Os golpistas de 1º de abril
de 1964 se parecem com os de hoje?
As conjunturas são muito parecidas. Durante o governo de João Goulart
(1961/1964) a direita, apoiada pelo imperialismo do s EUA e com farto
financiamento em dólares, conspirou contra o governo constitucional e a
legalidade, e depôs o presidente, dando início à ditadura de 1964. A grande
diferença é que, então, o movimento operário e social não tinha a mesma força
que tem hoje.
José Carlos Ruy*
Henning Boilesen, executivo do
Grupo Ultra, foi um dos empresários que bancaram o golpe de 1964.Henning
Boilesen, executivo do Grupo Ultra, foi um dos empresários que bancaram o golpe
de 1964. O golpe militar de 1964 não foi, certamente, um "raio em céu
azul". A conspiração para a derrubada do presidente João Goulart articulou
o grande capital, agentes do imperialismo e chefes militares desde da posse do
presidente após a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961.
Naquela ocasião os setores conservadores e os ministros militares
tentaram impedir a posse de Goulart mas foram impedidos pela mobilização
popular pela legalidade e pelo cumprimento da Constituição.
A sociedade brasileira, desde o final do Estado Novo, em 1945, passava
por um agitado período de transformações e, embora limitada, a democracia da
Constituição de 1946 favoreceu a organização das camadas populares.
A classe operária amadurecia em sucessivas lutas, como foi a
mobilização popular que garantiu a posse de João Goulart em 1961. As lideranças
sindicais formavam entidades como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e o
Pacto de Unidade e Ação (PUA) para dar ao movimento operário condições de
influir nas decisões e mesmo na composição do poder político.
Por outro lado, os camponeses lutavam pela reforma agrária, invadindo e
ocupando latifúndios improdutivos. Em 1955, surgiram as primeiras "Ligas
Camponesas" e, em 1961, seu movimento adquiriu caráter nacional com a
realização, em Belo Horizonte, do I Congresso Nacional dos Lavradores e
Trabalhadores Agrícolas.
O avanço das camadas populares era visto com apreensão pela classe
dominante. O povo exigia reformas que sacrificariam interesses solidamente
estabelecidos.
A política econômica de Juscelino Kubitschek (1956-1961), que fomentou
a industrialização com base em investimentos estrangeiros, garantia bons
negócios para a burguesia e, ao mesmo tempo, abria a perspectiva de empregos
para as camadas populares. Gerando empregos, o crescimento econômico permitiu
uma certa neutralização da luta de classes, fazendo com que a eclosão de
conflitos mais profundos fosse adiada. Os problemas foram adiados, mas não
resolvidos. E se agravaram. Juscelino deixou a seus sucessores a herança de um
modelo altamente inflacionário e concentrador de renda.
A crise econômica do final de seu governo já não comportava soluções de
gabinete, e acabou explodindo durante o governo Goulart, após o breve
interregno de Jânio Quadros. Segundo o historiador Moniz Bandeira, o governo
Jânio não podia continuar seguindo as recomendações do Fundo Monetário
Internacional, de descarregar o peso da crise sobre os trabalhadores e as
classes médias assalariadas, sem medidas de repressão política. "A crise
econômica", escreveu, "atingira um ponto que impunha uma definição de
classe".
As classes dominantes compreenderam isso e articularam-se para deter o
avanço das organizações populares ao mesmo tempo que conspiravam contra
Goulart.
Os antigos ministros militares de Jânio - marechal Odílio Denys,
almirante Sílvio Heck e brigadeiro do ar Grun Moss - conspiravam desde o
momento em que saíram do governo, depois da posse de Goulart.
Com eles estavam o brigadeiro Eduardo Gomes, os generais Cordeiro de
Farias e Nelson de Melo, além do integralista Francisco Campos, autor da
constituição fascista de 1937. Era o fascismo, aliado ao liberalismo de
direita, em ação.
Os EUA acompanhavam tudo através de sua embaixada e da CIA.
Em abril de 1963, em S. Paulo, o general Mourão chegou a anunciar o
golpe para "dentro de 30 dias", e pediu ajuda norte-americana:
"munição para lança-foguetes, 15 mil submetralhadoras, morteiros,
lança-chamas", etc.
