A
operação Carne Fraca da Polícia Federal, realizada na sexta-feira (17), abriu
uma fresta para o Brasil espiar como funciona a cadeia da pecuária brasileira.
Nas escutas dos operadores e barões desse império do atraso –que o BNDES quis
transformar em campeões mundiais despejando nele bilhões– apareceu até o
ministro da Justiça escolhido por Michel Temer, Osmar Serraglio.
Serraglio,
do mesmo PMDB que lota a base parlamentar do presidente da República com
latifundiários, andou dizendo que índios não precisam de mais terras indígenas.
Na sua visão interessada de ruralista, "terra não enche barriga".
Entenda-se
da fala do ministro, que tem sob sua alçada a FUNAI: vamos parar com a
demarcação de terras indígenas. Aí vai sobrar mais terra para a gente.
Não
é de hoje que o pessoal do agronegócio propagandeia que o Brasil tem um excesso
de áreas protegidas, conceito que reúne unidades de conservação às terras
indígenas para designar aquela parte do território em que prevalece a
preservação de vegetação nativa. O suposto exagero estaria impedindo a
agricultura de se expandir.
Na
realidade, são as grandes propriedades que predominam, como mostra o Atlas da
Agropecuária Brasileira (www.imaflora.org/atlasagropecuario) que será lançado nesta segunda-feira (20). A façanha informática
realizada pela ONG Imaflora em
parceria com a Esalq-USP aglutina informações de 20 bases de dados separadas
para traçar em detalhe a malha das terras públicas e propriedades rurais do
país.
De
acordo com o novo Atlas, as áreas protegidas cobrem 27% do território nacional,
ou 2,32 milhões de quilômetros quadrados (km2). É um número portentoso,
sem dúvida, que, aliás, deveria orgulhar os brasileiros pelo tamanho da
contribuição para salvar a Natureza do planeta, mas não sustenta a tese de que
índios e mato ocupam tanta terra que estariam impedindo o avanço dos
"heróis do agropop".
As
terras privadas, afinal, abarcam 53% do solo brasileiro. São 4,53 milhões de km2 (isso
sem incluir os assentamentos rurais do INCRA, outros 400 mil km2).
E, desses 4,53 milhões de km2, 2,34 milhões de km2 são
grandes propriedades, ou 28% do total, um ponto percentual acima da parcela de
áreas protegidas.
É
verdade que parte dessas propriedades particulares não pode ser desmatada, pois
a lei estipula que devem ter uma reserva legal de vegetação natural (20% a 80%
do total, dependendo da região) e áreas de preservação permanente, como uma
faixa de mata ao longo de rios e riachos. Mas isso se faz em benefício também
dos próprios produtores rurais: são as áreas florestadas que lhes garantem a
água para plantações e gado.
O
Atlas do IMAFLORA e da ESALQ está em franca contradição com o famigerado
relatório "Alcance Territorial da Legislação Ambiental e
Indigenista". O trabalho coordenado em 2009 por Evaristo Eduardo de
Miranda, da Embrapa Monitoramento por Satélite, dizia que só 29% do
território nacional estavam disponíveis para a agropecuária, o restante ocupado
por unidades de conservação, terras indígenas, quilombos etc.
Parece
que agora a parte mais atrasada do agronegócio, pecuaristas à frente, tem mais
coisas para explicar que essa discrepância de números.
www1.folha.uol.com.br 19/03/2017
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