Proposta de
extinção da Unila é 'retrocesso inominável', diz ex-reitor
Marco
Weissheimer | Sul21 | Porto Alegre - 24/07/2017 - 15h18
Helgio Trindade fala sobre os objetivos que
embasaram a criação da Unila, alguns dos resultados conquistados pela
universidade até aqui e sobre a ameaça que paira agora sobre a instituição
A proposta de emenda aditiva à Medida Provisória
785, apresentada pelo deputado federal Sergio Souza (PMDB-PR), propondo a
extinção da Universidade Federal de Integração Latino-Americana (Unila) e a
criação, no lugar desta, da Universidade Federal do Oeste do Paraná é um
retrocesso inominável e uma interferência, não só na autonomia universitária,
como na autonomia do próprio Ministério da Educação, que não solicitou ao
governo qualquer medida neste sentido.
A avaliação é do professor Helgio Trindade,
ex-presidente da Comissão de Implantação da Unila (2008-2009) e ex-reitor da
Unila (2010-2013), que define também como “estapafúrdia” e “inaceitável” a
proposta apresentada pelo parlamentar paranaense.
Em entrevista concedida por e-mail ao Sul21, Helgio Trindade fala sobre os objetivos que
embasaram a criação da Unila, alguns dos resultados conquistados pela
universidade até aqui e sobre a ameaça que paira agora sobre a instituição.
“A Unila instalou-se no território do estado do
Paraná pelo fato de existir uma tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e
Paraguai onde ela foi sediada. Ela não foi concebida como uma universidade do
Paraná, inclusive porque seus dirigentes nunca foram escolhidos pelo governo
federal por critério regional”, assinala o ex-reitor.
Sul21: A Unila
foi criada em 2010 voltada para o fortalecimento da integração
latino-americana, com ênfase no Mercosul, por meio do conhecimento
humanístico, científico e tecnológico, e da cooperação entre as instituições de
ensino superior. Na sua avaliação, qual o balanço da atuação da Unila nestes
sete anos de vida? A universidade conseguiu avançar na direção das metas
originalmente concebidas para ela?
Helgio Trindade: O projeto da Unila foi a alternativa brasileira ao fracasso da proposta anterior de uma universidade do Mercosul, vetada pelo Paraguai e Uruguai. A ideia do governo Lula foi a de criar então uma universidade federal brasileira, com vocação internacional. Para tanto foi encaminhado ao Congresso Nacional um projeto de lei em 2008 propondo uma concepção inovadora de universidade, bilíngue e interdisciplinar, integrada por alunos da América Latina, da Argentina ao México, embora sua primeira turma de alunos tenha sido dos países do Mercosul.
Helgio Trindade: O projeto da Unila foi a alternativa brasileira ao fracasso da proposta anterior de uma universidade do Mercosul, vetada pelo Paraguai e Uruguai. A ideia do governo Lula foi a de criar então uma universidade federal brasileira, com vocação internacional. Para tanto foi encaminhado ao Congresso Nacional um projeto de lei em 2008 propondo uma concepção inovadora de universidade, bilíngue e interdisciplinar, integrada por alunos da América Latina, da Argentina ao México, embora sua primeira turma de alunos tenha sido dos países do Mercosul.
Esse projeto tramitou durante dois anos por todas
as comissões da Câmara e do Senado e em dezembro de 2009 foi aprovado por
unanimidade, sem nenhuma alteração no texto original, e sancionado pelo
presidente Lula em janeiro de 2010 quando, após ter presidido a comissão de
implantação da Unila que transformou a utopia em um projeto universitário
inovador, fui nomeado seu primeiro reitor.
Tive a responsabilidade de implementar o projeto da
Unila até setembro de 2013, quando solicitei minha demissão por razões de saúde.
Neste período selecionamos o primeiro contingente de alunos latino-americanos,
a metade oriunda do Brasil, nos termos da lei, (90% vindos da escola pública) e
a outra metade proveniente da Argentina, Paraguai e Uruguai.
