Estão criadas agora as condições para que ela promova um rearranjo
ministerial de profundidade e uma reorientação das diretrizes do programa de
trabalho.
Paulo Kliass *
Existe uma
lenda que circula pelos nossos tempos de que a língua chinesa apresentaria um
mesmo ideograma para as palavras “crise” e “oportunidade”. Não interessa aqui
entrar nessa polêmica informação e muito menos aprofundar na pesquisa
etimológica a esse respeito. O fato é que tal curiosidade serve muito
adequadamente para ilustrar a situação atual do Brasil. Como dizem os
italianos, “se non è vero, è bentrovato”. Pode não ser verdade, mas cabe bem no
caso.
A estratégia
oportunista da maioria da direção do PMDB de se afastar do governo Dilma
confirmou-se na reunião do Diretório Nacional em 29 de março. Ao aderir de
corpo e alma à opção do golpismo, o principal partido da base aliada retorna ao
seu verdadeiro leito original. Quando abraça a tese do impeachment da
Presidenta sem a apresentação de uma única prova capaz de justificar tal medida
extrema, os atuais dirigentes da agremiação - que por muito tempo foi dirigida
pelo saudoso Ulysses Guimarães - expõem a sua verdadeira face.
O inusitado
da circunstância se manifesta de diversas maneiras. Talvez a mais absurda delas
seja o fato de se exigir a demissão imediata dos sete ministros e demais cargos
de segundo e terceiro escalões, sem que haja qualquer menção ou referência ao
posto de Vice Presidente da República ocupado por Michel Temer, justamente o
dirigente máximo do peemedebismo. A histórica tradição de estar com vários pés
em todas as canoas possíveis agora chega a um novo patamar: desembarcar de um
governo com baixa de popularidade e realizar o antigo sonho de presidir o
Brasil.
PMDB entre
oportunismo e golpismo.
No entanto, ao escancarar a crise de forma
aberta e impiedosa, a conduta patrocinada pelo PMDB abre uma oportunidade
excelente para que Dilma dê início, finalmente, ao seu mandato de forma mais
autêntica. Apesar de todas as dificuldades que a demora em promover mudanças
tem provocado, estão criadas agora as condições para que ela promova um
rearranjo ministerial de profundidade e uma reorientação das diretrizes de seu
programa de trabalho. Afinal, para um novo governo há que se identificar uma
nova política.
A bem da
verdade é preciso reconhecer que tais proposições não são nem tão novas assim.
Basta recuperar os alfarrábios do programa apresentado pela candidata às
eleições em outubro de 2014. Ali estão traçadas as linhas mestras de um projeto
de desenvolvimento do País, combinando a busca do crescimento das atividades
econômicas e a manutenção da diretriz de redução das desigualdades sociais.
Ocorre que a
implementação da política de austericídio desde o início de 2015 até os dias de
hoje comprometeu bastante a possibilidade de obtenção de resultados positivos no
curto prazo. Ao contrário, em razão da insistência da Presidenta em seguir as
recomendações da turma do financismo e seu ajuste fiscal a qualquer preço,
estamos mergulhados em um ambiente marcado pela recessão e pelo desemprego. A
manutenção da política monetária de juros estratosféricos corrói um volume
absurdo de recursos orçamentários para pagar os juros da dívida e torna qualquer
intenção de empréstimo altamente custosa para famílias e empresas.
Oportunidade
para mudança.
A saída do
PMDB e a afirmação de uma nova fase do governo de Dilma Rousseff só terá
sentido se forem tomadas todas as medidas para viabilizar um programa mínimo de
retomada do crescimento e do desenvolvimento. Isso significa escapar da
armadilha do superávit primário e afirmar que o Estado deve ter um papel
protagonista na saída da crise. A chantagem e as ameaças que o capital
financeiro certamente vai patrocinar não devem amedrontar o novo governo. Há
décadas a banca vem sendo aquinhoada com todas as benesses derivadas de uma
política econômica voltada para atender aos interesses do financismo.
O simbolismo
de R$ 540 bilhões de recursos do orçamento destinados ao longo dos últimos 12
meses para pagamento de juros da dívida pública é implacável. Manter tal
injustiça enquanto todos os outros setores são chamados a contribuir com sua
cota de sacrifício é inaceitável. Esse deveria ser o mote para a mudança.
Reagrupar um conjunto amplo de forças políticas em torno de um programa de
redução da dependência nefasta da financeirização, que atravessa nossa
sociedade de alto a baixo.
A retomada da
regularidade virtuosa das atividades da economia passa, em primeiro lugar, pela
sinalização firme de que a taxa oficial de juros será reduzida para níveis
próximos da inflação. Ou seja, assim como fizeram os países desenvolvidos, o
governo estará sinalizando uma taxa SELIC real próxima de zero. Combinada a tal
diretriz, é necessário que os bancos públicos federais implementem de forma
imediata uma substancial redução de seus spreads nas operações de crédito. Com
isso, a tão desejada “concorrência de mercado” obrigará os bancos privados a
reduzirem também seus ganhos extraordinários. Caso contrário, perderão seus
clientes migrarem para o Banco do Brasil e para a Caixa Econômica Federal.
Como
justificar que as instituições financeiras sejam autorizadas pelo Banco Central
a cobrar juros de 447% ao ano por operações com cartão de crédito das pessoas
físicas? Ou então que cobrem uma média de quase 45% ao ano das empresas em
operações simples como desconto de cheques ou duplicatas? Afinal, não nos
esqueçamos de que elas captam recursos à base da SELIC a 14,25% anuais. A
espoliação é escabrosa.
Reduzir juros
e proteger o social.
O governo
deve superar de forma urgente o esmagamento ideológico a quem vem sendo
submetido e afirmar a necessidade de retomar o endividamento da União para seus
programas de investimento, seja nas áreas sociais, seja nos setores de
infraestrutura. Apesar dos arautos do liberalismo tupiniquim bradarem aos quatro
ventos a respeito de uma iminente catástrofe fiscal, a realidade é que nossa
relação dívida/PIB ainda está muito abaixo dos países considerados sérios e
desenvolvidos. O Estado só criará as condições de aumento de suas receitas
tributárias por meio da retomada das atividades da economia em geral.
A política de
arrecadação de impostos deveria se pautar por uma sinalização clara de
eliminação de facilidades injustificadas ao grande capital bem como pelo
fortalecimento de medidas para redução dos elevados índices de sonegação e
evasão fiscais. Por outro lado, existe bastante espaço para aplicação de
impostos voltados à redução das desigualdades, promovendo maior taxação sobre
riqueza e patrimônio.
No que se
refere às ameaças na área social, é fundamental que seja assegurada à população
a manutenção das linhas mestras como a política de valorização do salário
mínimo, a política de benefícios da previdência social, a política de
transferência de renda (Bolsa Família) e demais programas na área da saúde, educação
e similares.
Enfim, a
gravidade da situação não apresenta alternativa ao governo que não seja a de
seguir lutando, como sugeria o slogan do “coração valente”. Lutando contra o
golpismo e suas manifestações no recrudescimento do quadro social. Lutando para
fazer valer o desejo das urnas nas eleições presidenciais e mudando a
orientação da economia. O novo governo é a última chance para reconquistar o
apoio popular e derrotar o golpe em seu próprio campo.
* Paulo
Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris
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