Frei Betto
O
papa Francisco acaba de divulgar o documento “Alegria do Evangelho”, no qual
deixa claro a que veio. Sua voz profética incomodou a CNN, poderosa rede de
comunicação dos EUA, que lhe concedeu a “Medalha de Papelão”, destinada àqueles
que, em matéria de economia, falam bobagens...
Quais as “bobagens” proferidas pelo papa
Francisco? Julgue o leitor: “Hoje devemos dizer não a uma economia da exclusão
e da desigualdade social. Esta economia mata. Não é possível que a morte por
enregelamento de um idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida
de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o fato de se
lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social.
“Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e
da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência
dessa situação, grandes massas da população veem-se excluídas e marginalizadas:
sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída.
“O ser humano é considerado, em si mesmo, como
um bem de consumo que se pode usar e, depois, lançar fora. Assim teve início a
cultura do «descartável» que, aliás, chega a ser promovida. Já não se trata
simplesmente do fenômeno de exploração e opressão, mas de uma realidade nova:
com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive,
pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas
fora. Os excluídos não são explorados, mas resíduos, sobras.”
Em seguida, Francisco condena a lógica de que
o livre mercado consegue, por si mesmo, promover inclusão social: “Esta
opinião, que nunca foi confirmada pelos fatos, exprime uma confiança vaga e
ingênua na bondade daqueles que detêm o poder econômico e nos mecanismos
sacralizados do sistema econômico reinante. Entretanto, os excluídos continuam
a esperar”.
“Para
se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se
com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase
sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores
alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por
cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos
incumbe.”
“A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto
de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos,
enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um
mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma.”
O papa enfatiza que os interesses do capital
não podem estar acima dos direitos humanos: “Uma das causas desta situação está
na relação estabelecida com o dinheiro, porque aceitamos pacificamente o seu
domínio sobre nós e as nossas sociedades. A crise financeira que atravessamos
faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a
negação da primazia do ser humano.”
“Criamos novos ídolos. A adoração do antigo
bezerro de ouro (cf. Êxodo 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no
fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um
objetivo verdadeiramente humano. A crise mundial, que envolve as finanças e a
economia, põe a descoberto os seus próprios desequilíbrios e, sobretudo, a
grave carência de uma orientação antropológica que reduz o ser humano a apenas
uma das suas necessidades: o consumo.”
Sem citar o capitalismo, Francisco defende o
papel do Estado como provedor social e condena a autonomia absoluta do livre
mercado: “Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria
situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal
desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos
mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o direito de controle dos
Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum.”
“Instaura-se uma nova tirania invisível, às
vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas leis e as
suas regras. Além disso, a dívida e os respectivos juros afastam os países das
possibilidades viáveis da sua economia, e os cidadãos do seu real poder de
compra. A tudo isto vem juntar-se uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal
egoísta, que assumiram dimensões mundiais. A ambição do poder e do ter não
conhece limites. Neste sistema que tende a deteriorar tudo para aumentar os
benefícios, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica
indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta.”
Enfim, um profeta que põe o dedo na ferida,
pois ninguém ignora que o capitalismo fracassou para 2/3 da humanidade: as 4
bilhões de pessoas que, segundo a ONU, vivem abaixo da linha da pobreza.
Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas
do Ouro” (Rocco), entre outros livros.
http://beneviani.blogspot.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário