terça-feira, 5 de abril de 2016

Novo governo: nova política




Estão criadas agora as condições para que ela promova um rearranjo ministerial de profundidade e uma reorientação das diretrizes do programa de trabalho.

Paulo Kliass *


Existe uma lenda que circula pelos nossos tempos de que a língua chinesa apresentaria um mesmo ideograma para as palavras “crise” e “oportunidade”. Não interessa aqui entrar nessa polêmica informação e muito menos aprofundar na pesquisa etimológica a esse respeito. O fato é que tal curiosidade serve muito adequadamente para ilustrar a situação atual do Brasil. Como dizem os italianos, “se non è vero, è bentrovato”. Pode não ser verdade, mas cabe bem no caso.

A estratégia oportunista da maioria da direção do PMDB de se afastar do governo Dilma confirmou-se na reunião do Diretório Nacional em 29 de março. Ao aderir de corpo e alma à opção do golpismo, o principal partido da base aliada retorna ao seu verdadeiro leito original. Quando abraça a tese do impeachment da Presidenta sem a apresentação de uma única prova capaz de justificar tal medida extrema, os atuais dirigentes da agremiação - que por muito tempo foi dirigida pelo saudoso Ulysses Guimarães - expõem a sua verdadeira face.

O inusitado da circunstância se manifesta de diversas maneiras. Talvez a mais absurda delas seja o fato de se exigir a demissão imediata dos sete ministros e demais cargos de segundo e terceiro escalões, sem que haja qualquer menção ou referência ao posto de Vice Presidente da República ocupado por Michel Temer, justamente o dirigente máximo do peemedebismo. A histórica tradição de estar com vários pés em todas as canoas possíveis agora chega a um novo patamar: desembarcar de um governo com baixa de popularidade e realizar o antigo sonho de presidir o Brasil.

PMDB entre oportunismo e golpismo.

 No entanto, ao escancarar a crise de forma aberta e impiedosa, a conduta patrocinada pelo PMDB abre uma oportunidade excelente para que Dilma dê início, finalmente, ao seu mandato de forma mais autêntica. Apesar de todas as dificuldades que a demora em promover mudanças tem provocado, estão criadas agora as condições para que ela promova um rearranjo ministerial de profundidade e uma reorientação das diretrizes de seu programa de trabalho. Afinal, para um novo governo há que se identificar uma nova política.

A bem da verdade é preciso reconhecer que tais proposições não são nem tão novas assim. Basta recuperar os alfarrábios do programa apresentado pela candidata às eleições em outubro de 2014. Ali estão traçadas as linhas mestras de um projeto de desenvolvimento do País, combinando a busca do crescimento das atividades econômicas e a manutenção da diretriz de redução das desigualdades sociais.

Ocorre que a implementação da política de austericídio desde o início de 2015 até os dias de hoje comprometeu bastante a possibilidade de obtenção de resultados positivos no curto prazo. Ao contrário, em razão da insistência da Presidenta em seguir as recomendações da turma do financismo e seu ajuste fiscal a qualquer preço, estamos mergulhados em um ambiente marcado pela recessão e pelo desemprego. A manutenção da política monetária de juros estratosféricos corrói um volume absurdo de recursos orçamentários para pagar os juros da dívida e torna qualquer intenção de empréstimo altamente custosa para famílias e empresas.

Oportunidade para mudança.

A saída do PMDB e a afirmação de uma nova fase do governo de Dilma Rousseff só terá sentido se forem tomadas todas as medidas para viabilizar um programa mínimo de retomada do crescimento e do desenvolvimento. Isso significa escapar da armadilha do superávit primário e afirmar que o Estado deve ter um papel protagonista na saída da crise. A chantagem e as ameaças que o capital financeiro certamente vai patrocinar não devem amedrontar o novo governo. Há décadas a banca vem sendo aquinhoada com todas as benesses derivadas de uma política econômica voltada para atender aos interesses do financismo.

O simbolismo de R$ 540 bilhões de recursos do orçamento destinados ao longo dos últimos 12 meses para pagamento de juros da dívida pública é implacável. Manter tal injustiça enquanto todos os outros setores são chamados a contribuir com sua cota de sacrifício é inaceitável. Esse deveria ser o mote para a mudança. Reagrupar um conjunto amplo de forças políticas em torno de um programa de redução da dependência nefasta da financeirização, que atravessa nossa sociedade de alto a baixo.

A retomada da regularidade virtuosa das atividades da economia passa, em primeiro lugar, pela sinalização firme de que a taxa oficial de juros será reduzida para níveis próximos da inflação. Ou seja, assim como fizeram os países desenvolvidos, o governo estará sinalizando uma taxa SELIC real próxima de zero. Combinada a tal diretriz, é necessário que os bancos públicos federais implementem de forma imediata uma substancial redução de seus spreads nas operações de crédito. Com isso, a tão desejada “concorrência de mercado” obrigará os bancos privados a reduzirem também seus ganhos extraordinários. Caso contrário, perderão seus clientes migrarem para o Banco do Brasil e para a Caixa Econômica Federal.

Como justificar que as instituições financeiras sejam autorizadas pelo Banco Central a cobrar juros de 447% ao ano por operações com cartão de crédito das pessoas físicas? Ou então que cobrem uma média de quase 45% ao ano das empresas em operações simples como desconto de cheques ou duplicatas? Afinal, não nos esqueçamos de que elas captam recursos à base da SELIC a 14,25% anuais. A espoliação é escabrosa.

Reduzir juros e proteger o social.

O governo deve superar de forma urgente o esmagamento ideológico a quem vem sendo submetido e afirmar a necessidade de retomar o endividamento da União para seus programas de investimento, seja nas áreas sociais, seja nos setores de infraestrutura. Apesar dos arautos do liberalismo tupiniquim bradarem aos quatro ventos a respeito de uma iminente catástrofe fiscal, a realidade é que nossa relação dívida/PIB ainda está muito abaixo dos países considerados sérios e desenvolvidos. O Estado só criará as condições de aumento de suas receitas tributárias por meio da retomada das atividades da economia em geral.

A política de arrecadação de impostos deveria se pautar por uma sinalização clara de eliminação de facilidades injustificadas ao grande capital bem como pelo fortalecimento de medidas para redução dos elevados índices de sonegação e evasão fiscais. Por outro lado, existe bastante espaço para aplicação de impostos voltados à redução das desigualdades, promovendo maior taxação sobre riqueza e patrimônio.

No que se refere às ameaças na área social, é fundamental que seja assegurada à população a manutenção das linhas mestras como a política de valorização do salário mínimo, a política de benefícios da previdência social, a política de transferência de renda (Bolsa Família) e demais programas na área da saúde, educação e similares.

Enfim, a gravidade da situação não apresenta alternativa ao governo que não seja a de seguir lutando, como sugeria o slogan do “coração valente”. Lutando contra o golpismo e suas manifestações no recrudescimento do quadro social. Lutando para fazer valer o desejo das urnas nas eleições presidenciais e mudando a orientação da economia. O novo governo é a última chance para reconquistar o apoio popular e derrotar o golpe em seu próprio campo.

* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris

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