quarta-feira, 10 de agosto de 2016

O idioma da fresta nos Jogos Olímpicos do #ForaTemer

O idioma da fresta nos Jogos Olímpicos do #ForaTemer


A linguagem da fresta, ou da brecha, fez a glória de nomes como Chico Buarque em tempos de ditadura militar e censura; sob repressão pesada (e ilegal), protestos antigolpe se espalham e causam ruído na festa de suposta harmonia mundial
Em poucos dias de Olimpíadas no Rio de Janeiro, a mídia internacional já exibe perplexidade e incômodo frente ao comportamento das torcedoras brasileiras nas arenas de competição. É o que expõe na manhã da primeira segunda-feira olímpica, por exemplo, uma reportagem da filial local da BBC (British Broadcast Corporation, a TV pública/estatal inglesa, não uma Rede Globo, mas uma TV Brasil à maneira Brexit).
De fato, o Brasil não é de fácil decifração para quem não nasceu aqui, nem mesmo para quem nascemos.
É pouco provável que o planeta já tenha ouvido falar de modo maciço sobre a “linguagem da fresta”, essa nossa criação indígena de guerrilha contra a institucionalização da violência pelo chamado “Estado”. Trata-se de um hábito ancestral reinventado e consagrado pela música popular brasileira, a (im)popular MPB, nos tempos do golpe de Estado anterior, da ditadura civil-militar de 1964.
A linguagem da fresta, ou da brecha, fez a glória de nomes como Chico Buarque nos anos 1970, quando a repressão militar comia a sociedade à solta (sob graus relativos de aprovação pela própria sociedade que era comida primeiramente). Chico é bem menos popular em termos planetários que seus parças MPB Caetano Veloso e Gilberto Gil, mas todos foram, em maior ou menor grau, useiros e vezeiros da linguagem da fresta contra a violência institucionalizada. Os livros de história contam, com ou sem partido.
Reprodução Twitter

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Caetano colocou as anteninhas zeitgeist de fora no bastidor da festa de abertura dos Olympics (nada diante dos bilhões de espectadores e da sestrosa Anitta). Mas quem transbordou na linguagem da fresta, cara a cara com o planeta, foi Elza Soares, dona até aqui do maior – e menos explícito – “fora Temer“ da história da humanidade.
Viúva de Mané Garrincha, Elza deu o pontapé inicial, em tempos de novo golpe de Estado e de neo-ditadura civil-militarizada, para a ressurreição do drible da brecha.
A população vem quicando a bola, com maior ou menor elegância, para espanto e perplexidade da mídia planetária – e silêncio ensurdecedor da cada dia mais constrangida mídia golpista local.
Exemplos divertidos abundam na reportagem da BBC, a começar pelo escracho antirracista na goleira azulvermelha dos Estados Unidos da América, zicada de fio a pavio pelas primas pobres verdamarelas.

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Caetano Veloso nos bastidores da abertura das Olimpíadas. Foto: Paula Lavigne / FacebookMesmo sob repressão pesada (e ilegal) em mergulho sincronizado operado pelo governo Michel Temer, pelo comitê organizador internacional (o COI, Comitê Olímpico Internacional) e pela Rede Globo, os protestos antigolpe se espalham e causam ruído na festa de suposta harmonia mundial.
Brecha por tocha, o momento histórico atual se comunica com o nascedouro-e-auge da dita MPB que acendeu a chama e abriu a fresta: o ambiente dos festivais da canção dos anos 1960 e 1970. O idioma da vaia precedeu o da brecha. Uma população que havia sido cassada em seu direito de votar via a repressão intumescer dia após dia. Desprovida de voto, vaiava, vaiava, vaiava, como se não houvesse amanhã.
Eleições já canceladas, o Ato Institucional número 5 de 13 de dezembro de 1968 arrematou o golpe da vez e extirpou o direito à vaia. A era dos festivais rastejou feito cobra pelo chão, agora na tela ditatorial da patrocinadora oficial de golpes, a proto-estadunidense Rede Globo.
O FIC (Festival Internacional da Canção) seguiu como arena, palco e alcova para espetáculos cruzados de luta de resistência e de repressão, como bem sabem os livros de história, o finado Wilson Simonal e o ainda vivo Toni Tornado. As mulheres permaneceram na cozinha (Maria Alcina à parte), e o racismo foi troféu e pedra de toque para a elite loura de então: (quase) nada de novo no front.
Nas frestas e brechas abertas pelos livros de história às boas entendedoras, as arenas olímpicas de 2016 evocam os festivais internacional da canção da então emergente Globo. Se é certo que a história não se repete a não ser como farsa, temos de aguardar todas e quaisquer surpresas do futuro próximo. Mas já sabemos que, hoje como ontem, a primeira reação popular brasileira diante do voto cassado vem em forma de vaia, de escracho, de picardia macunaímica.
Metralhadoras e fuzis à parte, as torcedoras estão todas soltas.

Publicado originalmente no site Farofafá

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