quinta-feira, 6 de abril de 2017

Breno Altman: 'Segredo da Lava Jato é transformar cada investigação num grande espetáculo de mídia'


Breno Altman: 'Segredo da Lava Jato é transformar cada investigação num grande espetáculo de mídia'


O fundador e diretor editorial de Opera Mundi fala em entrevista ao jornalista Luís Nassif sobre as arbitrariedades e a espetacularização promovidas pela Operação Lava Jato
Em entrevista ao jornalista Luís Nassif, o jornalista Breno Altman, fundador e diretor editorial de Opera Mundi, refletiu sobre as arbitrariedades e a espetacularização promovidas pela Operação Lava Jato, assim como sua absolvição pelo juiz Sérgio Moro em processo oriundo do 27º episódio da Lava Jato, denominado Operação Carbono 14.
Para Altman, "o segredo da [Operação] Lava Jato é transformar cada investigação num show, num grande espetáculo de mídia, e provocar uma comoção social a partir dos meios de comunicação."
Este método provoca um dano "irreparável" para os acusados na operação, diz Altman, pois "mesmo quando o réu é declarado inocente, ele já pagou uma pena antecipada, porque a exposição pública provoca um dano de imagem e, portanto, uma consequência danosa moral e material".
Veja a seguir a entrevista completa de Altman a Nassif, do site GGN, e leia trechos da conversa que trazem a trajetória de seu envolvimento forçado no processo, desde quando sofreu a condução coercitiva, no dia 1º de abril de 2016, até o resultado da sua absolvição por Moro, no dia 23 de fevereiro.
Qual foi o impacto de ser conduzido coercitivamente?
Isso tem exatamente um ano, foi ironicamente no dia 1º de abril do ano passado [2016], no dia internacional da mentira. Houve um mandato de busca e apreensão na minha residência, acompanhado de uma condução coercitiva. Eu não estava em minha residência, estava em Brasília. 
Tinham familiares lá [na sua casa]?
Sim, minha mulher, meu filho, entraram às 6 da manhã, revistou, levou uma estação de trabalho que eu tinha em casa, cadernetas com anotações de matéria, discos rígidos. Até hoje não devolveram o material. E eu fui ouvido em Brasília. 
As consequências foram duríssimas, porque vamos lembrar que o processo no qual eu fui arrolado como réu dizia respeito a uma fantasia, uma conexão entre o chamado Petrolão e o assassinato de Celso Daniel. O que ali era objeto inicial do Ministério Público, de acordo com a sua petição inicial ao juiz Moro, que autoriza a minha condução coercitiva e de outros investigados, dizia respeito a uma suposta extorsão que o PT estaria pagando a um empresário da região do ABC em troca do silêncio desse empresário em relação a fatos que incriminariam a direção do PT no assassinato do Celso Daniel.
Fato exaustivamente investigado.
E investigado pela Polícia Civil do governo do PSDB. Já estava em curso o processo, já foram condenados os envolvidos, esse caso já foi reinvestigado diversas vezes, mas esse era o móvel da chamada operação Carbono 14. 
O principal suspeito político morreu de câncer.
Evidentemente que, a partir dessa condução coercitiva, com todo o espetáculo midiático que teve – o Jornal Nacional, os principais telejornais de outras estações de TV, os principais rádios e jornais durante dias, por conta do caráter midiático da denúncia, expuseram a todos os réus de uma forma brutal, inclusive a mim mesmo. E isso teve consequências seríssimas. Imediatamente, por exemplo, o site que eu dirijo, Opera Mundi, perdeu toda a sua publicidade, em 48 horas tinha perdido todos os contratos públicos e privados que tinha porque é normal que as empresas tenham como critério de governança.
