sexta-feira, 30 de setembro de 2016

UM PACTO PROGRESSISTA PODE EVITAR O HORROR EM SP

Um pacto progressista pode evitar o horror em SP

Juntos, Haddad e Erundina podem arrastar insatisfeitos que já começam a migrar da candidatura Marta e assim mudar o desfecho da eleição.

Saul Leblon

Restam poucas horas.  Mas a experiência mostra que poucas horas de lucidez, com ação coordenada de projeto, rua e propaganda podem sacudir a vida de um povo. E mudar o curso da história.

O desfecho que se esboça na disputa municipal em São Paulo, e na do Rio, deixará uma lição dura às forças progressistas.

Se a derrota se confirmar domingo, levando para o segundo turno candidaturas de direita nas duas principais capitais do país, ficará flagrante o irrealismo inscrito na dispersão eleitoral das forças progressistas nos dois casos.

Em São Paulo, expoentes do que há de mais retrógrado no almoxarifado conservador lideram a disputa.

Todavia, 1/3 dos eleitores se declaram ainda inseguros na sua escolha, ou seja, insatisfeitos com ela. Podem mudar o voto até domingo, arrastando os que optaram por Marta pela inércia, mas já começam a migrar – ex-prefeita perdeu apoio sobretudo na faixa de renda de dois a cinco salários mínimos, em que despencou de 22% para 12%.

O que pode preencher esse hiato que reclama uma nova referência, capaz de motivar outro desfecho para a disputa política na maior cidade da América Latina?

Em primeiro lugar, a transparência do que está em jogo.

Em segundo lugar, a responsabilidade e a segurança irradiadas por uma alternativa que arregimente forças dispersas e desse modo inspire respeito, confiança e credibilidade nos indecisos, reeditando uma virada conhecida das retas finais de campanha.

A unidade de Haddad e Erundina é o ponto de partida para mover as peças nesse tabuleiro.

Trata-se de reconhecer que a fragmentação progressista nesse momento foca a batalha do dia anterior.

O Brasil mudou radicalmente entre o registro das candidaturas e as horas que faltam para a decisão eleitoral.

O país está sendo arrastado para um regime de exceção, com a cumplicidade vergonhosa dos liberais, que subscrevem  mais uma recidiva antissocial.

Só a vocação para a eutanásia política justifica que numa hora como essa forças progressistas insistam em aderir à dispersão evocada  pelo coronel Pedro Nunes Tamarindo, em Canudos, após a morte do comandante Moreira César: ‘É tempo de murici, que cada um cuide de si’

Cuidar de si, focado no interesse unilateral, quando as retroescavadeiras do golpe já demolem a Constituição, o patrimônio público, os empregos e a soberania nacional?

É um mito que São Paulo representa o bunker inexpugnável da reação e que nada pode ser feito.
A esquerda já governou São Paulo três vezes desde a redemocratização.

Candidaturas progressistas estiveram no comando da cidade em 12 dos cerca de 26 anos desde que a capital voltou a escolher seus prefeitos pelo voto popular, em 1989.

Erundina (1989-2003); Marta (2001-2004) e Haddad (2012-2016) venceram os mais graúdos e emblemáticos porta-vozes da direita paulistana.
 
 O conservadorismo montou em São Paulo um aparato ideológico que a transformou na  mais importante caixa de ressonância dos movimentos pelo impeachment.

Mas ela sedia também a maior fatia da inteligência brasileira de esquerda; resiste aqui uma franja influente de classe democrática; a capital  está cravejada de  movimentos artísticos e culturais, rodeada de bairros operários e periferias coalhadas de juventude ávida de oportunidade e esperança.

O emprego industrial que qualificava e organizava as famílias paulistanas assalariadas viajou para a China ou mudou para o interior.

Um exército fragmentado de jovens trabalhadores da área de serviços ocupou esse vazio - sem  tradição sindical, sem articulação partidária.

Dependurados na história exclusivamente pelo celular.

Mas foram eles que sacudiram as ruas de São Paulo nas jornadas de 2013, são eles que têm forte presença nos ‘movimentos de ocupa’ (ocupa terrenos, ocupa cultura, ocupa escola etc.), vem deles o vigor que hoje se opõe à reforma autoritária do ensino médio, são eles que faíscam a constelação dos coletivos e trincheiras sociais espalhados pela metrópole.

Se é verdade que São Paulo condensa a encruzilhada brasileira, não necessariamente deve replicar seu desfecho federal, que aqui significaria ainda mais desemprego, mais insegurança, menos infraestrutura, menos escolas, menos saúde, um verdadeiro cemitério da esperança.

Dória Jr ou Russomano são as carpideiras desse esquife de concreto.

Separados, Haddad e Erundina perderão a vaga do segundo turno para um deles.
 Juntos, podem reunir o  magnetismo do desprendimento e o apelo da emergência histórica, capaz de arrastar a parcela dos indecisos que já começa migrar da canoa furada de Marta/Matarazzo, ou do simulacro insustentável representado por Russomano.

A vantagem já conquistada pelo animador de auditório tucano é significativa.

Mas insuficiente para desarmar a radicalização das contradições decorrentes do esgotamento de um ciclo de expansão capitalista que já sacudia São Paulo antes do golpe - e agora vulcanizará cada vez mais o cotidiano da cidade e o de suas carências.

O Brasil vive aquilo que Celso Furtado denominava de ‘as provas cruciais na vida de uma nação’.

Talvez as mais cruciais desde o suicídio de Vargas, em 1954, e do golpe de 1964.

A qualidade do material político que o conservadorismo já indicou à apreciação eleitoral dos paulistanos antecipa a regressão embutida nas iniciativas já tomadas e prometidas pelo golpe no plano federal.

É dessa matéria prima que a direita brasileira pretende extrair uma vitória para fazer da disputa municipal a sua plataforma ao governo do Estado e ao posto máximo da nação, em 2018.

Mas é a partir dela, também, que uma frente ampla progressista pode espanar a fatalidade.

E empolgar a reta final da campanha com um pacto pela construção de uma gigantesca trincheira de democracia participativa na maior capital brasileira. E assim sacudir a correlação de forças em todo o país.


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