10 lições para subverter a
Democracia
O "Método Sérgio Moro" coloca em xeque as conquistas
democráticas em um país ainda assombrado pela memória do regime de exceção da
Ditadura
Najla Passos
Deflagrada há dois anos, a Operação Lava Jato tem desrespeitado,
sistematicamente, a Constituição de 88. Apenas os militares, na Ditadura, com o
AI nº 5, tiveram poder para desrespeitar, de forma tão escancarada, o texto da
Carta Magna.
Para os defensores do juiz Sérgio Moro, a justificativa
obedece ao clássico raciocínio autoritário de que “os fins justificam os
meios”, um jargão atribuído pelo PIG (Partido da Imprensa Golpista) como sendo
uma prática utilizada pela esquerda mundial. No entanto, ela vem sendo
praticada pela Justiça Federal do Paraná, com apoio incondicional do condomínio
golpista.
Para os defensores da legalidade, os métodos do juiz Sérgio Moro
colocam em xeque as conquistas democráticas em um país ainda assombrado pela
memória do regime de exceção da Ditadura, e contribuem de forma decisiva para o
golpe em curso contra o governo da presidenta Dilma Rousseff.
Confira aqui a lista das principais subversões do Juiz Sérgio Moro:
1
- Delações premiadas no atacado
A delação premiada é um instrumento novo no arcabouço jurídico
brasileiro, jamais usado com a intensidade vista na Lava Jato. Juristas das
mais diversas áreas e tendências ideológicas são praticamente unânimes em
afirmar que o instrumento não pode ser usado no atacado, sob pena de subverter
as garantias constitucionais, suprimindo-as.
A delação premiada não tem finalidade de punição simplesmente, mas de
buscar a correção de atos ilegais. Mas, a forma como ela vem sendo utilizada
demonstra a única intenção de punir. Em outubro do ano passado, durante
seminário da OAB, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Sebastião
Reis, resumiu o problema:
“A delação está sendo banalizada. Tem mais colaborador do que réus na
Lava Jato”, afirmou. Para o magistrado, da forma com que vem sendo utilizado, o
instrumento gera seletividade nas condenações. “O Estado está abrindo mão do
direito de punir em troca da condenação de três, quatro pessoas”, denunciou.
Pesquisa da Consultor Jurídico mostrou que todas as 23 delações
firmadas por Moro até aquela data violavam a Constituição e/ou as leis penais.
Em vários depoimentos forçados, chamados de acordos de delação, os
"delatores" ficam impedidos de recorrer das sentenças condenatórias,
que lhes forem impostas.
Essa verdadeira subversão constitucional ocorre pela exigência de
renúncia de direitos indisponíveis, como o amplo direito de defesa.
É preciso esclarecer que mesmo um delator, posteriormente condenado,
poderá entender que o que lhe foi concedido como "benefício" viola o
princípio da proporcionalidade: ou se delata e se prova de imediato os atos e
agentes ilegais, ou o delator aponta os atos como indícios, mas a prova
precisará ser buscada em investigação.
Neste caso, quem demonstrou cabalmente as provas deveria receber um
benefício maior do que quem apenas apontou os indícios. Caberia, portanto,
discutir a sentença a partir do princípio da proporcionalidade. O Tribunal, por
exemplo, poderia ampliar os benefícios.
As delações, tal como os depoimentos colhidos no período da ditadura,
vedam completamente aos réus a possibilidade de impetração de habeas corpus,
além de todo e qualquer recurso contra a senteça. %u228Há, inclusive, denúncias
de que as delações estejam sendo utilizadas como instrumento para que réus
mantidos encarcerados, algumas vezes em situações precárias, possam ter acesso
à liberdade, por prazos até aqui indefinidos.
No entendimento de um membro do MP, que bem ilustra a subversão da
garantia constitucional da dignidade humana e presunção da inocência que assola
a Lava Jato, “passarinho para cantar precisa estar preso”. Estranhamente, são
postos em liberdade "condicional" colaboradores que fazem a delação
premiada. É evidente que a prisão preventiva não é preventiva, mas uma prisão
para delação.
