Da Redação
No dia 4 de agosto deste ano, o deputado federal Eduardo Bolsonaro tuitou uma foto feita em Manhattan com uma mensagem em inglês: “Foi um prazer encontrar Steve Bannon, estrategista da campanha presidencial de Donald Trump. Tivemos uma boa conversa e compartilhamos da mesma visão de mundo. Ele se disse um entusiasta da campanha de Bolsonaro e estamos em contato para juntar forças, especialmente contra o marxismo cultural”.
Como a conversa não foi pública, é impossível dizer até que ponto os dois de fato concordam.
Porém, os discursos e mesmo as primeiras decisões de Jair Bolsonaro são compatíveis com a pregação de Bannon, que por sete meses foi assessor especial de Trump na Casa Branca.
Em 2014 o site BuzzFeed recuperou a íntegra de uma entrevista que Bannon, desde Los Angeles, deu para um grupo reunido no Vaticano, bem antes do Brexit ou da vitória eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos.
Os promotores do encontro eram ligados ao cardeal estadunidense Raymond Burke, um dos críticos mais vocais do papa Francisco. Já foi definido como o “rosto” da oposição ao argentino no Vaticano.
Bannon criticou o capitalismo dos dias de hoje dizendo que ele se afastou das fundações morais e espirituais do cristianismo, da civilização judaico-cristã.
Diz que a maneira como os culpados pela crise de 2008 foram tratados nos Estados Unidos — ficaram impunes e foram resgatados pelo Tesouro — é o combustível da revolta popular que se manifestou no Tea Party.
Aqui vale a tradução de um trecho relevante:
“Essa forma de capitalismo é muito diferente do que eu chamo de capitalismo iluminado do Ocidente judaico-cristão. É um capitalismo que parece transformar as pessoas em mercadorias, que objetifica as pessoas, que as usa — como muitos dos preceitos de Marx — e é uma forma de capitalismo que, particularmente as novas gerações, acham muito atraente. Eles não enxergam uma alternativa. […] Outra tendência é a imensa secularização do Ocidente. Já venho falando sobre secularização há muito tempo, mas se você olhar para os jovens, especialmente os de menos de 30 anos, há um impulso irresistível da cultura popular de secularizá-los. Tudo isso converge para algo que teremos de encarar, é um tópico muito desagradável, mas estamos em guerra com o fascismo jihadista islâmico. E esta guerra, acredito, está em metástase muito mais rapidamente do que os governos podem enfrentar”.
O capitalismo ideal, diz Bannon, era aquele em que os capitalistas eram guiados pela sua fé, judaica ou cristã.
Depois de elogiar o Partido de Independência do Reino Unido (UKIP) e a Frente Nacional francesa, hoje comandada por Marine Le Pen — dois partidos nacionalistas de direita –, Bannon diz que o que os une “é um movimento populista de centro-direita da classe média, dos trabalhadores e trabalhadoras do mundo que estão cansados de seguir os ditames do que chamamos de Partido de Davos”.
Davos é a cidade Suiça sede de um encontro anual de bilionários.
“Esta revolta de centro-direita é na verdade uma revolta global. Acredito que vocês vão vê-la na América Latina, na Ásia e já a vemos na Índia”, afirma a certa altura, referindo-se à vitória eleitoral do Partido do Povo Indiano, do atual primeiro-ministro Narendra Modi, que prega o nacionalismo hinduísta num país que tem cerca de 200 milhões de muçulmanos.
Bannon prega que as classes dirigentes estão corrompidas e, portanto, é preciso demolir as instituições existentes.
Rompendo com o secularismo, prega reconstruí-las sobre os desígnios judaico-cristãos, já que uma grande tormenta está a caminho, na forma do que define como o “fascismo islâmico”.
A NOVA BÍBLIA
Bannon, que segundo a mídia dos Estados Unidos é um leitor voraz, admite que um livro em especial moldou sua visão de mundo: The Fourth Turning, An American Prophecy, publicado em 1997.
Um dos autores chegou a escrever um artigo, publicado no Washington Post, se gabando de ter influenciado o estrategista de Donald Trump.
A descoberta de que Bannon tinha um livro de cabeceira levou o site liberal Huffington Posta publicar uma manchete que deixou gente de cabelo em pé: Steve Bannon acredita que o apocalipse está a caminho e a guerra é inevitável.
“A História é sazonal e o inverno está a caminho… A própria sobrevivência da Nação está em jogo. Em algum momento antes de 2025, os Estados Unidos vão atravessar um grande portão, comparável à Revolução Americana, à Guerra Civil ou as emergências da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial. O risco de catástrofe é grande. A Nação poderia irromper em insurreição ou violência civil, se dividir geograficamente ou sucumbir a um governo autoritário”, diz um trecho republicado pelo New York Times, que comparou o cenário ao do seriado Game of Thrones.
A profecia dos autores é baseada no que acreditam ser um ciclo que se repete na História a cada 80 anos: crescimento, maturidade, entropia e destruição. Argumentam que os ciclos são tão previsíveis quanto as quatro estações do ano.
