Barradas as brasileiras, Petrobras convida empresas estrangeiras investigadas

 
Jornal GGN - Um dos motivos que levaram a Petrobras a recorrer ao mercado internacional para seguir na construção da Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN), do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, foi que as construtoras nacionais são investigadas de corrupção e estão proibidas de fechar contratos. Mas a lista de 30 empresas convidadas a participar da licitação inclui diversas que estão envolvidas em escândalos de corrupção ou polêmicas no exterior.
 
A observação foi do jornalista Joaquim de Carvalho, do Diário do Centro do Mundo, que fez uma busca dos nomes das empresas estrangeiras convidadas para a obra que pode chegar a R$ 1,5 bilhão, que vai receber o gás natural produzido no pré-sal da Bacia de Santos, a partir de 2020. 
 
"No topo da relação, está a empresa Acciona, da Espanha, acusada por uma empresa alemã por fraude na aquisição de uma estatal de gás natural. A número 2, a inglesa Amec Foster Wheeler, foi acusada pelo Comitê de Proteção do Petróleo do Azerbaijão, onde atua desde maio de 2001, de operar 'com violações da lei'. A acusação principal é a de não respeitar regras trabalhistas no país e sonegar impostos", informa Joaquim de Carvalho.
 
O jornalista lembra, ainda, da francesa Areva, que foi alvo de ação por suposto pagamento de propina em negócios de mineração na África do Sul, Namíbia e República Centro-Africana. E da norte-americana Bechtel Corporation, que entrou para a mira do Departamento de Justiça dos EUA e se declarou culpada em esquema de corrupção.
 