Prender
para delatar
O Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, com mais
de 600 mil encarcerados, dos quais cerca de 25% ainda não foram sequer a
julgamento. Entre eles, estão as vítimas da prisão preventiva, que a midiática
Lava Jato teima em banalizar para dar aos “midiotas” a falsa sensação de que
"algo muito profundo está mudando no país da corrupção”. Os juristas
alegam que a prisão preventiva deveria ser a exceção. Não a regra. "Ninguém será preso antes do trânsito em
julgado". E que seu uso indiscriminado cobrará um alto preço da
democracia.
No dia 11/3, um grupo de mais de 200 promotores e procuradores
publicaram um manifesto criticando o excesso de prisões preventivas,
requisitadas pelo Ministério Público e concedidas pelo judiciário. No
documento, eles afirmam que “a banalização da prisão preventiva – aplicada, no
mais das vezes, sem qualquer natureza cautelar – e de outras medidas de
restrição da liberdade vai de encontro a princípios caros ao Estado Democrático
de Direito”. As manifestações contra a prática têm sido recorrentes entre
juristas e operadores do Direito ainda não contaminados pela “Doutrina Moro”.
No artigo “Prende e solta”, publicado na Folha em 9/3/2015, o ministro
do STF Marco Aurélio de Mello já alertava para o problema. “A prisão preventiva
talvez amenize consciências ante a morosidade da Justiça, dando-se uma
esperança vã aos cidadãos, como se fosse panaceia perante esse mal maior que é
a impunidade. A exceção virou regra, implementando-se, com automaticidade e,
portanto, à margem da regência legal, esse ato de constrição maior que é a
prisão. (…) Justiça não é sinônimo de justiçamento. A sociedade não convive com
o atropelo a normas reinantes”, alertou o ministro.
As críticas também se devem ao fato de que a ânsia de Moro por prender
e punir só atinge um lado do espectro ideológico. Enquanto a cunhada do
ex-tesoureiro do PT, João Vacari Neto, foi presa por engano ao ser confundida
com outra pessoa em uma imagem de câmera de uma agência bancária, a mulher e a
filha do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, continuam livres, leves e soltas,
apesar de existirem provas eloquentes de que possuem contas clandestinas no
exterior.
3 - Conduções coercitivas?
No dia 4/3, o país quase entrou em convulsão social depois que Moro
determinou a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor na Lava Jato,
no episódio que chegou a ser classificado por juristas como “sequestro”.
Não foi a primeira vez que o juiz se valeu do expediente, tão pouco a
última. A cada nova fase da operação, os mandatos de condução coercitiva saem
em dezenas da caneta de Moro, mesmo sem a intimação prévia do investigado, em
clara violação da lei. Cento e tantas pessoas já foram submetidas à condução
coercitiva, apesar de terem colaborado com as investigações.
O sequestro do ex-presidente Lula tem um peso simbólico especial. Maior
líder político do Brasil, admirado e respeitado internacionalmente, ele jamais
se negou a colaborar com a Lava Jato. Pelo contrário. Por três vezes, se
apresentou voluntariamente à PF para prestar os esclarecimentos demandados por
Moro.
Certamente, trata-se do único caso em que a condução coercitiva não foi
determinada, pelo menos, com clareza. O juiz Moro não determinou expressamente
que o ex-presidente fosse conduzido coercitivamente em direção a algum lugar.
Além disso, aeroporto é um lugar para se embarcar em um avião, não para
prestar depoimento. Ainda mais em um espaço não atribuído à Polícia Federal,
mas sob jurisdição da Força Aérea Brasileira, o que, aliás, provocou a
intervenção do oficial comandante daquele posto, impedindo que o ex-presidente
fosse embarcado num avião da PF que o aguardava ali para este fim, conforme
denunciou, com exclusividade, a Carta Maior
O desrespeito ao ex-presidente e à legislação foi tão flagrante que até
mesmo o ministro Marco Aurélio de Mello, que não mantém nenhum relacionamento
ou simpatia por Lula, contestou Moro publicamente. "Condução coercitiva? O
que é isso? Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia
antigamente, debaixo de vara, o cidadão de resiste e não comparece para depor.
E o Lula não foi intimado?", questionou.
