quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Surpreendente vitória de Trump estremece o mundo

09/11/2016 12:45 - Copyleft

Surpreendente vitória de Trump estremece o mundo

Assim como na inesperada vitória a favor do 'brexit' no Reino Unido e na rejeição ao acordo de paz na Colômbia, as pesquisas falharam.


Do Página/12
Michael Vadon
Donald Trump foi a grande surpresa da noite desta terça-feira (8/11), ao ser eleito para ser o próximo presidente dos Estados Unidos, superando a rival democrata Hillary Clinton. O magnata obteve vitórias em estados decisivos, como Flórida, Carolina do Norte, Ohio e Iowa, além de obter resultados sólidos no chamado “cinturão do óxido”, no norte do país, para alcançar os 270 votos no colégio eleitoral, necessários para vencer a eleição. Além disso, o Partido Republicano conseguiu estabelecer maiorias nas duas câmaras do Congresso estadunidense. O resultado contrariou a maioria das pesquisas prévias, como já havia acontecido em outras importantes votações durantes este ano, como o plebiscito pelo “brexit” no Reino Unido e referendo sobre os acordos de paz na Colômbia. A vitória do magnata marca o início de um novo período na política estadunidense, e as consequências deste resultado terão alcances globais.
 
Apenas um ano e meio depois do lançamento de sua candidatura, este multimilionário que fez fortuna no ramo imobiliário, com fama de playboy e histórico como apresentador de um reality show, se tornou ontem o homem mais velho em chegar à presidência dos Estados Unidos, superando em alguns meses a Ronald Reagan – outro outsider que chegou à Casa Branca. Sua campanha verborrágica e pouco profissional, carregada de impropérios e bravatas, obrigará a reescrever os manuais de política eleitoral. Nenhum dos “erros” cometidos por Trump em seus últimos 18 meses foi suficiente para impedir seu triunfo, o mais inesperado dos últimos anos na política norte-americana.
 
Nesse sentido, terá importante valor as análises posteriores sobre o papel de sua rival. Hillary Clinton, a ex-primera-dama, ex-senadora e ex-secretaria de Estado do governo de Barack Obama, parecia ser uma candidata muito mais preparada que Trump para ocupar a presidência, mas não foi capaz de convencer o eleitorado, em sua luta por superar a percepção, difundida na sociedade estadunidense, de que a culpa dos problemas posteriores à crise econômica de 2008 é do establishment político do país, o qual ela as representava para muitos eleitores. Uma série de escândalos de corrupção também afetaram a confiança da base eleitoral que deu ao Partido Democrata a vitória nas últimas duas eleições presidenciais. Tampouco o apoio de figuras populares, como o presidente Barack Obama, a primeira-dama Michelle Obama, o senador Bernie Sanders e do seu marido, o ex-presidente Bill Clinton, foram suficientes para compensar sua falta de carisma e de conexão com o público.
 
Durante toda a campanha Trump, apresentou um discurso extremo, prometendo levantar um muro na fronteira do sul para frear a imigração mexicana, proibir a entrada de muçulmanos no país e deportar todos os estrangeiros que entraram ilegalmente nos Estados Unidos. Também prometeu um maior protecionismo econômico e uma importante baixa nos impostos dos setores concentrados da economia, com a promessa de que essas medidas promoveriam a criação de emprego. A bolsa do Japão desabou antes mesmo da confirmação da vitória do republicano. Hoje, os mercados do mundo todo refletem a surpresa causada pelos resultados eleitorais nos Estados Unidos.





 
Noite surpreendente
 
Embora as últimas pesquisas, divulgadas na segunda-feira (7/11) dessem uma vitória de Hillary Clinton por uma pequena margem, quando começaram a surgir os primeiros dados oficiais da apuração, o panorama foi mudando, com sinais de que seria uma longa noite até se chegar aos resultados definitivos. No bunker democrata havia confiança nos números das pesquisas, mas a preocupação foi aumentando conforme chegavam os dados sobre a Carolina do Norte e a Flórida, os primeiros duelos que dariam forma ao quadro eleitoral final. No hotel Hilton, dirigentes republicanos esperavam novidades e mostravam um tímido otimismo, que foi aumentando com o decorrer da noite e as vitórias nos chamados “swing states”, os estados com resultados imprevisíveis do sudeste – a maioria deles se inclinou definitivamente por Trump.
 