Do DCM
Digite no Google o nome das empresas estrangeiras convidadas pela Petrobras para disputar a licitação de sua maior obra nos próximos anos – a construção da Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN), que vai receber o gás natural produzido a partir de 2020 no pré-sal da Bacia de Santos. Acrescente na barra de pesquisa a palavra corruption e virão na tela links com denúncias de pagamento de propina, superfaturamento e sonegação envolvendo essas empresas em canteiros de obra ao redor do mundo, muitos instalados em campos de exploração de petróleo.
A lista é por ordem alfabética. No topo da relação, está a empresa Acciona, da Espanha, acusada por uma empresa alemã por fraude na aquisição de uma estatal de gás natural.
A número 2, a inglesa Amec Foster Wheeler, foi acusada pelo Comitê de Proteção do Petróleo do Azerbaijão, onde atua desde maio de 2001, de operar “com violações da lei”. A acusação principal é a de não respeitar regras trabalhistas no país e sonegar impostos.
A número 3, a Areva, da França, foi alvo de um processo movido pela ONG anticorrupção Sherpa por pagamento de propina em negócios de mineração na África do Sul, Namíbia e República Centro-Africana.
Em dezembro de 2014, segundo nota publicada no site do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a empresa norte-americana Bechtel Corporation, a quarta por ordem alfabética da lista da Petrobras, se declarou culpada num processo por corrupção.
O então vice-presidente foi condenado a 42 meses de prisão, por ter pago 5,2 milhões de dólares em propinas para manipular o processo de licitação para contratos de energia com uma estatal do Egito.
Depois da condenação, o procurador de Justiça Leslie R. Caldwell, da Divisão Criminal do Departamento de Justiça, disse: “A corrupção externa é um flagelo internacional, e vamos perseguir aqueles que aceitam subornos, sejam eles funcionários do governo ou altos executivos corporativos. Toda condenação por corrupção é um passo rumo à erradicação e dissuasão deste problema global”.
Mesmo com a condenação de um dos mais importantes executivos, a empresa Bechtel Corporation continuou operando nos Estados Unidos e ao redor do mundo e é por isso que participará da disputa desse contrato da Petrobras, que pode chegar a 1,5 bilhões de reais.
Como mostra o episódio, os americanos, ao contrário dos juízes, procuradores e promotores brasileiros, protegem suas empresas. Prendem corruptos, não acabam com as empresas.
A quinta da lista da Petrobras é outra empresa americana, a Chicago Bridge & Iron Company, apresentado pelo jornal El Espectador, da Colômbia, como o principal elemento no olho da tempestade em que se transformou um contrato com a Reficar, a segunda maior refinaria de petróleo do país, localizada próxima à cidade costeira de Cartagena.
“A empresa (a colombiana Reficar) descobriu recentemente excesso de gastos e operações questionáveis”, destacou o jornal. A mesma empresa americana, a Chicago Bridge, se viu envolvida em outro escândalo na Colômbia, desta vez com a Ecopetrol, a maior empresa de petróleo do país, contratada a preços considerados excessivos para serviços em que não tinha experiência.
A sexta empresa na lista da Petrobras é a chinesa subsidiária da Chalco, estatal de alumínio daquele país. Recentemente, o principal executivo da Chalco renunciou depois de ter o nome envolvido em um caso de corrupção na própria China.
A lista segue. Nenhuma busca no Google de nome da empresa acompanhada da palavra corrupção vem sem resultado. Até a alemã ThyssenKrupp, que havia adotado rigorosos sistemas de controle anticorrupção em 2011, se viu recentemente alvo de uma investigação pela suspeita de subornar autoridades turcas.
Para o diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), Herbert Teixeira, a substituição de empresas nacionais por estrangeiras nas grandes obras “obedece ao um padrão recente de entrega das riquezas e serviços da empresa”.
E não protege a estatal da corrupção, como mostra o levantamento das empresas que a Petrobras quer trazer ao país.
Negócios envolvendo petróleo registram o maior número de casos envolvendo corrupção no mundo.
De acordo com um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que analisou 427 casos de suborno em negócios internacionais, as empresas de extração mineral concentram 19% dos casos comprovados de corrupção. Está no topo do ranking, à frente do setor da construção, transporte e comunicação.
Em entrevista ao DCM, Herbert disse que, se quisesse mesmo enfrentar a corrupção, a Petrobras mudaria o modelo de contratação das empresas e não apenas nacionalidade dos fornecedores.
“A Lava Jato mostrou que a corrupção era facilitada pela forma como a Petrobras contratava, no sistema EPC. E esse modelo continua intacto, assim como os dirigentes da empresa abaixo do novo presidente”, disse.
EPC é a sigla em inglês para Engineering, Procurement e Construction, que significa Engenharia, Aquisição e Construção. Ao contratar por esse modelo, a empresa transfere à contratada a responsabilidade por todo o projeto de engenharia, pela compra de material e pela obra completa.
“Só as grandes empresas, apoiadas por bancos, têm condição de assumir um contrato como este”, afirma.
A Associação dos Engenheiros foi criada em 1961, quando vozes conservadoras ainda gritavam contra o que seria desperdício de dinheiro público manter a Petrobras. “Por que, se podemos comprar gasolina barata da Texaco ou do Esso, sem gastar o dinheiro dos impostos?”, questionava, por exemplo, o economista Roberto Campos.
Assim como, 56 anos atrás, os engenheiros da Petrobras se organizaram para manter a campanha O Petróleo É Nosso, a Associação continua ativa hoje, com o trabalho voluntário (não remunerado) de seus diretores.
Antes da Petrobras divulgar a relação das empresas estrangeiras convidadas para atuar no Brasil, a Associação enviou carta à direção da estatal, sugerindo a mudança do modelo de contratação. “Não defendemos empresas corruptas ou cartéis, mas queremos extrair a raiz do problema”, observa.
Para ele, a Petrobras precisa se manter no controle do processo, contratando por itens, o que pode ser feito até pela internet, de forma transparente.
“Primeiro se cria o projeto básico de engenharia, relaciona o material e o serviço necessários, abre licitação e realiza as compras. Assim você pode saber, por exemplo, quantos tubos irá precisar e quantas soldas necessitará. Com certeza, reduz o custo e diminui o risco de cartelização”, afirma.
A Petrobras trabalhava dessa forma (contratando por itens) entre as décadas de 70 e início da década de 80. “Foi nesse sistema que construímos várias refinarias no Brasil, como a de Paulínia e a do Rio Grande do Sul”.
Na década de 90, a partir do governo Collor, o sistema de contratação mudou e só houve espaço para grandes empresas. Até o início dos anos 2000, em geral as estrangeiras ficavam com os principais contratos.
No início da década passada, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, houve início dos incentivos para conteúdo nacional. “Foi uma medida para enfrentar o desemprego, muito alto na época, e a Petrobras sempre foi indutora de empregos no Brasil”, afirma.
Na relação cada vez mais estreita com a estatal, as empresas nacionais cresceram e formaram cartéis, como admitiram agora na operação Lava Jato.
“O que estamos vendo agora é o risco de continuidade dos cartéis, só que nas mãos de estrangeiros. Quando for contratada a empresa que vai assumir este contrato bilionário, o emprego que seria gerado aqui será gerado no Japão, Estados Unidos ou China, dependendo de quem ganhar. Por isso é que nós da AEPET defendemos que o modelo permita a participação de empresas médias e pequenas. É possível, mas precisa ser uma opção política”, afirma.
Mas, para ele, com a atual direção da Petrobras, é muito difícil. “Nada mudou na empresa, exceto os diretores apanhados em flagrante”, acrescenta.
“Quem é o atual diretor da Produção e Tecnologia? Roberto Moro (por coincidência, tem o mesmo sobrenome que o juiz da Lava Jato). E quem Roberto Moro era antes? Ocupava uma das gerências nas diretorias de Renato Duque (preso por corrupção). Quem é o atual diretor de Refino e Gás Natural? Jorge Celestino Ramos. E que cargo ele ocupava antes? Gerente executivo na diretoria de Paulo Roberto Costa (que também foi preso).
“O pessoal que participou decisivamente da criação do ambiente que favoreceu a corrupção continua lá. Por isso, é que o modelo de contratação não mudou. Só estão mudando o cartel de empresas”, afirma Herbert Teixeira.
No Brasil, quem foi escolhido no governo Temer para ser maestro dessa orquestra altamente suscetível a desvios?
Pedro Parente, que foi presidente do Conselho de Administração da Petrobras, em 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando foi feito um dos piores negócios da história da empresa.
A Petrobras comprou a petroleira argentina Perez Companc, controlada pela espanhola Repsol, a preço superfaturado, que teria provocado prejuízo de R$ 790 milhões à época (2,4 bilhões em valores corrigidos).
Desde 2001, Pedro Parente é réu em ação popular por conta desta compra escandalosa, que na época provocou queda expressiva no preço das ações da Petrobras, mas até ainda não houve julgamento.
Recentemente, o ex-diretor da empresa Nestor Cerveró, em delação premiada ao juiz Sérgio Moro, disse que esse negócio gerou o pagamento de propina no valor de 100 milhões de dólares a integrantes do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Esse item da delação não teve nenhum efeito prático na Vara do juiz Sérgio Moro, e Pedro Parente pode assumir a presidência da empresa, assinando agora contratos que entregam reservas de pré-sal a petroleiras de outros países a preço de banana, segundo a AEPEC, e favorecendo empresas estrangeiras no contrato de obras e serviços.
“E eles estão fazendo tudo isso muito depressa. Começou no dia seguinte à autorização do impeachment. Estão comprometendo o futuro deste País”, desabava o engenheiro. “Mais do que nunca, precisamos retomar a bandeira: O Petróleo É Nosso.”