terça-feira, 5 de abril de 2016

Uivar com os lobos?




Francisco Louçã*

A João Miguel Tavares** falta ser original, mas resolveu juntar-se a um coro de indignados que me invectiva (e a outros) por não bramar pela destituição de Dilma Rousseff. Cheio de fofuras, ele quer ter um poster da Mariana à porta do quarto, ele leu os meus livros, ele adora tudo, mas agora se indignou, porque acha que eu acho que, “afinal, existe uma corrupção de direita e uma corrupção de esquerda”. O argumento é tão tristonho que não precisaria de resposta, não fora ser sinal reincidente de uma direita que mostra que entende a democracia de modo instrumental.

Há aqui três discussões. A primeira é a do populismo: a presidente não é acusada de qualquer crime, não importa, bota fora! Um juiz viola a lei, mas ele tem uma missão superior. Um presidente no Brasil só pode ser destituído se houver provas de que cometeu pessoalmente um crime previsto no artigo 85º da Constituição e na Lei 1.079/1950, mas não cuide disso, bota fora! O argumento é este: se há fumo é porque há fogo, bota fora! É o desvario do populismo: basta um juiz falar para a condenação estar feita, mesmo sem acusação nem julgamento. Esqueceu-se do Direito, caro Tavares?

A segunda é a da política. Os juízes angelicais que descem com a espada de fogo para aniquilarem o mal seriam belos, se fossem legais. Ora, não havendo processo jurídico que fundamente a destituição, tudo é política. E suja: a queixa do PSDB, o partido de direita que iniciou o processo (e que perdeu as eleições) baseia-se no parecer do conselheiro do Tribunal de Contas, João Nardes, um ex-deputado do Partido Progressista, que, aliás, chegou a ser aliado do PT e agora faz parte da frente golpista, em que acusa a presidente de má gestão orçamental em 2014, ou seja, no mandato anterior. Ora, Nardes é bem conhecido da justiça, dado que foi registado pela “Operação Zelotes”, que investiga a venda de perdões fiscais, tendo sido descoberta uma sua empresa que teria recebido dois milhões de reais para reduzir o pagamento de impostos do Grupo RBS. Para acrescentar um pouco do colorido, o ex-presidente do PP, Pedro Correa, testemunha que Nardes recebia regularmente propinas e indica os valores. É mesmo nisto que se quer meter, caro Tavares?

Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados, que conduz o impeachment, recebeu mais de 52 milhões de reais da Petrobras e as suas contas na Suíça já foram identificadas. A maioria dos deputados que julgam a presidente (352 dos 594 deputados) tem uma acusação por suspeitas de corrupção ou outros crimes – Dilma não tem. A destituição, que será votada votada dentro de três semanas, é por isso a corrida do deputado aflito para se safar. É isto que quer, caro Tavares?

A terceira é a da luta contra a corrupção. Não sei se Tavares conseguirá convencer alguém de que gritar pelo impeachment é a atitude digna. Ele procura, aliás, seduzir-me, queixando-se de que tínhamos “uma plataforma mínima de entendimento e que poderíamos encontrar-nos na rua e concordar sobre Ricardo Salgado, José Sócrates ou Lula – todos ladrões”. O problema é que não concordamos, caro Tavares. Salgado, que eu saiba, não foi acusado de roubar, veremos o que diz o processo. Sócrates não tem acusação e vai para ano e meio; aquelas coisas no Correio da Manhã não se qualificam para o efeito. E Lula não foi acusado. Portanto, se Tavares deixasse de lado os ódios pessoais que tão mal o colocam, seria mais sensato e discutiria política, banca e outras malfeitorias sem ter que gritar contra toda a gente de que não gosta que “é corrupto”.

Ora, não há “corrupção de esquerda e corrupção de direita”, porque crime é crime. Até lhe digo mais, caro Tavares, para aliviar-lhe da angústia: eu só ponho as mãos no fogo por pessoas que conheço muito bem. O que conheço do PT, ao contrário, é o Mensalão, que condeno, ou a compra de favores, que detesto, e espero que todos os responsáveis respondam perante a justiça. Mas é perante a justiça, entende, Tavares? Não é perante juiz que faz parte do partido oposto, ou perante sentença transitada em julgado nos editoriais doGlobo, porque isso seria o mesmo que entregar a presidência do nosso Supremo Tribunal de Justiça a um Octávio Ribeiro. E para isso não conta comigo.

Finalmente, Tavares não vê “ódio de classe” neste assunto, só sente elegância. Suponho que não ouviu há dois dias um exaltado deputado brasileiro, nas escadarias da Faculdade de Direito de Lisboa, a prometer que “sindicalista vai ver como é”, ou que não viu a fogueira de efígies de sindicalistas na Avenida Paulista. Eu vi. E não me esqueço, porque estive no Brasil quando a ditadura militar ainda condenava amigos meus, quando a imprensa procurava furar a censura e quando os sindicalistas eram presos.

Eu não uivo com os lobos, porque os conheço e porque sei do que são capazes – e porque a democracia detesta o processo sumário e o jogo sujo.


*Francisco Louçã nasceu em Lisboa-Portugal. Foi deputado (1999-2012). É professor de economia na Universidade de Lisboa. Ex-líder do Bloco de Esquerda.

*Jornalista do Diário de Notícias e diretor adjunto da revista Time Out.

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