Um pacto
progressista pode evitar o horror em SP
Juntos,
Haddad e Erundina podem arrastar insatisfeitos que já começam a migrar da
candidatura Marta e assim mudar o desfecho da eleição.
Saul Leblon
Restam poucas horas. Mas a experiência mostra que poucas horas de
lucidez, com ação coordenada de projeto, rua e propaganda podem sacudir a vida
de um povo. E mudar o curso da história.
O desfecho que se esboça na disputa
municipal em São Paulo, e na do Rio, deixará uma lição dura às forças
progressistas.
Se a derrota se confirmar domingo,
levando para o segundo turno candidaturas de direita nas duas principais
capitais do país, ficará flagrante o irrealismo inscrito na dispersão eleitoral
das forças progressistas nos dois casos.
Em São Paulo, expoentes do que há de
mais retrógrado no almoxarifado conservador lideram a disputa.
Todavia, 1/3 dos eleitores se declaram
ainda inseguros na sua escolha, ou seja, insatisfeitos com ela. Podem mudar o
voto até domingo, arrastando os que optaram por Marta pela inércia, mas já
começam a migrar – ex-prefeita perdeu apoio sobretudo na faixa de renda de dois
a cinco salários mínimos, em que despencou de 22% para 12%.
O que pode preencher esse hiato que
reclama uma nova referência, capaz de motivar outro desfecho para a disputa
política na maior cidade da América Latina?
Em primeiro lugar, a transparência do
que está em jogo.
Em segundo lugar, a responsabilidade e a
segurança irradiadas por uma alternativa que arregimente forças dispersas e
desse modo inspire respeito, confiança e credibilidade nos indecisos,
reeditando uma virada conhecida das retas finais de campanha.
A unidade de Haddad e Erundina é o ponto
de partida para mover as peças nesse tabuleiro.
Trata-se de reconhecer que a
fragmentação progressista nesse momento foca a batalha do dia anterior.
O Brasil mudou radicalmente entre o
registro das candidaturas e as horas que faltam para a decisão eleitoral.
O país está sendo arrastado para um
regime de exceção, com a cumplicidade vergonhosa dos liberais, que subscrevem mais uma recidiva antissocial.
Só a vocação para a eutanásia política
justifica que numa hora como essa forças progressistas insistam em aderir à
dispersão evocada pelo coronel Pedro
Nunes Tamarindo, em Canudos, após a morte do comandante Moreira César: ‘É tempo
de murici, que cada um cuide de si’
Cuidar de si, focado no interesse
unilateral, quando as retroescavadeiras do golpe já demolem a Constituição, o
patrimônio público, os empregos e a soberania nacional?
É um mito que São Paulo representa o
bunker inexpugnável da reação e que nada pode ser feito.
A esquerda já governou São Paulo três
vezes desde a redemocratização.
Candidaturas progressistas estiveram no
comando da cidade em 12 dos cerca de 26 anos desde que a capital voltou a
escolher seus prefeitos pelo voto popular, em 1989.
Erundina (1989-2003); Marta (2001-2004)
e Haddad (2012-2016) venceram os mais graúdos e emblemáticos porta-vozes da
direita paulistana.
O
conservadorismo montou em São Paulo um aparato ideológico que a transformou
na mais importante caixa de ressonância
dos movimentos pelo impeachment.
Mas ela sedia também a maior fatia da
inteligência brasileira de esquerda; resiste aqui uma franja influente de
classe democrática; a capital está
cravejada de movimentos artísticos e
culturais, rodeada de bairros operários e periferias coalhadas de juventude
ávida de oportunidade e esperança.
O emprego industrial que qualificava e
organizava as famílias paulistanas assalariadas viajou para a China ou mudou
para o interior.
Um exército fragmentado de jovens
trabalhadores da área de serviços ocupou esse vazio - sem tradição sindical, sem articulação
partidária.
Dependurados na história exclusivamente
pelo celular.
Mas foram eles que sacudiram as ruas de
São Paulo nas jornadas de 2013, são eles que têm forte presença nos ‘movimentos
de ocupa’ (ocupa terrenos, ocupa cultura, ocupa escola etc.), vem deles o vigor
que hoje se opõe à reforma autoritária do ensino médio, são eles que faíscam a
constelação dos coletivos e trincheiras sociais espalhados pela metrópole.
Se é verdade que São Paulo condensa a
encruzilhada brasileira, não necessariamente deve replicar seu desfecho
federal, que aqui significaria ainda mais desemprego, mais insegurança, menos
infraestrutura, menos escolas, menos saúde, um verdadeiro cemitério da
esperança.
Dória Jr ou Russomano são as carpideiras
desse esquife de concreto.
Separados, Haddad e Erundina perderão a
vaga do segundo turno para um deles.
Juntos, podem reunir o magnetismo do desprendimento e o apelo da
emergência histórica, capaz de arrastar a parcela dos indecisos que já começa
migrar da canoa furada de Marta/Matarazzo, ou do simulacro insustentável
representado por Russomano.
A vantagem já conquistada pelo animador
de auditório tucano é significativa.
Mas insuficiente para desarmar a
radicalização das contradições decorrentes do esgotamento de um ciclo de
expansão capitalista que já sacudia São Paulo antes do golpe - e agora vulcanizará
cada vez mais o cotidiano da cidade e o de suas carências.
O Brasil vive aquilo que Celso Furtado
denominava de ‘as provas cruciais na vida de uma nação’.
Talvez as mais cruciais desde o suicídio
de Vargas, em 1954, e do golpe de 1964.
A qualidade do material político que o
conservadorismo já indicou à apreciação eleitoral dos paulistanos antecipa a
regressão embutida nas iniciativas já tomadas e prometidas pelo golpe no plano
federal.
É dessa matéria prima que a direita
brasileira pretende extrair uma vitória para fazer da disputa municipal a sua
plataforma ao governo do Estado e ao posto máximo da nação, em 2018.
Mas é a partir dela, também, que uma
frente ampla progressista pode espanar a fatalidade.
E empolgar a reta final da campanha com
um pacto pela construção de uma gigantesca trincheira de democracia
participativa na maior capital brasileira. E assim sacudir a correlação de
forças em todo o país.
www.cartamaior.com.br 30/09/2016
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