Intelectuais se manifestam contra aprovação de pedido de impeachment de Dilma Rousseff
'Estão tentando destituir um governo legítimo e democrático', diz Sebastião Salgado; para Maria Rita Kehl, Brasil vive 'iminência de uma nova catástrofe'
Após a Câmara dos Deputados do Brasil aprovar a admissibilidade do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff no último domingo (17/04), intelectuais brasileiros e estrangeiros têm se manifestado contra o que classificam como golpe de Estado e contra a democracia no país.
Em entrevista à rádio France Inter nesta terça-feira (19/04), o fotógrafo mineiro Sebastião Salgado disse acreditar que o processo de impeachment se trata de um "golpe de Estado imoral" e uma "revanche política". "Estão tentando destituir um governo legítimo e democrático, é a primeira etapa de uma grande luta", afirmou Salgado. “Além disso, a classe que quer voltar ao poder é a classe mais corrupta que podemos imaginar”.
CPFL Cultura / Flickr CC
Psicanalista Maria Rita Kehl afirmou que Dilma é uma "personagem fundamental na história do Brasil"
Psicanalista Maria Rita Kehl afirmou que Dilma é uma "personagem fundamental na história do Brasil"
“Há [atualmente] políticas sociais muito mais interessantes que antes, mas a elite que perdeu o poder tenta voltar de todas as maneiras. Temos uma imprensa de direita que combate o PT. Não sou filiado ao partido, mas não concordo que se elimine a democracia no Brasil através de um golpe de Estado imoral”, disse o fotógrafo.
“Temos também que cobrar o PT, mas o balanço é o mais positivo que o Brasil já teve”, afirmou Salgado ao ser perguntado sobre as mudanças e políticas sociais dos governos do PT.
O filósofo mexicano Fernando Buen Abad Domínguez publicou, na noite do último domingo, uma mensagem em seu Twitter na qual afirmou que “se cometeu uma monstruosidade contra a democracia no Brasil”. “Isso só se repara com o povo mobilizado contra os golpistas e na rua”, disse o filósofo.
Em carta aberta dirigida a Dilma e publicada na última segunda-feira (18/04) no jornal Folha de S.Paulo, a psicanalista e integrante da Comissão Nacional da Verdade Maria Rita Kehl voltou a se posicionar contra o impedimento. Kehl classificou Dilma como uma “personagem fundamental na história do Brasil” e destacou a criação, em seu governo, da Comissão Nacional da Verdade.
“Nos vemos na iminência de uma nova catástrofe: a cassação de uma presidente séria, comprometida com o combate à corrupção, por uma Câmara comandada por um deputado [Eduardo Cunha, PMDB-RJ] acusado de vários crimes e repudiado pela população”, afirmou a psicanalista. “Talvez o Brasil acorde durante o julgamento no Senado e perceba a gravidade do que está por vir. Ou então assistiremos, estarrecidos, à repetição de um golpe em nome da moralidade pública”, disse.
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Para o analista político argentino Atilio Boron, a votação na Câmara foi um “espetáculo lamentável e vergonhoso da direita”. “Poucas vezes em minha vida vi, como analista político, um espetáculo tão repugnante como o que hoje deram os deputados da direita no Brasil”, disse Boron em seu perfil no Twitter na segunda-feira. Ele chamou de “demagogos e corruptos até a medula” parte dos deputados que votaram a favor da admissibilidade do processo de impeachment.
O escritor paulista Raduan Nassar escreveu um artigo publicado nesta terça-feira no qual disse que o STF (Supremo Tribunal Federal) “está adormecido, dorminhoco, maculado por sinal pelo seu passado com o regime militar” e que, por isso, o impeachment de Dilma foi instaurado.
Segundo o escritor, “o processo deveria sobretudo ter se detido no exame da tipificação do suposto crime de responsabilidade”. “Por que o mesmo tribunal não julgou até agora o presidente da Câmara dos Deputados?”, questionou Nassar.
O tradutor, escritor e jornalista Eric Nepomuceno, em entrevista à revista Calle2 publicada nesta terça, classificou a votação da Câmara como “um circo de horrores”. “Nós temos no Brasil a pior legislatura dos últimos 36 anos. Desde a volta da democracia não havia nada parecido”, afirmou. De acordo com ele, “a direita saiu do armário, havia um ódio reprimido e esse ódio foi desatado”.
“Agora não precisamos mais das Forças Armadas para derrubar um governo legítimo e constitucional. Contamos com setores da Polícia Federal, setores do Poder Judiciário absolutamente parciais e facciosos e, como em 1964, você conta com a unanimidade da grande mídia hegemônica, principalmente a Rede Globo”, disse Nepomuceno.
Com a decisão da Câmara, cabe agora ao Senado formar uma comissão para analisar o pedido de impeachment, que depois deve seguir para o plenário, onde a aprovação por maioria simples afastaria Dilma do cargo por até 180 dias e alçaria Michel Temer à Presidência interina. Nesse caso, ocorrerá um julgamento no Senado sob o comando do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Ricardo Lewandowski, em que é necessária a maioria de dois terços dos senadores para que Dilma sofra o impeachment.
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