Divulgação
Helgio Trindade, ex-reitor da Unila: proposta representa um retrocesso inadmissível
Helgio Trindade, ex-reitor da Unila: proposta representa um retrocesso inadmissível
Durante meu mandato, a Unila cumpriu seus objetivos
previstos no projeto no recrutamento latino-americano de alunos e professores
com um ciclo comum aos alunos de todos os cursos com ênfase em Estudos
Latino-americanos, línguas estrangeiras e Metodologia em ensino e pesquisa, bem
como a estrutura institucional formada por institutos em Ciências e Humanidades
e Centros Interdisciplinares, evitando os feudos das tradicionais faculdades de
Direito, Medicina e Engenharia embora essas áreas fossem contempladas de outras
formas dentro da universidade.
Nesta perspectiva, o Instituto Mercosul de Estudos
Avançados (IMEA) e as Cátedras Latino-americanas foram instituídas, para
oferecer diretrizes aos cursos de graduação e pós graduação e vieram alunos de
todos os países da América do Sul com apoio entusiástico dos respectivos
ministérios de educação, com financiamento brasileiro. Sobre os últimos quatro
anos, as linhas básicas do projeto foram continuadas. O numero de alunos é de
2.000, além de cursos em todas as áreas de conhecimento já estão em pleno
funcionamento. Vários programas de pós-graduação em nível de mestrado. Não
tenho condições de avaliar, à distância, o grau de fidelidade ao projeto
original.
S21: O
deputado federal Sergio Souza (PMDB-PR) apresentou a proposta de extinguir a
Unila e criar em seu lugar a Universidade Federal do Oeste do Paraná, com uma
ênfase voltada para o agronegócio e a agroindústria. Qual sua avaliação sobre
essa proposta?
HT: Considero um retrocesso inadmissível. A Unila instalou-se no território do estado do Paraná pelo fato de existir uma tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai onde ela foi sediada. Ela não foi concebida como uma universidade do Paraná, inclusive porque seus dirigentes nunca foram escolhidos pelo governo federal por critério regional: o primeiro reitor era do Rio Grande do Sul e seu vice da Universidad de la Republica del Uruguay, caso único de escolha de um reitor estrangeiro pela vocação da Unila.
HT: Considero um retrocesso inadmissível. A Unila instalou-se no território do estado do Paraná pelo fato de existir uma tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai onde ela foi sediada. Ela não foi concebida como uma universidade do Paraná, inclusive porque seus dirigentes nunca foram escolhidos pelo governo federal por critério regional: o primeiro reitor era do Rio Grande do Sul e seu vice da Universidad de la Republica del Uruguay, caso único de escolha de um reitor estrangeiro pela vocação da Unila.
Além do que, o projeto da Unila foi aprovado com
voto de todos os partidos que apoiavam o governo e também da oposição incluindo
os senadores e deputados federais paranaenses, inclusive o senador Álvaro Dias,
que foi o primeiro a defender essa estapafúrdia ideia agora encampada pelo
deputado Sergio Souza.
S21: Essa
proposta (que é uma emenda aditiva a uma Medida Provisória) não fere o
princípio da autonomia universitária?
HT: No Brasil, diferentemente da maioria dos países latino-americanos (como México, Argentina e Uruguai, entre outros), o artigo constitucional (Artigo 207 da Constituição Federal de 1988) que consagra a plena autonomia da universidade não foi ainda regulamentado. Daí que o MEC pode, com suas políticas públicas, definir as regras das Instituições Federais de Educação Superior (IFES). Esta MP e seu aditivo estão, na realidade, interferindo na autonomia do próprio MEC que, ao que se sabe, não solicitou ao governo nenhum MP com este objetivo.
HT: No Brasil, diferentemente da maioria dos países latino-americanos (como México, Argentina e Uruguai, entre outros), o artigo constitucional (Artigo 207 da Constituição Federal de 1988) que consagra a plena autonomia da universidade não foi ainda regulamentado. Daí que o MEC pode, com suas políticas públicas, definir as regras das Instituições Federais de Educação Superior (IFES). Esta MP e seu aditivo estão, na realidade, interferindo na autonomia do próprio MEC que, ao que se sabe, não solicitou ao governo nenhum MP com este objetivo.
Seria, pois, insólito e um retrocesso inominável que,
através de uma emenda aditiva a uma medida provisória, um deputado federal
paranaense, de “carona”, tente por em xeque um projeto de lei aprovado por
unanimidade pelo Congresso Nacional.
(*) Publicado
originalmente em Sul21
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