A família, como ficou?
Bastante tensa. Até hoje meus familiares despertam às dez para as seis da manhã para ver se às seis da manhã não tem ninguém na porta. É um trauma real para pessoas que, evidentemente, como é o caso dos meus familiares, não têm nenhuma relação com essa história. 
Isso é produto, na minha avaliação de um método. A Lava Jato é estruturada ao redor de um método declarado. O juiz Sérgio Moro, em 2004, escreveu um artigo sobre a Operação Mãos Limpas, da Itália, no qual ele dizia que o nexo principal do eventual sucesso da operação Mani Pulite era vínculo com a opinião pública.
É isso, vazamento, vazamento, vazamento.
Qual é o método? Não há cautela investigatória, não há proteção dos direitos constitucionais dos investigados, não há rigor em relação ao devido processo legal, ou seja, todo mundo é inocente até que se prove o contrário e o dever de apresentar provas é o da acusação, e não da defesa. Isso pressupõe um conjunto de cautelas e esse conjunto é absolutamente atropelado pela Lava Jato, a partir do nexo com a mídia. Ou seja, o segredo da Lava Jato é transformar cada investigação num show, num grande espetáculo de mídia.
E ter o endosso de pessoas, como o ministro Luis Roberto Barroso que diz que é momento de exceção...
E provocar uma comoção social a partir dos meios de comunicação. Os nomes das operações são cuidadosamente escolhidos, a maneira como é informado, os vazamentos. É um planejamento midiático, confessadamente estabelecido a partir desse artigo do próprio juiz Sérgio Moro.
Isso, o que acaba acarretando? Mesmo quando um investigado se torna réu, e réu acaba sendo declarado inocente, como foi o meu caso e o caso de outros, mesmo quando esse réu é declarado inocente, ele já pagou uma pena antecipada, porque a exposição pública provoca um dano de imagem e, portanto, uma consequência danosa moral e material, que é irreparável. 
Ou seja, os recursos que Opera Mundi deixou de arrecadar, os efeitos disso sobre minha vida profissional, e sobre os profissionais que perderam seu emprego em Opera Mundi, porque nós somos obrigados a cortar custos. Esses efeitos são irreparáveis.
Além do impacto sobre a família. Durante dias passei pelo constrangimento de ir a uma padaria que eu sempre frequento, ao restaurante que eu sempre vou, e ter que me defrontar com tensões provocadas pela ultraexposição nos telejornais. 
E o que causa indignação é pessoas, juristas acharem que isso é um quadro justificável. Quanto tempo você ficou para ter acesso aos termos da acusação?
Breno Altman - Isso foi rápido. Imediatamente, no próprio dia em que eu fui levado em condução coercitiva, em Brasília, eu já tive acesso. O que aconteceu: a Polícia Federal foi à minha casa, minha mulher me avisou por telefone. E a orientação da Polícia Federal foi que eu me apresentasse à PF de Brasília, e eu liguei para a Polícia Federal, ela me deu retorno, foi me buscar no hotel, e fomos à Brasília.
A condução coercitiva foi totalmente desnecessária.
Não só desnecessária, como o interrogatório era uma aberração. 
O interrogatório era tão aberrante, que o delegado da Polícia Federal de Brasília, que nada tinha a ver com o interrogatório, porque ele recebeu as perguntas de Curitiba, chegava a se sentir constrangido. Porque começou assim: o senhor é filiado ao PT há quanto tempo? O senhor já contribuiu em campanhas eleitorais? O senhor teve editora o ano passado? Que tipo de livros o senhor publicava? O senhor também publicou revistas? Qual é o conteúdo das revistas?