Para enfrentar a tempestade vindoura, “nova autoridade cívica vai ter de se enraizar, rapida e firmemente — o que não será fácil se regras e rituais desacreditados do antigo regime permanecerem. Temos de mudar e simplificar o governo federal antes da crise, cortando profundamente seu tamanho e amplitude, sem colocar em risco seu núcleo central”.
A chamada Quarta Reviravolta, curiosamente, se expressa tanto no discurso de Donald Trump — “nós contra eles” — quanto no de Jair Bolsonaro, que afirma que as minorias devem se submeter ao controle das maiorias.
“O núcleo da Nação será mais importante que sua diversidade. Jogo em equipe e comportamento padrão serão as novas palavras de ordem. Qualquer pessoa ou coisa que não puder ser descrita nestes termos pode ser deixada de lado — ou pior. Não se isole das atividades comunitárias… Se você não quer ser mal avaliado, não aja de maneira a provocar a autoridade da Crise a te julgar culpado. Se você pertence a uma minoria étnica ou racial, prepare-se para uma reação nativista de uma maioria assertiva (e possivelmente autoritária)”, escrevem os autores em tom de advertência.
Brasil acima de todos, Deus acima de tudo.
COMO O VATICANO REAGIU
A coalizão conservadora de católicos, protestantes e ortodoxos em geral, incentivada por Bannon diante da “ameaça” dos muçulmanos, mereceu uma resposta indireta do Vaticano.
Veio na forma de um artigo de um confidente do papa Francisco, o católico Antonio Spadaro, em parceria com o pastor presbiteriano Marcelo Figueroa, numa publicação que é vista como porta-voz não oficial do Vaticano.
Eles identificam como uma das origens do chamado “teoconservadorismo” um livro publicado no início do século 20, pelo milionário californiano Lyman Stewart, The Fundamentals.
“Os grupos religiosos e sociais inspirados em autores como Stewart consideram os Estados Unidos uma nação abençoada por Deus. E não hesitam em basear o crescimento econômico do país numa adesão literal à Bíblia. Em anos mais recentes, essa corrente de pensamento se alimenta da estigmatização de inimigos, que muitas vezes são demonizados. O panorama do que entendem como ameaças à forma americana de viver inclui modernistas, o movimento negro pelos direitos civis, o movimento hippie, comunistas, feministas e assim por diante. E em nossos dias estão incluídos os imigrantes e os muçulmanos. Para manter os níveis de conflito, suas leituras bíblicas tiram de contexto trechos do Velho Testamento sobre conquista e defesa da terra prometida, em vez de se guiarem pelo olhar incisivo, cheio de amor, de Jesus nos Evangelhos”, diz o texto.
No Brasil, os “vermelhos” já foram definidos por Bolsonaro como inimigos a serem, ainda que metaforicamente, “metralhados”.
A crença num mundo governado apenas pelos homens, criaturas de Deus, também coloca os ambientalistas como inimigos da fé.
“Nessa visão teológica, os desastres naturais, as dramáticas mudanças climáticas e a crise ecológica global não são percebidos como um alarme que deve levá-los a reconsiderar seus dogmas, mas como o oposto: sinais que confirmam sua compreensão não-alegórica das figuras finais do livro do Apocalipse e a esperança apocalíptica em um novo céu e uma nova terra“, escrevem.
Não por acaso, tanto Donald Trump quanto Jair Bolsonaro se manifestam contra o acordo de Paris para combater o aquecimento global.
Os autores notam os paradoxos da coalizão religiosa fundamentalista: “Esta reunião em torno de objetivos compartilhados acontece em temas como aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, educação religiosa nas escolas e outros assuntos geralmente considerados morais ou ligados a valores. Ambos os integralistas evangélicos e católicos condenam o ecumenismo tradicional e ainda promovem um ecumenismo de conflito que os une no sonho nostálgico de um tipo de estado teocrático. No entanto, a perspectiva mais perigosa para este estranho ecumenismo é atribuível à sua visão xenófoba e islamofóbica, que pede muros e purifica as deportações. A palavra ecumenismo se transforma em um paradoxo, em um ecumenismo do ódio”.
O artigo critica a tentativa dos fundamentalistas de invadir a esfera laica do Estado, o que o papa Francisco condena. Sugerem que líderes políticos tentam usar a religião para defender interesses da elite que dizem combater, de forma hipócrita.
“A espiritualidade não pode se ligar a governos ou a pactos militares, pois está a serviço de todos os homens e mulheres. As religiões não podem considerar algumas pessoas como inimigos jurados nem outras como amigos eternos. A religião não deve se tornar a garantia das classes dominantes. No entanto, é justamente esta dinâmica, com um sabor teológico espúrio, que tenta impor sua própria lei e lógica na esfera política”, diz o texto.
Finalmente, Spadaro e Figueroa se referem à luta do papa Francisco para evitar que a fé seja manipulada num período de crise econômica:
“Há uma necessidade de lutar contra a manipulação desta temporada de ansiedade e insegurança. Novamente, Francisco é corajoso aqui e não dá legitimidade teológico-política aos terroristas, evitando qualquer redução do Islã ao terrorismo islâmico. Nem dá para aqueles que postulam e querem uma guerra santa ou para construir barreiras cercadas de arame farpado. A única coroa que conta para o cristão é aquela com espinhos que Cristo usou”.
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