Além de derrubar Goulart, os golpistas queriam livrar-se dos
"extremistas e comunistas" do Congresso, e "abolir algumas
organizações trabalhistas e conceder o direito de greve apenas de acordo com os
ditames draconianos da legislação.
Os empresários conspiravam aberta e aceleradamente. Em maio de 1963, o
vice-presidente do Comitê de Relações Brasileiro-Americanas da Câmara do
Comércio Americana, disse que a "lenta tomada do Brasil por forças
nacionalistas e esquerdistas" chegara a um ponto em que a revolução era
iminente. Anunciou ainda a formação de um grupo de empresários e oficiais
militares que contavam inclusive com armas, para pôr fim à situação vigente. O
grupo, formado no Rio de Janeiro, tinha um núcleo em S. Paulo, e contava com o
apoio dos governadores Magalhães Pinto, de Minas Gerais, Carlos Lacerda, do
então estado da Guanabara, e Adhemar de Barros, de S. Paulo.
A aliança entre os golpistas e os norte-americanos era antiga. Nasceu
durante a II Grande Guerra, e se fortaleceu na época da campanha do petróleo,
nos anos 50. E identificava nacionalismo com comunismo.
Durante o governo de Juscelino, os negócios estrangeiros cresceram
muito no Brasil, assim como a disposição do imperialismo de defender seus
interesses a qualquer custo.
Surgiram entidades como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática)
e o IPES (Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais), formados por
empresários, latifundiários, parlamentares direitistas e agentes do
imperialismo norte-americano, que agiam em estreito contato com a CIA. De 1962
a 1964, o IPES gastou entre 600 a 900 mil dólares (estes valores
corresponderiam, em 2014, a 4,8 a 7 milhões de dólares) para contratar
militares reformados, investigar o que chamavam de infiltração comunista no
governo e influir nas eleições de 1962.
Por intermédio do então coronel Golbery do Couto e Silva, o IPES
ligou-se à Escola Superior de Guerra, e sua influência atingiu a grande mídia
hegemônica e agências de publicidade. Grande parte de suas despesas eram
cobertas por contribuições de várias empresas. Somente a Light, no período de
dezembro de 1961 a março de 1964, contribuiu com Cr$ 5,6 milhões (que era então
uma fortuna). Empresas alemãs como a Manesmann e a Mercedes Benz do Brasil
também doaram vultosas quantias para a caixa do IPES.
O IBAD, ligado diretamente à CIA, teve forte atuação nas eleições de
1962, comprando candidatos para defender o capital estrangeiro e condenar a
reforma agrária. Gastou nisso cerca de 20 milhões de dólares (valor que,
corrigido, em 2014, chegaria a 160 milhões de dólares).
O Brasil também foi invadido por agentes do Peace Corps (disfarçados de
sacerdotes, comerciantes, etc.). Em 1962 entraram 4.968 agentes daquele país.
Em 1963, foram 2463.
Ao mesmo tempo, o governo dos EUA suspendeu as linhas de crédito desde
a posse de Goulart, medida seguida por banqueiros e empresários privados – era
o grande capital criando a crise econômica que intensificou a crise política. O
objetivo era sufocar Goulart e obrigá-lo ou a adotar as medidas econômicas
recomendadas pelo FMI, ou a renunciar, abrindo caminho para os militares.
Goulart, por sua vez, oscilou entre um apoio decidido à mobilização
popular e tentativas de aplacar a fúria das elites. Quando finalmente
decidiu-se a subir no palanque das reformas de base (reformas agrária,
educacional, bancária, fiscal, urbana), juntando-se ao movimento popular.
No dia 13 de março Goulart participou do comício na Central do Brasil,
no Rio de Janeiro, onde encampou claramente a luta popular: perante 250 mil
pessoas, mostrou os decretos da reforma agrária e estatização das refinarias de
petróleo particulares, já assinados, e o da reforma urbana, que seria assinado
no dia seguinte. Jango tentava ganhar a opinião pública criando condições para
pressionar os congressistas, que não apoiavam as reformas.