Professor da PUC-SP, o constitucionalista Pedro Serrano classificou a
ação contra Lula como a maior ilegalidade já cometida em relação a um
ex-presidente da República desde João Goulart.
"Não conheço na nossa legislação a figura da condução coercitiva
sem que tenha havido antes a convocação”, disse.
4
- Autorização e divulgação de grampo ilegal
No dia 16/3, o Brasil que assistiu ao Jornal Nacional ficou chocado com
o teor da conversa telefônica mantida entre Lula e Dilma, na qual, segundo o
maior telejornal da mídia golpista, os dois tramavam para manter o
ex-presidente fora das grades da Lava Jato. A conversa, como quase tudo na
vida, admitia várias outras interpretações possíveis, como deixou claro a
presidenta Dilma Rousseff. Mas isso não interessava à narrativa criada por Moro
e a mídia que o serve.
O mais preocupante, porém, é que era uma conversa privada envolvendo a
principal mandatária da República que, por previsão constitucional e legal, não
pode ter suas comunicações privadas violadas e divulgadas sem autorização do
STF, até mesmo por razões de segurança nacional. Para agravar o quadro,
tratava-se de grampo inconstitucional e ilegal: o próprio Moro havia mandado a
PF suspendê-lo às 11h12 e a gravação fora feita às 13h32. Mas o juiz se fez de
morto e com clara intenção de subverter a Constituição e a lei, divulgou a
conversa para a mídia três horas depois, naquela já considerada a operação de
escuta telefônica mais ágil e ilegal da história do país.
Os áudios que inundaram a mídia dali para frente deixaram claro que
Lula não era o único alvo das escutas. Foram vazadas conversas pessoais e sem
peso para as investigações de sua mulher, Marisa, com seu filho, Lulinha.
Também foram grampeados celulares de pessoas que sequer são investigadas pela
Lava Jato, como o presidente do PT, Rui Falcão, e o ministro da Casa Civil,
Jaques Wagner, no maior Big Brother jurídico de que se tem notícia no país.
5
- Violação do direito de defesa
São várias as formas com que a condução da Lava Jato viola o direito de
defesa dos réus. A primeira a ser apontada pelos juristas, ainda no início da
operação, está prevista em vários dos acordos de delação premiada já selados:
por determinação do juiz Moro, os advogados de defesa ficam proibidos de ter
acesso às transcrições dos depoimentos do delator, o que viola o princípio do
contraditório e o direito à ampla defesa.
A mais recente e a que mais perplexidade causou foi a autorização do
juiz para que a PF operasse escutas nos telefones do escritório de advogados
que atendem o ex-presidente Lula. Todos os 25 advogados da equipe tiveram suas
ligações grampeadas durante 30 dias, o que violou não apenas o direito ao
sigilo do ex-presidente, como também dos demais 300 clientes do escritório. Em
nota, o advogados denunciaram que a prática configura “um grave atentado às
garantias constitucionais da inviolabilidade das comunicações telefônicas e da
ampla defesa”.
6
- Carimbo de sigilo partidarizado
O mesmo Moro que divulgou a conversa privada da presidenta da república
sem sequer pedir autorização ao STF, sob a alegação de que o conteúdo era de
interesse público, colocou sob sigilo a chamada “Lista da Odebrechet”, o
documento encontrado na última fase da operação que lista a relação de
políticos que supostamente recebiam propina da empreiteira. A lista contém 200
nomes de políticos de 18 partidos. Lá estão os tucanos Aécio Neves e José
Serra, assim como o peemedebista Eduardo Cunha. Não constam, porém, nem Lula e
nem Dilma. Mas isso, claro, o juiz justiceiro cuidou de deixar sob sigilo. E o
Jornal Nacional não mencionou.
7
- Vazamentos seletivos
Não se pode acusar Moro de responsabilidade pelos vazamentos seletivos
de documentos da Lava Jato que, há dois anos, abastecem o noticiário com
informações desfavoráveis a um campo político em detrimento do outro. Não há
provas suficientes para isso. A não ser que se lance mão da Teoria do Domínio
do Fato, que tanto sucesso tem feito nas acusações contra petistas.
