Construir a Frente Ampla democrática, progressista,
patriótica
O golpe de Estado antidemocrático e
antinacional perpetrado pela coalizão da direita e centro-direita
multipartidárias (PMDB, PSDB, DEM, PSD, PPS, PSB e partidecos do Centrão), ao
criar um novo regime político reacionário, impor uma dura derrota às forças
progressistas, implementar uma agenda entreguista e restritiva aos direitos do
povo e enveredar pelo caminho da repressão e criminalização dos movimentos
sociais, abre nova fase da luta política no país.
Como todo “novo” regime, este chega
disposto ao acerto de contas com as forças que antes ocupavam o centro da vida
política, e a perpetuar-se no poder. Daí a volúpia com que investe na reforma
política antidemocrática, na preparação para as eleições de 2018, na tentativa
de inviabilização de Lula de molde a tirá-lo da disputa eleitoral, e na eleição
para as mesas da Câmara e do Senado.
Esta ofensiva política conta, além dos
partidos golpistas, com a participação da mídia, de setores do Judiciário e do
Ministério Público.
O programa econômico das forças golpistas
mescla a “Ponte para o futuro”, inventada por Michel Temer, com os pontos
programáticos do PSDB de Aécio, Serra e Alckmin, do DEM de Rodrigo Maia e a “Agenda
Brasil” de Renan Calheiros.
O denominador comum é a contrarreforma
política e econômica, pela qual o regime promoverá a regressão antidemocrática
do Estado brasileiro; a liquidação de conquistas sociais; a venda do país;
abertura total ao capital financeiro internacional; o retorno das
privatizações; a submissão aos ditames do capital monopolista, com o qual
assumiu o compromisso de promover a derrogação de leis que hoje asseguram os
direitos sociais e trabalhistas; o retrocesso civilizacional, realizando os
ditames dos cânones de igrejas pentecostalistas retrógradas, promovendo ataques
a conquistas no âmbito da convivência social, dos direitos civis e dos direitos
humanos.
Faz todo o sentido que o golpe que
promoveu a derrocada do governo da presidenta Dilma tenha logrado o consenso do
conjunto da burguesia monopolista-financeira, da grande indústria e dos grandes
comerciantes, dos latifundiários, dos meios de comunicação, da classe
média-alta e de tudo o que tenha o fétido odor, a grotesca aparência e a
cretina essência da burguesia brasileira. Chama a atenção que todas as
organizações patronais, dentre as quais se destacou a famigerada FIESP, do
estridente e caricato direitista Paulo Skaf, tenham publicado declarações
formais e solenes a favor do golpe.
A consumação do golpe e o caráter
reacionário do novo regime e da aliança que o sustenta (PMDB, PSDB, DEM, PSD,
PPS, PSB e Centrão) apresenta novos desafios às forças progressistas e de
esquerda, destacadamente o PT e o PCdoB.
Independentemente da vontade de qualquer
organização partidária e do movimento social, a luta política ingressa em nova
etapa e se eleva a nível mais alto. Sem prejuízo da luta eleitoral e da ação
institucional nos parlamentos e nos governos municipais e estaduais, emerge
para o lugar primordial a luta política de massas, a organização política
popular, o fortalecimento político das organizações dos movimentos populares e
sindicais.
O resultado das eleições municipais – as
mais nacionalizadas desde a democratização do país, condicionadas pela
direitização em curso – que constituiu contundente derrota de todas as forças
da esquerda, é revelador não só da correlação de forças desfavorável do momento
pós-golpe, mas também de muitas debilidades das esquerdas, sobretudo dos seus
erros estratégicos, táticos, programáticos e do seu distanciamento das massas
populares. Autocríticas serão indispensáveis e revisão de conceitos e práticas
quanto à acumulação de forças também.
As correntes progressistas e de esquerda,
sobretudo aquelas, como o Partido Comunista, que têm por missão histórica a
transformação revolucionária da sociedade, a superação revolucionária do
capitalismo e a construção de um novo regime político e sistema
econômico-social, o socialismo, não podem ser presas de uma nova versão de
dogmatismo conceitual e metodológico que, em outra época, Lênin denominou de
cretinismo parlamentar, hoje acrescido do cretinismo institucionalista, que
tudo investe na participação em governos, desdenhando a luta e a organização
popular.
Entra também na ordem do dia a tarefa
prioritária da construção da unidade das esquerdas e dos movimentos populares,
da convergência programática e de ações entre partidos políticos e movimentos
sociais, de que a Frente Brasil Popular (FBP) é um dos embriões. A perspectiva
da esquerda deve ser a de constituir uma frente
ampla, como instrumento para a resistência e a luta, para unir todas as
forças suscetíveis de serem unidas na defesa da democracia, dos direitos do
povo, do progresso social e da soberania nacional, em torno de um programa que
aponte tarefas imediatas e de médio e longo prazos, cujo escopo seja a
derrubada do regime e a posterior realização de reformas estruturais
democráticas e progressistas.
O empenho das forças de esquerda na
realização desta tarefa será tanto maior quanto seja profunda a sua compreensão
sobre por que ruiu a base de sustentação do governo de Dilma, abrindo caminho
para o golpe. Será necessário soerguer um novo pacto político, uma frente
progressista, e acumular forças para assegurar a hegemonia do campo
democrático-popular e anti-imperialista. Desde o ângulo de análise e dos
interesses dessas forças, é necessário formular uma estratégia e uma tática que
escapem a qualquer tipo de adaptação à ordem neoliberal e conservadora. O
pressuposto é a oposição sem tréguas ao regime da aliança golpista e suas bases
de sustentação no parlamento e nos estados.
