Democracia sim, é óbvio, mas sem apagar da história o golpe de 2016. Por Luís Felipe Miguel
PUBLICADO ORIGINALMENTE NO FACEBOOK DO AUTOR.
Tá lotado de gente que eu respeito e admiro entre os signatários do manifesto “Democracia sim”.
Até entendo que, em nome de uma unidade necessária contra o fascismo, abracemos todos uma concepção ultramínima de democracia.
Mas realmente não penso que se possa referendar a narrativa de “trinta anos de democracia conturbada, mas sempre democracia, agora confrontada pela ameaça do bolsonarismo”.
Se a gente apaga o golpe de 2016 da história, não estamos apenas traindo a memória da democracia brasileira. Estamos também subtraindo um elemento central para entender a ascensão do discurso fascista.
O Bozo está aí porque a direita precisava criar o pânico, apontar seus adversários como o mal absoluto, desmerecer a igualdade, desqualificar o princípio da soberania popular.
O Bozo está aí porque a prioridade nº 1 era impedir a eleição de Lula, era destruir a esquerda, era garantir a destruição dos direitos.
Em suma: porque a direita precisava desestabilizar a democracia.
Por isso, também não dá para aceitar o diagnóstico de que a “raiz das crises múltiplas que vivemos nos últimos anos” é o “colapso do nosso sistema político”.
Que colapso?
Uma velha tese da ciência política conservadora diz que a governabilidade entra em colapso quando os dominados passam a querer demais. É isso?
Na raiz das mais sérias das nossas crises está também a resistência de muitos setores à democratização da sociedade.
Deixar isso de lado não é só abraçar uma concepção ultramínima de democracia, é aceitar que a democracia nunca poderá evoluir para além dela.
Democracia sim, óbvio. Mas para que o slogan tenha sentido, é necessário estabelecer regras básicas, como o respeito aos mandatos originados do voto, o funcionamento equânime da lei, a ausência de poderes capazes de impor seu veto às decisões originadas da soberania popular.
É claro que temos que derrotar o Bozo. Mas não dá para aceitar que o preço a pagar seja abandonar a bandeira de derrotar o golpe, de restaurar o Estado de direito, de desfazer os retrocessos.
Se for assim, vejam só, Bozo terá cumprido o papel destinado a ele, mesmo que por linhas tortas.
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