quarta-feira, 11 de julho de 2018

Túnel no fim da luz, por Paulo Nogueira Batista Jr.

Túnel no fim da luz, por Paulo Nogueira Batista Jr.

Túnel no fim da luz
por Paulo Nogueira Batista Jr.
Nunca o partido de Joaquim Silvério dos Reis esteve tão presente e atuante em Brasília. Nem no período FHC – e isso é dizer muito, leitor. O quadro é alarmante. O que temos hoje é uma mistura rara – mesmo para os padrões do vira-latismo nacional – de subserviência, entreguismo e corrupção. Os lances bisonhos se multiplicam vertiginosamente.
Faltam agora menos de seis meses para o fim do governo Temer. E estamos contando! Em diversas frentes, ocorrem decisões e negociações problemáticas, que ameaçam interesses nacionais estratégicos.
Hoje vou escrever um pouco sobre uma delas: a negociação de um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Mais uma rodada de negociações foi confirmada para Bruxelas entre os dias 9 e 13 julho. No final de junho, em Colônia, por ocasião do Encontro Econômico Brasil-Alemanha, um representante do governo brasileiro fez um apelo enfático, tangenciando o patético, para que o acordo fosse concluído rapidamente. Em seu discurso, proclamou que é hora de “pensar grande” e que a conclusão do acordo nunca esteve tão próxima. Ora, quando uma das partes se mostra tão ansiosa em fechar negócio, já se sabe o que tende a acontecer.
Os europeus estão aguardando mais concessões do Mercosul. Segundo se noticia, o padrão tem sido o seguinte: a cada rodada o Mercosul faz novas concessões, enquanto a União Europeia coloca pouco ou nada na mesa.
Já no início deste ano, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, deu a seguinte declaração sintomática: “O Mercosul entregou tudo e custou caro para nós essa entrega. Sinceramente, não temos mais nada a entregar”. Repare, leitor, na escolha das palavras...
Não se sabe exatamente o que está sendo negociado, pois os entendimentos vêm ocorrendo em sigilo, sem nenhuma transparência. Mas pelos vazamentos e informações disponíveis, é muito provável que um acordo, se concluído pelo atual governo, venha a ser lesivo para o Brasil.
Não se deve perder de vista que esses acordos de “livre comércio” patrocinados pelos países desenvolvidos envolvem muito mais do que a liberalização do comércio de mercadorias. Incluem temas como serviços, investimentos, patentes, marcas, propriedade intelectual, compras governamentais, regimes de licitação e até mecanismos para solução de controvérsias entre investidores e Estados. Embora não se conheça com precisão o alcance do acordo em negociação com a União Europeia, as indicações são de que vários desses temas estão contemplados, com o potencial de criar entraves para a definição autônoma das políticas nacionais.
Por outro lado, os europeus – liderados, neste ponto, pelos franceses – não se dispõem a fazer ofertas expressivas no comércio agropecuário, que é área de interesse estratégico do Mercosul. Querem conservar níveis elevados de proteção para seus produtores agrícolas. Livre comércio...
Com governos enfraquecidos no Brasil e na Argentina, qualquer acordo tende a sair muito desfavorável a nós – com reduções de tarifas industrias, concessões em áreas como serviços, propriedade intelectual, marcas, compras governamentais, mas sem a contrapartida de aumento significativo do acesso a mercados europeus de produtos agropecuários.
O problema transcende as relações com a União Europeia. Fechar um acordo desfavorável com os europeus levaria a que outros países desenvolvidos pleiteassem acordos semelhantes, o que reduziria progressivamente a autonomia e a margem de manobra das políticas públicas no Brasil.
Assim como na atabalhoada tentativa de aderir à OCDE, a postura do governo Temer é típica da mentalidade da elite tupiniquim. Busca resultados simbólicos – acordos com países importantes como sinal de “prestígio” – em troca de concessões substantivas e até ruinosas. É a reprodução atávica das relações entre os índios e os portugueses – os primeiros cediam suas terras e recebiam em troca espelhos, apitos e chocalhos.
No mencionado Encontro Econômico Brasil-Alemanha, em Colônia, os brasileiros descobriram, constrangidos, que os anfitriões estavam promovendo, como atividade beneficente, a venda de pedaços da rede usada no jogo em que a Alemanha venceu o Brasil por 7 a 1, na Copa de 2014. Cada pedaço custava 71 euros.
O respeito foi para o espaço. A verdade é que o governo Temer já se desmoralizou completamente e não tem condições de negociar mais nada.
Paulo Nogueira Batista Jr. - O autor é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.
Twitter: @paulonbjr

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