DELAÇÃO, NOTÍCIA DE JORNAL, CONDENAÇÃO: Elementar, meu caro
Watson!
A Sentença da Ação Penal
5046512-94.2016.4.04.7000/PR, em trâmite na 13ª Vara Criminal da Justiça
Federal de Curitiba, proferida em 12 de julho de 2017, encerra uma importante
fase da mais longa novela com enredo jurídico da maior rede de televisão do
Brasil.
A partir de delação de um doleiro já conhecido
de outras passagens da autoridade judiciária que proferiu a sentença em
comento, foi desenvolvida uma trama ardilosa, indutora de comportamentos
sociais de arredios a agressivos, escandalosamente destinada à desestabilização
política do País, com claro protagonismo dos “inquisidores do bem” de Curitiba,
por meio de uma unidade de ação entre Polícia Federal, Ministério Público
Federal e Magistratura nunca antes ocorrida na história dos países civilizados
e verdadeiramente democráticos.
Mesmo sem dizer ou assumir claramente, olhando
em retrospectiva, não resta dúvida de que muito antes do oferecimento da
denúncia específica, o alvo sempre foi LULA. Não foram poucos - do início da
operação até a denúncia - os comentários laterais no rádio e na televisão,
enxurradas de mensagens nas redes sociais enviadas por robôs virtuais e humanos
alimentando a expectativa de chegar a LULA com frases referência como “ir a
fundo”, “passar o país a limpo”, “atingir os poderosos”.
Esse clima de laboratório foi meticulosamente
montado, executado e monitorado pelo noticiário impresso, radiofônico e
televisivo, com suporte substancial das redes sociais.
Tudo foi encaminhado de modo a “naturalizar” o
oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, anunciada em coletiva de
imprensa em luxuoso hotel, cujo ápice foi a apresentação do inesquecível
PowerPoint com sinalizadores de todas as laterais em direção ao centro com a
identificação de LULA.
Esse peculiar documento, contudo, é um
infográfico sintetizador das informações decorrentes de papéis e gravações
organizadas para conferir uma visão estruturada desse acúmulo. O resultado é a
aparência, a sensação de muita evidência e prova de comportamento anormal. É o
resultado máximo esperado pelos condutores das investigações e denúncias,
porque causa evidente impacto.
O cenário e o ambiente estavam montados para
finalmente “o personagem mocinho-acadêmico - palestrante-ativista social- juiz”
atuar.
A partir da denúncia começou a ser estudada a
possibilidade de gerar a tecnologia de interpretação apresentada neste artigo
com aplicação na Sentença da Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000/PR,
Dentre as inúmeras situações e circunstâncias
desse episódio que coloca em xeque a consciência jurídica do país ao desprezar
os mais elementares fundamentos do Estado Democrático e Social de Direito, um
aspecto – inicialmente - lateral em relação a essas agressões substanciais ao
ordenamento jurídico me intrigava: a quantidade de papéis, depoimentos,
gravações de voz e imagens geradas pelas apurações, vazadas ou fornecidas com
precisão cirúrgica de narrativa, de maneira a manter a coerência do enredo do
começo ao fim.
Observando com maior concentração esse
movimento constatei que a acusação trabalha com suporte considerável de um
computador muito poderoso no tratamento de muitos documentos para conferir a
eles certa racionalidade discursiva.
Estava explicado como os protagonistas
judiciários com intensa vida social conseguiam exibir tão eloquente
produtividade.
Com esse referencial, comecei um percurso de
conversas com físicos e matemáticos ligados a tecnologia sobre a possibilidade
de responder ao robô da acusação, no intuito de checar a consistência da
convicção do Ministério Público com os fatos.
Após uma longa rodada de nivelamento de
informações, checagem de linguagem e experimentos, a ferramenta ficou pronta,
testada e aprovada, um mês antes da prolação da sentença do caso LULA.
Essa tecnologia (legal reading) é um algoritmo
de inteligência artificial (deep learning) para interpretação de textos com
propriedade intelectual exclusiva, registrada em 60 países. Por isso, fácil de
ser auditada.
