NOTA PÚBLICA
DO MOVIMENTO POR VERDADE, MEMÓRIA, JUSTIÇA E REPARAÇÃO
O governo Temer anunciou hoje
uma intervenção inédita na Comissão de Anistia, órgão do Estado brasileiro
responsável pelas políticas de reparação e memória para as vítimas da ditadura civil-militar.
Pela primeira vez se efetivou uma descontinuidade de sua composição histórica.
Desde a sua criação pelo governo FHC, a comissão é
composta por conselheiros e conselheiras com grande histórico de atuação na
área dos direitos humanos, mantendo-se, ao longo do tempo, a integralidade dos
seus membros e as composições integrais advindas dos governos anteriores. Os
eventuais desligamentos de conselheiros(as)sempre ocorreram por iniciativas
pessoais dos próprios membros, sendo substituídos(as) gradativamente.
Essa característica sempre assegurou a pluralidade em
seu formato que, até pouco tempo atrás, abrigava inclusive membros nomeados
para sua primeira composição ainda no governo FHC em 2001. Isto reflete a
compreensão da Comissão de Anistia como um órgão de Estado e não de governo.
Além disso, novas nomeações sempre foram precedidas
por um processo de escuta aos movimentos dos familiares de mortos e
desaparecidos, de ex-presos políticos e exilados, além de organizações e
coletivos de luta por verdade, justiça, memória e reparação.
Pela primeira vez na história da Comissão de Anistia
foram nomeados novos membros sem nenhuma consulta à sociedade civil e pela
primeira vez foram exonerados coletivamente membros que não solicitaram
desligamento.
O Diário Oficial da União publicou duas portaria do
Ministro Alexandre de Moraes, uma com a nomeação de 20 novos conselheiros e
outra com a exoneração de 6 membros atuais que não haviam solicitado
desligamento do órgão. Outros 10 atuais conselheiros foram mantidos. Não foram
divulgados os critérios desta seletividade.
Os conselheiros desligados são Ana Guedes, do Grupo
Tortura Nunca Mais da Bahia e ex-presidente do Comitê Brasileiro pela Anistia
na Bahia; José Carlos Moreira da Silva Filho, vice-presidente e professor do
Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC-RS; Virginius Lianza da
Franca, ex-coordenador geral do Comitê Nacional para Refugiados; Manoel Moraes,
membro da Comissão Estadual da Verdade de Pernambuco e ex-membro do GAJOP;
Carol Melo, professora do núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; Marcia Elayne
Moraes, ex-membro do comitê estadual contra a tortura do RS.
Ao dispensar esse grupo de Conselheiros, o governo
Temer coloca a perder quase uma década de memória e de expertise na
interpretação e aplicação da legislação de anistia no Brasil.
Uma outra portaria nomeou no mesmo dia, de uma só vez,
20 novos conselheiros e conselheiras. Alguns dos nomes anunciados são
vinculados doutrinariamente ao polêmico professor de Direito Constitucional da
USP Manoel Gonçalves Ferreira Filho, conhecido teórico, defensor do golpe
civil-militar que instaurou a ditadura no Brasil em 1964 (golpe por ele
denominado "Revolução de 1964") e estes conselheiros(as) escreveram
um livro em sua homenagem.
O jornal O Globo, por sua vez, trouxe outra grave
denúncia de que pelo menos um dos novos membros são suspeitos de terem sido
colaboradores da ditadura militar. Veja aqui: http://m.oglobo.globo.com/brasil/nomeado-para-comissao-da-anistia-aparece-como-colaborador-
da-ditadura-20043410
Outro agravante é que o novo vice presidente nomeado
pelo governo Temer foi ministro do STF indicado pelo Ditador Presidente General
João Figueiredo. Veja aqui:
Caso a nova composição da Comissão de Anistia reflita
o pensamento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho e tenha entre seus membros
simpatizantes ou colaboradores com a ditadura trata-se de uma desfuncionalidade
e um sério risco à posição oficial do órgão sobre a devida responsabilização
penal dos agentes públicos que praticaram crimes de lesa-humanidade na
ditadura.
A Comissão de Anistia tem estimulado, como parte dos
compromissos internacionais do Brasil, o debate público nacional sobre o
alcance da lei de anistia e possui uma posição clara e oficial pela
imprescritibilidade e impossibilidade de lei de anistia para os crimes da
ditadura, bem como defende o cumprimento integral da sentença da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso Araguaia, sediada em São José
da Costa Rica.
A atual composição da Comissão de Anistia foi
responsável pela redução dos valores das indenizações milionárias concedidas no
início da era FHC, ajustando-as a valores de mercado, e acelerou o julgamento
dos pedidos de reparação, instituindo o pedido de desculpas às vítimas e as
famílias.
A Comissão de Anistia também é conhecida
internacionalmente por ter empreendido de maneira inovadora e sensível
políticas públicas de memória e projetos vanguardistas como as Caravanas da
Anistia, as Clínicas do Testemunho, o Projeto Marcas da Memória, e por ter
iniciado a construção do Memorial da Anistia, realizado eventos e intercâmbios
acadêmicos e culturais, alem de inúmeras publicações que aprofundam o sentido
da Justiça de Transição no Brasil e na América Latina. Estes programas e
projetos compõem hoje o Programa Brasileiro de Reparação Integral, reconhecido
e celebrado internacionalmente, e fazem parte do rol dos direitos de todos
aqueles que foram atingidos por atos de exceção durante a ditadura
civil-militar e aos seus familiares. Esses direitos devem ser preservados, sob
pena de ruptura com o dever integral de reparação.
Os movimentos de direitos humanos e cidadãos abaixo
assinados repudiam a arbitrariedade destas exonerações e nomeações na Comissão
de Anistia e denunciam o início da tentativa de desmonte destas políticas que
marcam a nossa transição democrática e que são parte de obrigações
internacionalmente assumidas pelo Estado brasileiro. Do mesmo modo denuncia o
absurdo de ter entre os membros da nova Comissão nomes de pessoas que não
possuem posição de oposição enfática de condenação à ditadura e aos crimes
militares ou, pior, que possam ter sido colaboradores da Ditadura.
O governo Temer com esta atitude arbitrária comete um
erro histórico que afeta a continuidade da agenda pendente do processo de
transição democrática, e com isso aprofunda as suas características de um
governo ilegítimo, sem fundamento na soberania popular.
São iniciativas muito graves e unilaterais que
sinalizam o início de um desmonte na Comissão de Anistia, conquista histórica
da sociedade democrática brasileira, e uma ofensa aos direitos das vítimas da
ditadura e os seus familiares.
Não aceitaremos retrocesso nas conquistas da Justiça
de Transição no Brasil. Nem um direito a menos!
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