As mutações observadas no comportamento
do PMDB e outras forças de centro, e sua deserção de um projeto democrático e
patriótico, não foram propriamente uma novidade, nem ocorreram abruptamente.
Sucederam ao longo de um processo político em que foram deixando de ser
partidos progressistas. No caso do PMDB, é algo que se configura desde a ruína
do governo Sarney e a derrota da candidatura presidencial de Ulysses Guimarães,
em 1989. Os fatos recentes acabaram por demonstrar que esse partido, sob a
direção de Michel Temer, não tinha credenciais para desempenhar o papel de
principal fiador da coalizão governamental no parlamento, nem muito menos para
ocupar o estratégico posto da vice-presidência da República. Nos momentos
finais do golpe, a própria Dilma o admitiu quando declarou que um dos
principais erros do PT e da coalizão que a respaldou foi ter aceitado Michel
Temer como candidato a vice-presidente.
Notável degenerescência ocorreu também
com o PSB, outrora um partido da esquerda democrática, popular e nacionalista.
Começou sua transição para posições retrógradas a partir da oposição, desde
2013, ao governo Dilma e do rompimento com este, em 2014. A candidatura de
Eduardo Campos à presidência foi a tentativa de aglutinar forças de direita e
centro-direita a um projeto que de progressista guardava apenas o nome. Ponto
culminante de sua conversão em linha auxiliar da direita foi a adesão do PSB, a
partir de seu núcleo pernambucano e paulista, cada qual com seus interesses, à
candidatura de Aécio Neves, no segundo turno de 2014. Quando votou a favor do
golpe, em abril de 2016, e em seguida decidiu participar na base de sustentação
do regime de Michel Temer, o PSB já tinha atravessado definitivamente o Rubicão
e queimado todos os navios com as forças progressistas, já tinha se tornado uma
força contrária ao ideal que o fez nascer e ter sido aliado em batalhas de
antanho, das forças de esquerda.
Com clareza de objetivos, convicções
programáticas, pensamento estratégico e sentido do momento histórico, a
esquerda vê a crise atual e as novas condições desfavoráveis não como
fatalismo, mas uma etapa da luta. A nitidez com que se mostra a divisão entre
os campos antagônicos, não anula, ao contrário reforça, a necessidade de
combinar a firmeza e a combatividade com amplitude e flexibilidade táticas, sem
ilusões nem confusão quanto ao caráter e aos objetivos estratégicos das
diversas forças em confrontação.
A criminalização da esquerda, a
ferocidade com que buscam ilegalizar o PT e excluir outros setores, como os
comunistas, da vida institucional, tornar o ex-presidente Lula inelegível, e
submetê-lo, assim como a presidenta Dilma, a penas judiciais, inclusive a
privação da liberdade, sinalizam o nível do ataque às forças progressistas.
Isto também nos dá a indicação das dimensões dos novos desafios.
Apesar da derrota das esquerdas com o
golpe, e nas eleições municipais nacionalizadas recentemente realizadas, a luta
protagonizada pela Frente Brasil Popular tem despertado a imensa consciência
democrática e a capacidade de luta de milhões de brasileiros que aspiram à
democracia, à justiça social e à soberania nacional, aos direitos humanos, à
boa governança, à vida culta e a elevados padrões civilizacionais. Já tinha
ocorrido o mesmo nos embates decisivos do segundo turno da eleição presidencial
de 2014.
É uma energia acumulada cujo
desenvolvimento terá uma dinâmica própria até se transformar na força motriz da
realização das transformações de fundo inadiáveis, de sentido revolucionário,
que está a exigir a sociedade brasileira.
A
frente a construir será necessariamente ampla – democrática, patriótica,
social, progressista, popular. Deve
agasalhar toda e qualquer força política e personalidade que sinceramente se
oponha ao regime da aliança espúria que derrubou o governo da presidenta Dilma.
E será válido todo esforço para dividir o campo inimigo e neutralizar forças
que se encontram em sua órbita.
Por isso mesmo, o ponto de partida da
ação frentista é a oposição inconciliável, sem tréguas, ao “novo” regime e seu
governo, e a disponibilidade para formular um programa de convergência e
unidade.
PCdoB
e PT, onde se aglutinam forças consequentes da esquerda
Nomes para 2018 devem ficar para uma
etapa posterior. Esperemos o que ocorrerá com Lula e iniciemos as conversações
com as forças afins de esquerda. Dediquemo-nos, antes de mais, a recompor a
esquerda e a unidade entre as suas forças mais consequentes, que se abrigam no
PCdoB e no PT. Ou, para usar a formulação (vigente) do Congresso do PCdoB de
2013 e de sua Conferência Nacional (2015), partir da unidade entre as forças
com “afinidade de esquerda”. Quanto aos que procuram as esquerdas para
conversar, que conversem, dialoguem, proponham e ouçam, mas deixem na antessala
conveniências interesseiras. Por ora, nossa luta dispensa novas traições.
Uma observação final. No debate político
em curso, fala-se em copiar o modelo da Frente Ampla uruguaia, sem conhecer sua
história, seus condicionamentos, seu formato. Uma válvula de escape caricata,
vício antigo da esquerda brasileira. Que se construa a nossa genuína frente
ampla, mas não se tente copiar a irrepetível forma da Frente Ampla uruguaia,
além da valiosa inspiração que moveu os comunistas, os socialistas, os
movimentos populares, a intelectualidade revolucionária e os militares
patrióticos do país oriental nos idos de 1971. Um lembrete, para o caso em que
copiemos algo: a Frente Ampla uruguaia tem entre seus integrantes setores
vacilantes da centro-esquerda, mas nunca incorporou forças de direita,
centro-direita nem trânsfugas.
* Secretário de Política e Relações
Internaconais do PCdoB
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