terça-feira, 5 de abril de 2016

Os golpistas de 1º de abril de 1964 se parecem com os de hoje?



Os golpistas de 1º de abril de 1964 se parecem com os de hoje?

As conjunturas são muito parecidas. Durante o governo de João Goulart (1961/1964) a direita, apoiada pelo imperialismo do s EUA e com farto financiamento em dólares, conspirou contra o governo constitucional e a legalidade, e depôs o presidente, dando início à ditadura de 1964. A grande diferença é que, então, o movimento operário e social não tinha a mesma força que tem hoje.

José Carlos Ruy*

Henning  Boilesen, executivo do Grupo Ultra, foi um dos empresários que bancaram o golpe de 1964.Henning Boilesen, executivo do Grupo Ultra, foi um dos empresários que bancaram o golpe de 1964. O golpe militar de 1964 não foi, certamente, um "raio em céu azul". A conspiração para a derrubada do presidente João Goulart articulou o grande capital, agentes do imperialismo e chefes militares desde da posse do presidente após a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961.

Naquela ocasião os setores conservadores e os ministros militares tentaram impedir a posse de Goulart mas foram impedidos pela mobilização popular pela legalidade e pelo cumprimento da Constituição.

A sociedade brasileira, desde o final do Estado Novo, em 1945, passava por um agitado período de transformações e, embora limitada, a democracia da Constituição de 1946 favoreceu a organização das camadas populares.

A classe operária amadurecia em sucessivas lutas, como foi a mobilização popular que garantiu a posse de João Goulart em 1961. As lideranças sindicais formavam entidades como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e o Pacto de Unidade e Ação (PUA) para dar ao movimento operário condições de influir nas decisões e mesmo na composição do poder político.

Por outro lado, os camponeses lutavam pela reforma agrária, invadindo e ocupando latifúndios improdutivos. Em 1955, surgiram as primeiras "Ligas Camponesas" e, em 1961, seu movimento adquiriu caráter nacional com a realização, em Belo Horizonte, do I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas.

O avanço das camadas populares era visto com apreensão pela classe dominante. O povo exigia reformas que sacrificariam interesses solidamente estabelecidos.

A política econômica de Juscelino Kubitschek (1956-1961), que fomentou a industrialização com base em investimentos estrangeiros, garantia bons negócios para a burguesia e, ao mesmo tempo, abria a perspectiva de empregos para as camadas populares. Gerando empregos, o crescimento econômico permitiu uma certa neutralização da luta de classes, fazendo com que a eclosão de conflitos mais profundos fosse adiada. Os problemas foram adiados, mas não resolvidos. E se agravaram. Juscelino deixou a seus sucessores a herança de um modelo altamente inflacionário e concentrador de renda.

A crise econômica do final de seu governo já não comportava soluções de gabinete, e acabou explodindo durante o governo Goulart, após o breve interregno de Jânio Quadros. Segundo o historiador Moniz Bandeira, o governo Jânio não podia continuar seguindo as recomendações do Fundo Monetário Internacional, de descarregar o peso da crise sobre os trabalhadores e as classes médias assalariadas, sem medidas de repressão política. "A crise econômica", escreveu, "atingira um ponto que impunha uma definição de classe".

As classes dominantes compreenderam isso e articularam-se para deter o avanço das organizações populares ao mesmo tempo que conspiravam contra Goulart.

Os antigos ministros militares de Jânio - marechal Odílio Denys, almirante Sílvio Heck e brigadeiro do ar Grun Moss - conspiravam desde o momento em que saíram do governo, depois da posse de Goulart.

Com eles estavam o brigadeiro Eduardo Gomes, os generais Cordeiro de Farias e Nelson de Melo, além do integralista Francisco Campos, autor da constituição fascista de 1937. Era o fascismo, aliado ao liberalismo de direita, em ação.

Os EUA acompanhavam tudo através de sua embaixada e da CIA.