Certo, nesta história, só mesmo o fato de que o juiz justiceiro nada
fez para impedi-los, pelo menos enquanto eles desfavoreciam apenas ao governo
federal e seu núcleo. A única vez em que ele falou em investigar o vazamento de
informações referentes à Lava Jato foi quando suspeitou que Lula soube que a PF
iria a sua casa com antecedência.
Parece que, quando os vazamentos se viraram contra o juiz justiceiro,
Moro até se lembrou de que são ilegais.
8
– Atuação política escancarada
Moro tomou posição escancarada como força de oposição ao governo da
presidenta Dilma quando, no dia 13/3, após as manifestações golpistas que
tomaram conta do país, enviou um email à jornalista Cristiana Lobo,
comentarista da Globo News, pedindo que as forças políticas do país “ouçam a
voz das ruas”. "O juiz Sérgio Moro perdeu de vista os limites e
responsabilidade da magistratura e se deixou influir pela publicidade",
avaliou o professor emérito da USP e jurista Dalmo Dallari.
Antes disso, o juiz já havia dado provas de sua atuação partidarizada.
No dia 9/3, proferiu uma palestra sobre a Lava Jato para a Lide Consultoria,
cujo coordenador nacional, João Dória, é pré-candidato pelo PSDB à Prefeitura
de São Paulo. Ao apresentá-lo ao público, Dória convidou os presentes a aderirem
aos protestos pelo impeachment de 13/3. No dia 18/3, quando as mesmas ruas
foram tomadas por brasileiros que defendem a democracia, o juiz justiceiro não
trocou correspondência com jornalistas da mídia golpista e não elogiou a
manifestação democrática.
Governador do Maranhão, o advogado e jurista Flávio Dino, que se
demitiu do cargo de juiz federal para abraçar a carreira política, criticou a
atuação política de Moro durante encontro dos Juristas pela Legalidade e pela
Democracia com a presidenta Dilma, em 22/3. “O poder judiciário não pode mandar
carta convocando para passeata. Não cabe ao poder judiciário fazer esse tipo de
coisa. (…) Não usem a toga para fazer política, porque isso acaba por destruir
o poder judiciário”, cobrou.
9
– Discurso de ódio
Muitos os intelectuais brasileiros têm acusado Moro de adotar uma
estratégia discursiva autoritária para justificar a forma com que vem
conduzindo Operação Lava Jato, um dos principais pilares do golpe em curso no
país. Amplificado pela mídia e pela oposição golpista, o discurso de ódio
seletivo contra a corrupção de apenas um espectro ideológico tem suscitado a
violência.
São inúmeros os casos de pessoas agredidas por usarem roupas vermelhas,
a cor identificada com a esquerda. Inclusive, cinco mães com bebês de colo. Há
relatos de patrões que demitiram ou ameaçaram de demissão trabalhadores
petistas e até de uma médica que se negou a atender o filho de uma ex-vereadora
do partido em Porto Alegre (RS).
Segundo Flávio Dino, o discurso do combate à corrupção do qual Moro se
serve é adotado pela elite golpista brasileira desde os anos 1950 para esconder
os verdadeiros problemas do país e respaldar as rupturas da ordem democrática.
“O que se segue a isto é o que estamos assistindo: o crescimento dramático de
posições de corte fascista em nosso país, representadas pela violência, por
grupos inorgânicos sem líderes, em busca de um 'duce', um 'füher', um protetor.
Ontem, as Forças Armadas. Hoje, a toga supostamente imparcial e democrática”,
explicou.
10
- Redução das garantias individuais
Muitos juristas avaliam que a subversão incorporada por Moro à
investigação criminal, à instrução processual e aos julgamentos da Lava Jato
têm reduzido drasticamente as garantias individuais no país, o que preocupa os
defensores da democracia.
Ao comentar as práticas da Lava Jato em debate no Senado, o juiz Rubens
Casara, especialista em direito processual penal, alertou que tanto no fascismo
clássico italiano quanto no nazismo alemão e no stalinismo soviético a presunção
de inocência também foi relativizada.
ElmirDuclerc Ramalho Junior, promotor na Bahia e professor de direito
processual penal, reforçou: “há uma tendência autoritária perigosa que lembra,
sim, períodos autoritários da história da humanidade”.
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