A chegada dos primeiros números provenientes dos estados da costa oeste trouxeram um pouco mais de suspende, trazendo mais dramaticidade à definição do resultado. Na Flórida, estado decisivo, os candidatos se alteravam constantemente no primeiro lugar da apuração, sempre com diferença de poucos milhares de votos a favor de um ou de outro. Na Carolina do Norte, os erros no sistema de voto eletrônico obrigaram a adiar o fechamento das urnas em vários centros eleitorais, aumentando as incertezas. Em Virgínia, Trump liderou a contagem por horas, até que finalmente a candidata democratas alcançou uma dura vitória, graças à chegada, na última hora, dos números dos subúrbios de Washington DC. Na Geórgia, estado onde se prognosticava um cenário acirrado, o magnata se impôs por uma folgada margem.
 
Com o passar das horas, o candidato republicano mostrou sua força crescente nos estados do chamado “cinturão do óxido”, com vitórias em Michigan e Winconsin, enquanto a Flórida e Carolina do Norte também se inclinavam por ele, contra as previsões das pesquisas. O mesmo aconteceu em New Hampshire, outro estado onde se esperava vitória de Clinton, e que foi vencido por Trump. Às 22h, hora de Nova York, já era uma certeza que os resultados só chegaria durante a madrugada, e meios como o New York Times, que diziam, até a véspera, que havia 95% de chances de vitória de Clinton, passaram a confirmar o crescente favoritismo do magnata – que, à meia-noite, já tinha 90% dos votos colegiados suficientes para confirmar sua vitória. Nesse momento, a candidata democrata publicou mensagem em twitter, que parecia uma concessão: “esta equipe tem que estar muito orgulhosa do seu trabalho. Seja qual for o resultado, obrigado por tudo”.
 
Um novo mapa político
 
A vitória de Trump confirma a reconfiguração do esquema político que regeu nos Estados Unidos durante os últimos 35 anos, desde a vitória de Ronald Reagan. O volume de votos alcançado por Trump nos estados do norte indica que os eleitores brancos de classe média baixa, golpeados pelas consequências da crise de 2008, abandonaram a opção democrata e se voltaram ao candidato republicano. A aposta pelos votos das minorias, das mulheres e dos jovens não foi suficiente para os democratas, que não puderam repetir o resultado das duas eleições anteriores. A quantidade recorde de latinos que foram às urnas não compensou a queda nos votos de negros e de jovens, que foram decisivos para a vitória de Obama, mas que não se somaram à proposta de Clinton.
 
Agora, os dois grandes partidos que marcaram a vida política do país durante o último século e meio enfrentam desafios inéditos. Os republicanos, que abandonaram o seu próprio candidato durante a campanha, agora terão que se render perante um Trump que poderá alegar, e com razão, que ganhou esta eleição sozinho. A negociação no Congresso, com que terá maioria republicana nas duas casas, marcará os primeiros meses da sua gestão. Os democratas deverão enfrentar suas divisões internas, entre um establishment vinculado às corporações e a Wall Street – talvez os grandes derrotados destas eleições – e uma nova base progressista que quase surpreendem a cúpula nas primárias, apoiando o senador Bernie Sanders, e que não acompanharam Clinton em número suficiente na votação definitiva desta terça.
 
Esta eleição marcou o final de uma época. O mundo adota lentamente uma nova configuração, se afastando dos consensos que marcaram o final da Guerra Fria e a transição entre o Século XX e o Século XXI. Os desafios são inéditos para os Estados Unidos e para o mundo, que deverá lidar com esta nova administração da superpotência, a de um homem sem experiência na política internacional, na administração pública e em políticas de defesa. O futuro apresenta mais dúvidas que certezas. Durante um ano e meio, o planeta se preparou para esta eleição, mas o que aconteceu nesta última noite não parece ser um final, mas sim o começo de algo perigoso.
 
Tradução: Victor Farinelli


Créditos da foto: Michael Vadon




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