Em abril de 1963, em S. Paulo, o general Mourão chegou a anunciar o golpe para "dentro de 30 dias", e pediu ajuda norte-americana: "munição para lança-foguetes, 15 mil submetralhadoras, morteiros, lança-chamas", etc.

Além de derrubar Goulart, os golpistas queriam livrar-se dos "extremistas e comunistas" do Congresso, e "abolir algumas organizações trabalhistas e conceder o direito de greve apenas de acordo com os ditames draconianos da legislação.

Os empresários conspiravam aberta e aceleradamente. Em maio de 1963, o vice-presidente do Comitê de Relações Brasileiro-Americanas da Câmara do Comércio Americana, disse que a "lenta tomada do Brasil por forças nacionalistas e esquerdistas" chegara a um ponto em que a revolução era iminente. Anunciou ainda a formação de um grupo de empresários e oficiais militares que contavam inclusive com armas, para pôr fim à situação vigente. O grupo, formado no Rio de Janeiro, tinha um núcleo em S. Paulo, e contava com o apoio dos governadores Magalhães Pinto, de Minas Gerais, Carlos Lacerda, do então estado da Guanabara, e Adhemar de Barros, de S. Paulo.

A aliança entre os golpistas e os norte-americanos era antiga. Nasceu durante a II Grande Guerra, e se fortaleceu na época da campanha do petróleo, nos anos 50. E identificava nacionalismo com comunismo.

Durante o governo de Juscelino, os negócios estrangeiros cresceram muito no Brasil, assim como a disposição do imperialismo de defender seus interesses a qualquer custo.

Surgiram entidades como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais), formados por empresários, latifundiários, parlamentares direitistas e agentes do imperialismo norte-americano, que agiam em estreito contato com a CIA. De 1962 a 1964, o IPES gastou entre 600 a 900 mil dólares (estes valores corresponderiam, em 2014, a 4,8 a 7 milhões de dólares) para contratar militares reformados, investigar o que chamavam de infiltração comunista no governo e influir nas eleições de 1962.

Por intermédio do então coronel Golbery do Couto e Silva, o IPES ligou-se à Escola Superior de Guerra, e sua influência atingiu a grande mídia hegemônica e agências de publicidade. Grande parte de suas despesas eram cobertas por contribuições de várias empresas. Somente a Light, no período de dezembro de 1961 a março de 1964, contribuiu com Cr$ 5,6 milhões (que era então uma fortuna). Empresas alemãs como a Manesmann e a Mercedes Benz do Brasil também doaram vultosas quantias para a caixa do IPES.

O IBAD, ligado diretamente à CIA, teve forte atuação nas eleições de 1962, comprando candidatos para defender o capital estrangeiro e condenar a reforma agrária. Gastou nisso cerca de 20 milhões de dólares (valor que, corrigido, em 2014, chegaria a 160 milhões de dólares).

O Brasil também foi invadido por agentes do Peace Corps (disfarçados de sacerdotes, comerciantes, etc.). Em 1962 entraram 4.968 agentes daquele país. Em 1963, foram 2463.

Ao mesmo tempo, o governo dos EUA suspendeu as linhas de crédito desde a posse de Goulart, medida seguida por banqueiros e empresários privados – era o grande capital criando a crise econômica que intensificou a crise política. O objetivo era sufocar Goulart e obrigá-lo ou a adotar as medidas econômicas recomendadas pelo FMI, ou a renunciar, abrindo caminho para os militares.

Goulart, por sua vez, oscilou entre um apoio decidido à mobilização popular e tentativas de aplacar a fúria das elites. Quando finalmente decidiu-se a subir no palanque das reformas de base (reformas agrária, educacional, bancária, fiscal, urbana), juntando-se ao movimento popular.

No dia 13 de março Goulart participou do comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, onde encampou claramente a luta popular: perante 250 mil pessoas, mostrou os decretos da reforma agrária e estatização das refinarias de petróleo particulares, já assinados, e o da reforma urbana, que seria assinado no dia seguinte. Jango tentava ganhar a opinião pública criando condições para pressionar os congressistas, que não apoiavam as reformas.

