Francisco Louçã*
A João Miguel Tavares** falta ser
original, mas resolveu juntar-se a um coro de indignados que me invectiva (e a
outros) por não bramar pela destituição de Dilma Rousseff. Cheio de fofuras,
ele quer ter um poster da Mariana à
porta do quarto, ele leu os meus livros, ele adora tudo, mas agora se indignou,
porque acha que eu acho que, “afinal, existe uma corrupção de direita e uma
corrupção de esquerda”. O argumento é tão tristonho que não precisaria de
resposta, não fora ser sinal reincidente de uma direita que mostra que entende
a democracia de modo instrumental.
Há aqui três discussões. A primeira é a
do populismo: a presidente não é acusada de qualquer crime, não importa, bota
fora! Um juiz viola a lei, mas ele tem uma missão superior. Um presidente no
Brasil só pode ser destituído se houver provas de que cometeu pessoalmente um
crime previsto no artigo 85º da Constituição e na Lei 1.079/1950, mas não cuide
disso, bota fora! O argumento é este: se há fumo é porque há fogo, bota fora! É
o desvario do populismo: basta um juiz falar para a condenação estar feita,
mesmo sem acusação nem julgamento. Esqueceu-se do Direito, caro Tavares?
A segunda é a da política. Os juízes
angelicais que descem com a espada de fogo para aniquilarem o mal seriam belos,
se fossem legais. Ora, não havendo processo jurídico que fundamente a
destituição, tudo é política. E suja: a queixa do PSDB, o partido de direita
que iniciou o processo (e que perdeu as eleições) baseia-se no parecer do conselheiro
do Tribunal de Contas, João Nardes, um ex-deputado do Partido Progressista,
que, aliás, chegou a ser aliado do PT e agora faz parte da frente golpista, em
que acusa a presidente de má gestão orçamental em 2014, ou seja, no mandato
anterior. Ora, Nardes é bem conhecido da justiça, dado que foi registado pela
“Operação Zelotes”, que investiga a venda de perdões fiscais, tendo sido
descoberta uma sua empresa que teria recebido dois milhões de reais para
reduzir o pagamento de impostos do Grupo RBS. Para acrescentar um pouco do
colorido, o ex-presidente do PP, Pedro Correa, testemunha que Nardes recebia
regularmente propinas e indica os valores. É mesmo nisto que se quer meter,
caro Tavares?
Eduardo Cunha, o presidente da Câmara
dos Deputados, que conduz o impeachment, recebeu mais de 52 milhões de reais da
Petrobras e as suas contas na Suíça já foram identificadas. A maioria dos
deputados que julgam a presidente (352 dos 594 deputados) tem uma acusação por
suspeitas de corrupção ou outros crimes – Dilma não tem. A destituição, que
será votada votada dentro de três semanas, é por isso a corrida do deputado
aflito para se safar. É isto que quer, caro Tavares?
A terceira é a da luta contra a
corrupção. Não sei se Tavares conseguirá convencer alguém de que gritar pelo
impeachment é a atitude digna. Ele procura, aliás, seduzir-me, queixando-se de
que tínhamos “uma plataforma mínima de entendimento e que poderíamos
encontrar-nos na rua e concordar sobre Ricardo Salgado, José Sócrates ou Lula –
todos ladrões”. O problema é que não concordamos, caro Tavares. Salgado, que eu
saiba, não foi acusado de roubar, veremos o que diz o processo. Sócrates não
tem acusação e vai para ano e meio; aquelas coisas no Correio da Manhã não se
qualificam para o efeito. E Lula não foi acusado. Portanto, se Tavares deixasse
de lado os ódios pessoais que tão mal o colocam, seria mais sensato e
discutiria política, banca e outras malfeitorias sem ter que gritar contra toda
a gente de que não gosta que “é corrupto”.
Ora, não há “corrupção de esquerda e
corrupção de direita”, porque crime é crime. Até lhe digo mais, caro Tavares,
para aliviar-lhe da angústia: eu só ponho as mãos no fogo por pessoas que
conheço muito bem. O que conheço do PT, ao contrário, é o Mensalão, que condeno, ou a compra de favores, que detesto, e
espero que todos os responsáveis respondam perante a justiça. Mas é perante a
justiça, entende, Tavares? Não é perante juiz que faz parte do partido oposto,
ou perante sentença transitada em julgado nos editoriais doGlobo, porque isso
seria o mesmo que entregar a presidência do nosso Supremo Tribunal de Justiça a
um Octávio Ribeiro. E para isso não conta comigo.
Finalmente, Tavares não vê “ódio de
classe” neste assunto, só sente elegância. Suponho que não ouviu há dois dias
um exaltado deputado brasileiro, nas escadarias da Faculdade de Direito de
Lisboa, a prometer que “sindicalista vai
ver como é”, ou que não viu a fogueira de efígies de sindicalistas na
Avenida Paulista. Eu vi. E não me esqueço, porque estive no Brasil quando a
ditadura militar ainda condenava amigos meus, quando a imprensa procurava furar
a censura e quando os sindicalistas eram presos.
Eu não uivo com os lobos, porque os
conheço e porque sei do que são capazes – e porque a democracia detesta o processo
sumário e o jogo sujo.
*Francisco Louçã nasceu em
Lisboa-Portugal. Foi deputado (1999-2012). É professor de economia na
Universidade de Lisboa. Ex-líder do Bloco de Esquerda.
*Jornalista do Diário de Notícias e
diretor adjunto da revista Time Out.
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