiga funciona com visitas agendas pelo e-mail contato@mumbi.org.br
Imagine se todo bairro carregado de história ganhasse um museu para chamar de seu? Se essa ideia pegar, o museu do Bixiga, que já é uma realidade, pode ser inspiração para toda São Paulo e paulistanos apaixonados pela cidade.
Muso inspirador dos sambas de Adoniran Barbosa e da carnavalesca Vai-Vai, terra do antropofágico Teat(r)o Oficina, reduto da cultura italiana e sede da tradicional festa da Nossa Sra. Achiropita e da feirinha de antiguidades, o Bixiga é um dos bairros mais tradicionais da amada capital paulista.
Com a missão de ressaltar a diversidade no bairro e preservar sua história, o MUMBI – Museu Memória do Bixiga reabriu suas portas em 2017, depois de mais de uma década fechado, e começou um longo processo para restauração e renovação de seu acervo.
Segundo Diego Rodrigues Vieira, diretor executivo do MUMBI, a questão da imigração italiana acabou dominando o que as pessoas conhecem sobre o bairro. “Estamos tentando criar uma identidade nova para o museu para compreender e preservar todas as várias narrativas aqui presentes, como as questões negra, nordestina e dos novos imigrantes sírios e libaneses. Para mim, o Bixiga representa um modelo para São Paulo, uma forma de conseguirmos lidar com todas as diferenças que temos e construir um espaço acolhedor”, diz.
Fundação do MUMBI
Instalado em uma casa tombada pelo patrimônio histórico de São Paulo, o MUMBI foi inaugurado em 1981, quando Armando Puglisi (1931-1994) decidiu criar um espaço para expor sua coleção de objetos antigos, depois de participar de uma exposição de fotos e antiguidades no bairro organizada por Júlio Abe, um dos primeiros museólogos brasileiros.
Puglisi era uma espécie de produtor cultural. “Ele morava aqui na rua dos Ingleses e fazia várias ações na cidade. Foi diretor da Vai-Vai, um dos criadores do Bloco Esfarrapado e da feira de antiguidades e ajudou na reconstrução da Festa da Achiropita, que quase deixou de existir por falta de verba. Ele colecionava de tudo, até tijolos de casarões que eram demolidos. E, inclusive, fazia movimentos na avenida Paulista para protestar contra as demolições”, conta o diretor.
Para ajudá-lo a organizar a coleção, Armandinho, como era conhecido, convidou o fotógrafo Paulo Santiago, que mesmo depois da morte do amigo, ficou responsável por abrir a casa para quem quisesse visitá-la.
O acervo conta com cerca de 10 mil fotos e documentos dos antigos moradores do Bixiga e aproximadamente 1.900 objetos, como uma sapatilha que pertenceu a Carmen Miranda, um chapéu e uma gravata-borboleta de Adoniran Barbosa, itens da Vai-Vai, uma geladeira e uma cadeira de dentista do começo da década de 1920, vários utensílios de cozinha, chapéus, bicicleta antiga, móveis, luva de boxe, navalhas e medalhas.
Depois de alguns anos funcionando na residência de Puglisi, o museu foi removido para outra casa na rua dos Ingleses, onde está instalado até hoje. Vieira conta que o imóvel foi construído por um imigrante italiano entre 1920 e 1930, que teria vivido ali até a morte. E, como ele não tinha herdeiros, a propriedade passou a pertencer à União Federal. O lugar ficou abandonado até a fundação do MUMBI e era frequentado apenas por usuários de drogas.
Mangia che te fa bene!
Para ajudar nas despesas da instituição, Armando e sua esposa, uma cozinheira de mão cheia, criaram uma cantina italiana na parte de trás do imóve. Todo dia 29 de cada mês, o restaurante organizava a tradicional festa do “nhoque da fortuna”, em que as pessoas tinham que colocar uma nota de dinheiro debaixo do prato para ter bonança no futuro.
Esse ritual surgiu na Itália, no século 4, graças à história de um santo cristão chamado São Pantaleão, que, disfarçado de andarilho, passava de porta em porta em um vilarejo pedindo comida. Um casal muito pobre de idosos acolheu o pedinte em sua mesa e dividiu com ele as 21 bolinhas de nhoque que tinha para comer naquele dia. Em agradecimento pela gentileza, o santo teria deixado algumas moedas de ouro debaixo do prato.
Ponto de encontro da boemia e dos moradores do bairro, a cantina fechou as portas junto com o museu no comecinho dos anos 2000. “Armandinho faleceu em 1994 por causa de um câncer devastador que o levou em poucos meses. E como ele era a grande figura, o espaço começou a ter dificuldade para trazer pessoas e conseguir pagar suas despesas até que precisou fechar”, diz Vieira.
Fábrica de restauro
Quando assumiu a diretoria da instituição, em 2016, Diego Vieira logo percebeu que não conseguiria reabrir prontamente o MUMBI com visitação diária, porque, apesar de estar localizado em um prédio tombado da União, o espaço não recebe qualquer forma de incentivo público – ou privado – e ainda precisa de muitas readequações. “Vamos aos poucos reabrindo as portas. A ideia inicial é criar um espaço aconchegante e de convívio para que a população entenda que este é um museu das pessoas e construído por elas”, afirma.
Em 2017, um time de voluntários fez uma higienização da casa e do acervo para a reabertura – as visitas voltaram a acontecer com agendamento prévio. Desde então, a instituição tem procurado parcerias com universidades para catalogação e digitalização do acervo fotográfico e documental. Também são organizados eventos mensais – como bate-papos, encontros, oficinas e gastronomia – para arrecadar fundos para esse processo de restauração.
Idealizado pela arquiteta e professora Nadia Somekh, um projeto chamado “Fábrica de Restauro” está criando uma espécie de agência comunitária para reformar as casas tombadas pelo patrimônio histórico no Bixiga, a começar pelo MUMBI. A ideia é desenvolver oficinas de capacitação para pintura, serralheria e restauro para esse tipo de imóvel, engajando arquitetos recém-formados e outras pessoas interessadas em ajudar.
Como a memória e a história do Bixiga continuam vivas, a instituição pretende, em breve, renovar seu acervo. “Como não temos verba, a nossa ideia é começar a colher relatos de história oral dos atuais moradores e visitantes do bairro. Vamos produzir conteúdo até que tenhamos um apoio mínimo para reabrir a casa com frequência, propor ações educativas, tentar pensar em exposições e voltar a receber doações de objetos com valor sentimental para as pessoas”, acrescenta o diretor.
Se você quiser conhecer o MUMBI, basta agendar pelo e-mail contato@mumbi.org.br. A instituição oferece visitas guiadas – e até a oportunidade de conhecer o fundador Paulo Santiago – para grupos maiores. Acompanhe as novidades sobre eventos realizados pelo museu e notícias sobre a reforma na fanpage oficial.
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