O comício acirrou as contradições entre o governo e os setores
conservadores, e os golpistas passaram a agir com maior rapidez.
Mas esta guinada à esquerda, a favor das reformas de base, veio tarde
demais. A conspiração havia amadurecido, envolvendo quase a totalidade dos
setores retrógrados e articulado as camadas conservadoras da classe média em
busca de uma base de massas para dar legitimidade à ação dos golpistas.
Após o 1º de Abril, no Rio de Janeiro, em S. Paulo, Rio Grande do Sul e
em todas as capitais brasileiras, começou a caça às bruxas. A Petrobrás foi
cercada por tropas do Exército, que prenderam seu presidente, o marechal Osvino
Alves. O almirante pró-Jango, Candido Aragão, comandante do Corpo de Fuzileiros
Navais, também, foi preso. Membros do ministério foram detidos no aeroporto do
Galeão, no Rio de Janeiro, e as prisões se sucedem aos milhares.
O Estadão, que apoiou o golpe, anunciou a chuva de papel picado que se
misturou à garoa, sob as manchetes "Empolgou São Paulo a vitória das armas
libertadoras" e "Indescritível entusiasmo galvanizou a população
brasileira". Uma matéria intitulada "Reclama-se a varredura em todos
os setores" apoiou a repressão.
Os setores mais reacionários foram vitoriosos com o golpe. O novo
regime atingiu com violência as organizações populares, começando a
desmantelá-las. No Rio de Janeiro, fascistas incendiaram a sede da União
Nacional dos Estudantes (UNE).
Depois do golpe de 1º de abril o novo poder ilegítimo já nasceu,
dividido. O general Castelo Branco e seu grupo - que ficou conhecido como
Sorbonne, e do qual faziam parte chefes militares como Golbery do Couto e Silva
e Ernesto Geisel - surpreenderam-se quando o general Costa e Silva se
autonomeou comandante em chefe do Exército, por ser o mais antigo general de
quatro estrelas. Costa e Silva vinha da tropa, e era alheio aos grupos
"intelectuais" do Exército. Representava a chamada "linha dura"
de militares dispostos a levar às últimas consequências a intervenção no
processo político.
O conflito entre esses dois grupos, que se tornou explícito logo no
momento do golpe militar, marcou todas as sucessões presidenciais durante os
governos dos generais.
Mas as contradições que existiam desde o início do governo de Goulart
não foram eliminadas, nem as classes populares eliminadas. E, mesmo no silêncio
da noite fascista, as organizações populares voltaram a crescer, com
dificuldades, e voltaram ao palco político, com força e mais decisão. Em 1974
impuseram séria derrota eleitoral à ditadura, conseguindo eleger parlamentares
democráticos que reforçaram a resistência à ditadura. A crise dos governos dos
generais começou efetivamente naquele ano. E, mais uma década depois, ela
desembocaria na até então maior manifestação popular já vivida pelo Brasil, a
campanha das Diretas Já que, em 1984 e 1985, daria um xeque mate na ditadura.
O aprendizado popular e democrático na longa noite da resistência foi
intenso e fértil. A ditadura aberta durou 21 anos (1964-1985). Em sua crise
final, no início da década de 1980, formou-se a aliança que, agora, em 2014,
parece nos estertores. Naquela aliança, os mesmos setores antidemocráticos que
prevaleceram durante os anos de arbítrio forjaram a articulação de
proprietários e grandes rentistas que dominou nos anos seguintes, com o
programa neoliberal. Mantiveram e controlaram a presidência da República,
exercendo o mesmo governo favorável apenas aos rentistas do grande capital e a
uma parte reduzida da população – um dito famoso assegurava que o Brasil era
governado apenas para 1/3 dos brasileiros, deixando os demais à margem da ação
pública).
Uma conclusão provisória do que se assiste hoje no Brasil, mais de meio
século depois de 1964, permite supor que a aliança de classes formada na crise
da ditadura está se esgarçando.
E que a luta democrática do povo, dos trabalhadores, dos patriotas está
em outro patamar de organização e de consciência. Daí as enormes dificuldades
enfrentadas pela classe dominante que impôs seus interesses em todo o período
histórico da independência nacional e que, agora, parece fenecer.
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