"Não preenche nenhum dos requisitos", dizem juristas sobre indicação de Moro ao STF
Juiz Sérgio Moro. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Por Daniel Caseiro
Nesta segunda-feira (29), Jair Bolsonaro declarou que pretende oferecer ao juiz Sérgio Moro a pasta do Ministério da Justiça ou, alternativamente, uma futura vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Em resposta, Moro não descartou participar do governo bolsonarista. Mas o que essa indicação significa para o novo governo? O Justificando conversou com Weida Zancaner e Luis Felipe Miguel, ambos juristas e professores de direito, sobre como avaliar a “promoção” de Moro à ministro, seja da Justiça ou do supremo.
“Eu não acho que seria interessante para o país, ele é um juiz altamente contestado”. Disse a Dra. Zancaner, professora de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Se ele é adorado por uma parte da população, a outra contesta os métodos do magistrado Moro. Ele tem em seu histórico vários juristas de muita nomeada que contestaram sua atuação, principalmente no caso do ex-presidente Lula”, lembra a professora.
Luis Felipe Miguel, professor titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), tampouco vê com bons olhos uma indicação de Moro, embora não fique surpreso que ele acabe na suprema corte.
“Eu acho que não é de espantar [que moro seja indicado para o STF], porque as duas exigências constitucionais para a indicação para o supremo, que são notável saber jurídico e reputação ilibada, já foram desprezadas mais de uma vez em indicações anteriores e ele evidentemente não preenche nenhum dos dois requisitos…“, afirma o jurista e doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explicando que Moro “agiu de uma maneira absolutamente contraria aos princípios básicos da isenção que se espera de um juiz em inúmeros momentos da sua carreira recente”.
Com opinião parecida, a professora explica que os cargos de ministro do STF não são para qualquer um. “São para pessoas que amam sobretudo a constituição”, diz. Chamado de guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal possui como principal função garantir o respeito e a aplicação imparcial da Lei Maior. “Acho que pessoas que tem um perfil muito aguerrido não são boas para o supremo”, completa Zancaner.
“Não é um cargo para uma pessoa que é tão dura na punição de outras pessoas, inclusive de seus adversários, ou daqueles que ele toma como adversários” continua a jurista. “A lei não pode ser usada como revanche para ninguém… você não vai atras da lei para punir, pra martirizar as pessoas, isso não existe. O juiz tem que ser imparcial, ele paira acima do réu e do autor. Ele não pode ter parcialidade nenhuma senão ele desvirtua o processo”.
Especificamente sobre a possibilidade de Moro assumir o Ministério da Justiça, Weida Zancaner acredita ser “muito questionável a indicação de pessoas como o Moro porque o cargo de Ministro da Justiça é um cargo muito delicado”. E acrescenta: “esse é um cargo para uma pessoa muito serena, uma pessoa sem paixões. É o oposto do que ele tem demonstrado ser”.
Lava Jato
O professor Miguel lembra do papel central da operação Lava Jato, orquestrada em grande medida por Moro, na desestabilização do governo anterior e na construção da opinião pública sobre quem seria e quem não seria corrupto na Brasil.
“O objetivo principal da lava jato foi alcançado no domingo passado” disse, referindo-se à derrota do Partido dos Trabalhadores e da esquerda em geral nas eleições presidenciais. “Houve o golpe [o impeachment de 2016] para o qual a Lava Jato colaborou e agora houve a derrota eleitoral da esquerda brasileira. Não há dúvida nenhuma que o clima da opinião pública deliberadamente influenciado pela Lava Jato foi determinante pra isso”.
Para Luis Felipe Miguel, a postura parcial e midiática de Sergio Moro na condução da Lava Jato demonstra um caráter incompatível com os cargos de Ministro da Justiça ou do supremo. “Ele não teve pudor de utilizar a sua posição no judiciário com o objetivo de alcançar fins político-partidários” justifica, concluindo que “a indicação de Sergio Moro para um cargo neste governo, governo em relação ao qual ele é ao menos em parte responsável por ter chegado onde está, seria uma improbidade evidente”.
Os dois entrevistados também destacaram que Sérgio Moro é um juiz jovem, ainda em início de carreira.
“Afinal ele é juiz de primeira instância”, disse o professor Miguel. “Estaria subindo [ao STF] por troca, como pagamento pelos favores políticos ilegais que ele praticou no cargo de juiz”.
Quanto a continuidade ou não da operação Lava Jato, Miguel defende que, caso Sergio Moro se torne Ministro da Justiça ou do STF, o mais provável é que a lógica punitivista da operação se intensifique. “Eu acredito que a gente vai ter, por parte dos setores do ‘bolsonarismo’, no qual o juiz Moro hoje se inclui, a ideia de prosseguir na criminalização da esquerda por meio da Lava Jato”.
Na análise do professor da UnB, o governo bolsonarista que se desenha será parecido com o governo de Donald Trump nos EUA, no sentido de ser um governo com “uma agenda de redução brutal dos direitos da classe trabalhadora e das políticas sociais”. Para que esses objetivos sejam alcançados, o governo de Bolsonaro precisará manter a opinião pública a seu lado, combatendo seus opositores e desautorizado qualquer narrativa que possa deslegitimá-lo. “Vai ser um governo estilo Trump que vai procurar ficar em campanha permanente. Então, o ataque contra seus adversários políticos vai ser algo fundamental e, nesse sentido, esse pessoal vai querer continuar com a Lava Jato dessa forma, criminalizando o PT e o restante da esquerda política”.
Novo presidente
A professora Weida Zancaner destaca o tamanho da responsabilidade do futuro presidente, frisando que o país está “profundamente dividido”.
“Afinal não foi uma vitória esmagadora”, avalia Zancaner quanto ao resultado de Bolsonaro nas eleições. “Foi uma vitória, mas não foi uma vitória esmagadora”.
Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o percentual de votos nulos no segundo turno das eleições presidenciais de 2018 chegou a 7,4%, numero 60% maior em relação ao 2º turno da última eleição presidencial, em 2014, e o maior índice registrado desde 1989. No total, Bolsonaro ganhou as eleições com pouco menos de 57,8 milhões de votos. Somando-se os 47 milhões de votos de Fernando Haddad com os 42 milhões de pessoas não escolherem nenhum candidato no segundo turno (votos nulos, brancos e abstenções), temos 89 milhões de pessoas que não votaram em Bolsonaro para presidente.
“Se o nosso futuro presidente for um homem que pretende efetivamente unir o país, que pretende efetivamente cumprir a constituição, [ele] deve buscar a paz. E eu não sei se homens muito aguerridos, como é caso do juiz Moro, servem para essa pacificação”, completa Zancaner.
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