A tecnologia extrai de grandes volumes de
textos, relações de causas e efeitos dos temas, conexões entre fatos, pessoas e
entes que necessitariam grandes equipes, dispêndio de tempo - muitas vezes
incompatíveis com os prazos processuais - e análise sujeitas a equívocos
naturais de interpretação.
Essa tecnologia permite ler em segundos
milhares de textos e criar uma estrutura hierárquica entre assuntos e
subassuntos, organizando todas as suas partes. Além de organizar textos,
permite encontrar a relação causal entre pessoas, entes e fatos, suas conexões
diretas ou indiretas, assim como o respectivo peso dado a cada uma das partes.
Ao final, ela cria um mapa visual interativo (organograma) que permite em segundos
a compreensão geral do conteúdo. Permite, portanto, analisar a tese lógica
formulada pela parte, Ministério Público ou Juiz, para validar se o racional de
suas conclusões está ancorado em fatos, hipótese ou ilações. O organograma
feito pelo robô, similar ao PowerPoint, ajuda a conduzir a linha de pensamento
e a tese na interpretação do magistrado.
Aplicando essa tecnologia na longa - 238
páginas, 29.567 palavras - Sentença da Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000/PR,
encontramos o seguinte quadro de relações diretas e indiretas:
Em que pese o disfarce das páginas excessivas,
a sentença não consegue estabelecer vínculo direto de LULA com nada, senão com
o delator. A relação direta com o acervo presidencial e seu armazenamento foi
descartada pelo próprio juiz por falta de provas.
Outro aspecto que merece destaque, diz
respeito à volumetria da sentença, isto é, a proporção de citações. A Petrobras
foi citada 252 vezes, o Condomínio Solaris 75, Lula 395, Leo Pinheiro 156 e o
Grupo OAS 367. Ou seja, Grupo OAS e Leo Pinheiro correspondem a 523 citações,
132% acima de Lula.
No que se refere a correlações de grupos, a sentença
enfatiza que a conexão com a Petrobras, no menor caminho, se dá em nível
terciário, predominando o nível quaternário, o que evidencia a incompetência da
13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para julgamento do caso.
Com a relação da Petrobras caracterizada
preponderantemente de forma quaternária, a identificação de única imputação
direta com a Delação - cuja legislação de regência impede sua admissão como
única prova -, restou à autoridade judicial a busca de prova para afastar-se
deste óbice. A saída encontrada no cipoal de floreios foi fundamentar a
condenação em matéria jornalística mencionada oito vezes na decisão. Ou seja,
em prova nenhuma.
A Sentença é tecnicamente frágil, em que pese à
ostentação. Algumas particularidades, entretanto, devem ser destacadas. A
decisão, como frisado, tem 238 páginas. O relatório vai da página 2 a 10, a
fundamentação - lastreada na matéria de jornal - da página 10 a 225, o
dispositivo, as demais páginas.
O curioso e verdadeiramente inacreditável é a
autoridade judicial consumir aproximadamente 20% da sentença (da página 10 à
55) para ataques políticos e ideológicos ao Réu e seus advogados de defesa, em
evidente demonstração de perda completa e absoluta da imprescindível
imparcialidade do julgador, sabidamente indispensável requisito do julgamento
justo nos moldes preconizados pelas mais expressivas manifestações de Direito
Internacional.
As nulidades e os defeitos processuais no caso
em referência são evidentes, mas o que sustenta o movimento frequente do moinho
que dá curso permanente ao noticiário para abafar as transgressões jurídicas
estruturais do Estado Democrático e Social de Direito é a manipulação de
matrizes tecnológicas de inteligência artificial que asseguram ao final de cada
dia a vitória sobre a narrativa do processo. Assim, com fundamento em matéria
de jornal condena-se LULA.
___________
* Advogado, Mestre (PUC-SP) e Doutor (USP) em
Direito, Professor Titular de Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Direito.
Fonte: Conversaafiada
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