RISCO DE VIDA
Lei que prevê 'gesto do pedestre' para travessia cria polêmica sobre crimes de trânsito
Para o Cidadeapé, PLC 26/2010 representa a anulação inversão de valores e perda de direitos do cidadão dentro do Código de Trânsito Brasileiro. Projeto está em tramitação no Senado
por Felipe Mascari, da RBA publicado 17/07/2018 11h28, última modificação 17/07/2018 13h09
ANA VOLPE/AGÊNCIA SENADO
Pesquisa mostra que 'gesto do pedestre' só foi respeitado pelos motoristas enquanto houve fiscalização de agentes
São Paulo – Tramita no Senado o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 26/2010, que inclui no Código de Trânsito o "gesto do pedestre" como obrigatório para a travessia de ruas. Para a Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo (Cidadeapé), o projeto tira a responsabilidade do motorista e pode atenuar ainda mais os crimes de trânsito.
A relatoria do texto, proposto pela ex-deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), está com o senador Valdir Raupp (DEM-SC) e pronto para ser pautado na Comissão de Direitos Humanos. Junto a outras entidades, o Cidadeapé já enviou duas cartas para que o relator rejeite o projeto.
Segundo a diretora do Cidadeapé, Glaucia Pereira, o PLC é uma ameaça à segurança do cidadão. "O Código de Trânsito já dá a preferência ao pedestre na hora da travessia, mas o gesto é como se fosse uma permissão para atravessar. Os crimes de trânsito já são pouco investigados e o motorista pode alegar que atropelou porque o pedestre não fez o gesto", alerta ela.
Ainda de acordo com a entidade, a responsabilidade de fazer com que o motorista cumpra a lei será do pedestre. Além disso, também representa a anulação do Artigo 44 do Código de Trânsito, que garante o direito à preferência para a travessia. "Condicionar a preferência do pedestre ao sinal com o braço significa uma perda de um direito e uma inversão de prioridades", diz.
O projeto é inspirado na política que implementou a prática do respeito à faixa de pedestres no Distrito Federal, em 1997. Entretanto, um estudo apresentado pela ONG Rodas da Paz aponta que a medida só deu certo enquanto houve fiscalização intensa, depois, com menor presença dos agentes públicos, o pedestre foi menos respeitado pelo motorista.
Segundo os dados, 41,68% dos motoristas têm conduta imprudente ao se aproximar de uma faixa de travessia. "Os números indicam que não parar na faixa de pedestres parece ser, frequentemente, uma decisão consciente dos motoristas, que optam pela atitude imprudente de avançar. Nesse sentido, as condições de fiscalização da época de implantação da política de respeito à faixa não estão mais presentes há anos. Embora os trabalhos de engenharia e educação tenham tido certa continuidade ao longo de todo esse tempo, as ações de fiscalização parecem ter entrado em declínio", aponta o estudo.
Glaucia também lembra que o projeto de lei não conversa com a Lei Brasileira de Inclusão, tornando inexequível a travessia de pessoas com deficiência, principalmente cadeirantes e cegos. "Há uma diversidade de situações em que as pessoas estão impossibilitadas de fazer o sinal com as mãos, como por exemplo, com mobilidade reduzida. A própria Lei de Acessibilidade não é contemplada pela lei. Ele dá uma atribuição desnecessária para o pedestre", lamenta a especialista.
O PLC contraria também a Política Nacional de Mobilidade Urbana, sancionada em 2012, pela presidenta Dilma Rousseff, que defende a priorização dos modos de deslocamento não-motorizados, como pedestres e o ciclista, incentivando a proteção da vida e a redução da violência no trânsito. "A gente precisa ter legislações que sejam atualizadas pela Lei de Mobilidade Urbana, de 2012. Esse projeto é de 2010 e não cai, continua entrando em pauta", acrescenta a diretora do Cidadeapé.
Em junho deste ano, a Comissão de Direitos Humanos do Senado enviou um parecer ao senador Raupp pedindo rejeição do projeto. De acordo com o texto, a ideia da lei pode ser alcançado pela "mera inclusão do tema em programas de educação para o trânsito", sem precisar tornar o gesto obrigatório.
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