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Ou seja, um interrogatório político.
Era uma violação constitucional, seguidas vezes eu disse: doutor delegado, essas perguntas violam a Constituição brasileira. Eu posso editar o que eu quiser, até obra pornográfica se eu quisesse, a Constituição me permite. As revistas que eu publiquei ou dirigi podiam reportar o que bem desejasse, porque também a Constituição permite. O senhor não pode me perguntar sobre isso. Isso nada tem a ver com o processo. 
Então eram perguntas desse naipe. As perguntas chegavam a ser também sobre quais eram minhas relações pessoais com importantes dirigentes do PT, como o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente Lula. E poucas perguntas concretas sobre o processo. Durou menos de uma hora meu depoimento em Brasília. 
Eu jamais tinha sido convidado ou intimado a depor a respeito desse processo. Aliás, eu soube que havia um inquérito a esse respeito, no qual alguns dos investigados citavam o meu nome, e eu pedi ao meu advogado que dissesse ao Ministério Público em Curitiba, que eu estava à disposição para responder à pergunta que fosse necessária. E jamais...
Você se colocou à disposição? 
Eu tenho endereço fixo, moro na mesma casa, com idas e vindas, mas é a casa onde minha família mora há mais de 40 anos. Residência mais fixa do que isso, impossível. Eu sou uma pessoa com atividade profissional pública, sou facilmente localizável. Não havia qualquer necessidade desse tipo de condução coercitiva, ainda mais se tratando de um caso ocorrido há 12,13 anos atrás.
Que pessoa que tivesse cometido um delito manteria provas por 12,13 anos, com dois anos de percurso já da Lava Jato? Não tem nenhum cabimento. Só havia uma razão para a condução coercitiva ou para a prisão preventiva do senhor Ronan Maria Pinto, que era o empresário do ABC que também foi réu no processo, ou para a prisão temporária do Silvio Pereira, que foi secretário geral do Partido dos Trabalhadores até 2005. O único motivo era o espetáculo. Não havia nenhuma justificativa. Tanto é assim que, numa rara decisão revisional, o TRE, o Tribunal Regional de Porto Alegre, revogou a prisão temporária do empresário Ronan Maria Pinto, coisa que nunca tinha ocorrido até então.
Todas as prisões preventivas decretadas pelo juiz Sérgio Moro foram mantidas. Mas nesse caso foi revogada, porque não havia qualquer base material para isso.
Ou seja, do nada você pega um caso que foi uma lenda, inclui sem ter necessidade de ter necessidade de acrescentar nenhum elemento novo...
E tanto é assim que, se na inicial do Ministério Público havia como objetivo central do processo esse vínculo entre a extorsão do empresário e o empréstimo, e com o assassinato do Celso Daniel, na denúncia apresentada que nos tornou réus, e depois, nas alegações finais, desaparece o assunto Celso Daniel e o assunto extorsão.
E o que entra lá?
Entra uma acusação de lavagem de dinheiro, que não explica o motivo, que não explica a razão, que diz claramente que não sabe porque que teria acontecido aquilo. São 36 páginas, um processo com esse espetáculo todo, terminou com uma alegação final de 36 páginas, no qual a citação a mim são seis linhas. 
Ou seja, o rato efetivamente pariu a montanha. Ou nesse caso concreto, ao invés da montanha parir um rato, o rato pariu a montanha.
Você vai entrar com uma ação?
Isso está sendo estudado pelos meus advogados, porque nós ainda não temos a sentença transitada em julgado. Teoricamente o Ministério Público pode recorrer ao Tribunal Regional Federal em Porto Alegre, o TRF-4. Podem eventualmente fazer uma revisão das penas, pra cima ou pra baixo. 
No meu caso eles podem até transformar a absolvição em culpa. E nos outros casos podem transformar aqueles que foram condenados em inocentes ou reduzir suas penas. Não foi transitado em julgado, no linguajar jurídico.
Os advogados analisam que procedimento adotar. Vamos lembrar que a legislação brasileira tem uma forte garantia a juiz e procuradores. Nenhum juiz, nenhum procurador pode ser processado individualmente por decisões incorretas na interpretação da lei. 
Essa lei de abuso de autoridade é genérica e permite essa...
Não. Nenhum juiz pode ser condenado pela interpretação da lei. Isso faz parte de uma das garantias de independência da magistratura.
Então o réu, falsamente acusado, falsamente denunciado, e que teve um dano concreto, material ou moral, de imagem ou efetivo em função de uma denúncia, no limite, fraudulenta, ou se não fraudulenta, uma denúncia sem qualquer corroboração dos fatos, sem qualquer cautela por parte do Ministério Público, este réu, só lhe resta um recurso indenizatório contra o Estado. E isso, como a gente sabe, é um recurso de longo prazo, que passa obrigatoriamente por todas as instituições judiciais e que costuma demorar muito.
Não acontece nada com quem comete o abuso e não existe um mecanismo de reparação à injustiça do Estado efetivo no país. Nem na forma do direito de resposta, nem na forma da reparação material.
Como a televisão deu sua absolvição?
Cumpriram o protocolo. Os impressos foram corretos. O Estadão e a Folha [de S. Paulo] deram uma boa entrevista. O problema foi no Jornal Nacional e nos demais telejornais da rede Globo, que na época da acusação da condução coercitiva deram imenso destaque durante dias seguidos, deram-se ao trabalho de pegar uma entrevista minha à própria Globo News e passavam em câmera lenta, enquanto repetiam as acusações contra mim. Era uma cena de exposição do tipo 'guardem a cara desse cidadão'. Na absolvição deram uma nota com fotografia, num caso, uma nota coberta no outro, sem maior destaque. Cumpriram o protocolo.
Não caberia, propriamente, direito de resposta em relação à mídia. Quando eu falo aqui em direito de resposta é, o Estado tem que, na minha opinião, oferecer aos cidadãos que são injustamente acusados, ou que cumprem injustamente penas, não apenas a possibilidade da reparação material, mas também da reparação moral, a imagem.
Ou seja, deveria haver mecanismos pelos quais um cidadão ou uma cidadã falsamente acusados possam ter sua inocência publicamente chancelada.

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