O comício acirrou as contradições entre o governo e os setores conservadores, e os golpistas passaram a agir com maior rapidez.

Mas esta guinada à esquerda, a favor das reformas de base, veio tarde demais. A conspiração havia amadurecido, envolvendo quase a totalidade dos setores retrógrados e articulado as camadas conservadoras da classe média em busca de uma base de massas para dar legitimidade à ação dos golpistas.

Após o 1º de Abril, no Rio de Janeiro, em S. Paulo, Rio Grande do Sul e em todas as capitais brasileiras, começou a caça às bruxas. A Petrobrás foi cercada por tropas do Exército, que prenderam seu presidente, o marechal Osvino Alves. O almirante pró-Jango, Candido Aragão, comandante do Corpo de Fuzileiros Navais, também, foi preso. Membros do ministério foram detidos no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, e as prisões se sucedem aos milhares.

O Estadão, que apoiou o golpe, anunciou a chuva de papel picado que se misturou à garoa, sob as manchetes "Empolgou São Paulo a vitória das armas libertadoras" e "Indescritível entusiasmo galvanizou a população brasileira". Uma matéria intitulada "Reclama-se a varredura em todos os setores" apoiou a repressão.

Os setores mais reacionários foram vitoriosos com o golpe. O novo regime atingiu com violência as organizações populares, começando a desmantelá-las. No Rio de Janeiro, fascistas incendiaram a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE).

Depois do golpe de 1º de abril o novo poder ilegítimo já nasceu, dividido. O general Castelo Branco e seu grupo - que ficou conhecido como Sorbonne, e do qual faziam parte chefes militares como Golbery do Couto e Silva e Ernesto Geisel - surpreenderam-se quando o general Costa e Silva se autonomeou comandante em chefe do Exército, por ser o mais antigo general de quatro estrelas. Costa e Silva vinha da tropa, e era alheio aos grupos "intelectuais" do Exército. Representava a chamada "linha dura" de militares dispostos a levar às últimas consequências a intervenção no processo político.

O conflito entre esses dois grupos, que se tornou explícito logo no momento do golpe militar, marcou todas as sucessões presidenciais durante os governos dos generais.

Mas as contradições que existiam desde o início do governo de Goulart não foram eliminadas, nem as classes populares eliminadas. E, mesmo no silêncio da noite fascista, as organizações populares voltaram a crescer, com dificuldades, e voltaram ao palco político, com força e mais decisão. Em 1974 impuseram séria derrota eleitoral à ditadura, conseguindo eleger parlamentares democráticos que reforçaram a resistência à ditadura. A crise dos governos dos generais começou efetivamente naquele ano. E, mais uma década depois, ela desembocaria na até então maior manifestação popular já vivida pelo Brasil, a campanha das Diretas Já que, em 1984 e 1985, daria um xeque mate na ditadura.

O aprendizado popular e democrático na longa noite da resistência foi intenso e fértil. A ditadura aberta durou 21 anos (1964-1985). Em sua crise final, no início da década de 1980, formou-se a aliança que, agora, em 2014, parece nos estertores. Naquela aliança, os mesmos setores antidemocráticos que prevaleceram durante os anos de arbítrio forjaram a articulação de proprietários e grandes rentistas que dominou nos anos seguintes, com o programa neoliberal. Mantiveram e controlaram a presidência da República, exercendo o mesmo governo favorável apenas aos rentistas do grande capital e a uma parte reduzida da população – um dito famoso assegurava que o Brasil era governado apenas para 1/3 dos brasileiros, deixando os demais à margem da ação pública).

Uma conclusão provisória do que se assiste hoje no Brasil, mais de meio século depois de 1964, permite supor que a aliança de classes formada na crise da ditadura está se esgarçando.

E que a luta democrática do povo, dos trabalhadores, dos patriotas está em outro patamar de organização e de consciência. Daí as enormes dificuldades enfrentadas pela classe dominante que impôs seus interesses em todo o período histórico da independência nacional e que, agora, parece fenecer.


*José Carlos Ruy é jornalista e escritor

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