quarta-feira, 7 de setembro de 2016

No Congresso, a escavadeira mostra seu poder

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No Congresso, a escavadeira mostra seu poder

ONGs criticam as propostas para agilizar os licenciamentos ambientais
por Miguel Martins — publicado 29/04/2016 14h14, última modificação 30/04/2016 10h01
Arquivo Pessoal
Mariana
Irregularidades no licenciamento da barragem foram determinantes para a tragédia
Instalada em novembro do ano passado, poucos dias após o rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco no município de Mariana, em Minas Gerais, a comissão parlamentar que acompanha os desdobramentos do maior desastre ambiental da história do País segue o curso moroso dos trabalhos legislativos, esquecidos em meio ao processo de impeachment de Dilma Rousseff. 
A lentidão nos trabalhos da comissão contrasta com a celeridade na tramitação de uma proposta para agilizar a concessão de licenças ambientais. Apresentado em setembro de 2015 pelo peemedebista Romero Jucá, um dos principais entusiastas doimpeachment, o texto está pronto para ser votado no plenário no Senado.
O projeto prevê a criação de um licenciamento ambiental especial para obras estratégicas de infraestrutura, ao estabelecer prazos exíguos para os estudos de campo dos órgãos de fiscalização ambiental. A proposta faz parte do pacote da Agenda Brasil, idealizada por Renan Calheiros, presidente do Senado, para retomar o crescimento econômico.
Ironicamente, a investigação do Ministério Público de Minas Gerais sobre o desastre de Mariana aponta que a pressa no licenciamento da obra da barragem foi decisiva para a tragédia. A Samarco não teria, segundo o MP, apresentado detalhes técnicos importantes para obter a licença prévia em 2007. À época, os dados foram considerados suficientes pela Fundação Estadual do Meio Ambiente. Ainda assim, a palavra de ordem no Congresso é “desburocratizar”.
O projeto de Jucá estabelece um período de 230 dias, pouco mais de sete meses, para a concessão do licenciamento especial. Atualmente, os empreendimentos no País levam dois anos em média para serem aprovados. Segundo a proposta do PMDB, os órgãos licenciadores estaduais e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente deverão analisar em até 60 dias os documentos entregues por empreendedores. Depois, terão mais dois meses para pedir novos esclarecimentos e deliberarem sobre a licença.
Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), uma das ONGs que integram o Conselho Nacional do Meio Ambiente, afirma que o prazo de dois meses para a análise do pedido de licenciamento não se adapta ao “tempo natural”. “Em locais de grande biodiversidade, é preciso acompanhar todas as estações do ano, pois as espécies se reproduzem de forma sazonal”, explica.
“Não se pode inverter e criar um sistema de gestão a partir da lógica econômica, de resultado, investimento e retorno rápidos.” Segundo Bocuhy, a atual capacidade de fiscalização da área ambiental no País é limitada e a proposta no Senado não prevê aumento da capacitação do Ibama e dos órgãos estaduais. “Se a rigidez na concessão do licenciamento ambiental diminuir, casos como o de Mariana vão se tornar mais frequentes.” 
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Carlos Bocuhy teme novos desastres. (Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil)
A proposta do PMDB não prevê a obrigatoriedade de consultas às populações potencialmente afetadas por um empreendimento.
No lugar das audiências, foi proposta a criação de um programa de comunicação ambiental para prestar esclarecimentos à sociedade, coordenado pelo próprio empreendedor e com duração mínima de 30 dias. A mudança preocupa os ambientalistas. “A consulta pública seria conduzida e concluída pelo empreendedor, uma verdadeira autorregulamentação das audiências”, afirma Bocuhy.
O Ministério Público Federal, com apoio do Proam e de outras ONGs de meio ambiente, tem realizado uma série de audiências públicas para debater as mudanças propostas.
O promotor de Justiça Fernando Barreto Júnior, presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente, afirma que qualquer projeto capaz de causar restrições ao acesso da sociedade às informações e de dificultar a participação popular será objeto de impugnação. “Há uma significativa redução da publicidade nos processos de licenciamento ambiental, o que contraria não só a Constituição, como toda a legislação vigente que assegura a transparência dos dados ambientais.”
Além da proposta que tramita no Senado, o Conama, ligado ao Ministério do Meio Ambiente, criou um grupo de trabalho para tentar agilizar a concessão de licenciamentos no País. A minuta da proposta apresentada ao conselho pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente prevê a criação de um licenciamento ambiental unificado, com o objetivo de avaliar em apenas uma etapa os empreendimentos que tenham menor potencial de impacto. Atualmente, a aprovação ambiental de uma obra é realizada em três fases: a licença prévia, a de instalação e a de operação.
Contrariados, o Proam e outras quatros ONGs que compõem o Conama decidiram deixar o grupo de trabalho por não concordarem com a celeridade imposta nas discussões e pela falta de critérios sobre quais empreendimentos estariam aptos a obter a licença em uma única fase de avaliação.
Assessores da área ambiental do governo concordam que a minuta carece de complementação, especialmente em relação aos critérios. Eles afirmam, porém, que a modalidade simplificada de licenciamento tem sido adotada pelos órgãos estaduais. O governo não pretende ainda limitar a realização de audiências públicas, um dos pontos mais criticados no projeto do Senado.
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Agenda Brasil. Jucá, autor da proposta no Senado. (Douglas Magno/ AFP)
Segundo Bocuhy, a crise econômica vivida pelo País acaba por transformar o licenciamento ambiental na “Geni” do processo de retomada do crescimento. O caos político pode ter efeitos ainda mais nocivos. “O PT atende aos interesses econômicos, mas ao menos sabe trabalhar com a sociedade e dialogar. Se o PMDB chegar ao poder, passará como um trator sobre a área ambiental.” 
*Reportagem publicada originalmente na edição 897 de CartaCapital, com o título "O poder da escavadeira"

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