Impopular, suspeito de
corrupção e à frente de controversas reformas, Michel Temer tem sido poupado de
grandes manifestações.
Um presidente extremamente
impopular que tenta aprovar reformas rejeitadas pela maioria da população;
escândalos de corrupção envolvendo diretamente o próprio ocupante do Planalto;
economia que dá sinais apenas tímidos de recuperação; apoio parlamentar sendo
largamente negociado com verbas e loteamento de cargos; pesquisas que apontam
que a maioria da população deseja eleições diretas.
Diante de cenários com bem
menos elementos, os ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff tiveram que
enfrentar multidões que foram às ruas do Brasil para pedir suas cabeças.
Por que então Michel Temer,
que foi gravado em uma conversa comprometedora com um empresário, e amarga
popularidade de apenas 7% (segundo último levantamento do Datafolha) não está
sofrendo com grandes protestos tal como ocorreu com seus antecessores?
Temer enfrentou em seu
governo algumas manifestações convocadas por centrais sindicais contra as
reformas ou concentrações de apoio à Lava-Jato. Mas todas as iniciativas
tiveram adesão que ficou longe dos números registrados ao longo de 2015 e
início de 2016. Uma greve geral organizada no final de junho acabou sendo um
evento esvaziado, mesmo após a apresentação da denúncia criminal contra o
presidente. Mais de 2.500 policiais foram convocados para acompanhar
manifestantes em Brasília, mas pouca gente apareceu.
O mesmo se repetiu nos dias do
julgamento da Chapa Dilma-Temer pela Justiça Eleitoral, no julgamento pelo
Supremo sobre a permanência de Edson Fachin como relator da delação da JBS e
após a divulgação do fim da força-tarefa da Polícia Federal em Curitiba que se
encarregava dos casos da Lava Jato.
Fadiga?
O silêncio das ruas tem
chamado a atenção da imprensa internacional. O jornal Süddeutsche Zeitung, da
Alemanha, chegou a publicar em junho que é "surpreendente que não haja
milhões nas ruas para exigir a saída de Temer.” Sensação de "fadiga” e
"apatia” foram algumas das palavras usadas por jornais estrangeiros para
explicar a passividade das ruas diante dos escândalos e da insatisfação com o
governo.
À DW Brasil, o brasilianista
Peter Hakim, presidente emérito do Inter-American Dialogue, com sede em
Washington, opina que "fadiga” não é a definição mais precisa para
explicar o que está acontecendo. "Não é que as pessoas não queiram
protestar, mas elas estão sendo desencorajadas pela conjuntura”, afirma.
Segundo Hakim , muitos que
protestaram contra Dilma desejam a saída de Temer, mas agora hesitam em sair,
porque isso pode beneficiar o PT e Lula – aqueles que foram originalmente alvo
de protestos.
"A polarização da
sociedade continua a desempenhar um papel que impede as pessoas de se unirem.
Já o PT e parte da esquerda que convoca protestos transformam regularmente seus
atos em um ‘volta, Lula', e não em um ‘Fora, Temer' ou algo que aponte para uma
solução política eficaz que seja capaz de atrair mais pessoas”, completa o
brasilianista.
Ainda de acordo com Hakim,
isso cria um efeito em que "muitas pessoas acabam ficando com a sensação
de que a ação política não está resolvendo a situação”. "Não há liderança,
não há ninguém que seja capaz de apresentar uma direção ou novas ideias. As pesquisas
mostram que a maioria das pessoas quer eleições diretas, mas fica claro que elas
também não sabem o que vai acontecer na sequência. Nesse meio tempo, ninguém
quer fazer algo que acabe beneficiando o outro lado.”
Agenda oculta
Entre os principais
movimentos que pediram a saída de Dilma em 2015 e 2016, a mensagem adotada nas
convocações dos protestos esvaziados deste ano tem, por enquanto, passado longe
de um "Fora, Temer”, sendo substituída pela defesa da Lava-Jato e repúdio
às medidas de anistia para políticos envolvidos com corrupção.
Já o lado que defendeu Dilma
tem mostrado oficialmente repúdio às reformas de Temer e pedido eleições
diretas para presidente. Mas os eventos muitas vezes se transformam em palco
para comícios do ex-presidente Lula, que não esconde o desejo de voltar ao
poder.
Segundo o professor de gestão
de políticas públicas Pablo Ortellado, da USP, a explicação para a falta de
protestos mais incisivos pode ser explicada também pelo comprometimento e
agenda de interesses das lideranças que têm a influência para fazer grandes
mobilizações.
"Não acho que seja
fadiga, não há uma pesquisa que não demonstre insatisfação. O que parece claro
é que as lideranças que conquistaram legitimidade para mobilizar manifestações,
seja na esquerda ou na direita, não estão se empenhando na organização de novos
protestos”, diz.
Segundo Ortellado, essas
lideranças de ambos os lados "estão altamente comprometidas com o sistema
político, que naturalmente não está interessada em manifestações”.
"É preciso muito esforço
para mobilizar, são os poucos os grupos que conseguem fazer isso. Mas
justamente esses atores têm feito pouco ou nenhum esforço. As lideranças dos
grupos que pediram a saída de Dilma deixaram claro que defendem as reformas
econômicas de Temer, então não querem que o presidente saia.”
"Já na esquerda petista
e nos sindicatos ligados ao partido, a falta de empenho ficou nítida na última
e esvaziada greve geral", continua o especialista. "Esses grupos
adotam um discurso oficial de ‘Fora, Temer', mas é possível especular que a
manutenção do presidente interessa aos políticos aos quais eles são ligados.
Quanto mais impopular Temer fica, mais Lula conquista a preferência do
eleitorado. Então é interessante que eles deixem Temer sangrando até 2018. O
presidente atual também está empenhando em fazer reformas similares àquelas que
a própria Dilma propôs no final do seu governo. Dessa forma, também é
conveniente deixar outro presidente enfrentar o desgaste de aprová-las.”
Histórico
Em maio, logo depois da
divulgação da delação do empresário Joesley Batista, da JBS, que acabou
rendendo ao presidente uma denúncia por corrupção, os movimentos de direita Vem
Pra Rua (VPR) e Movimento Brasil Livre (MBL) chegaram a convocar um ato em São
Paulo contra o presidente. Mas esses movimentos que tanto se esforçaram para
encher as ruas contra Dilma logo voltaram atrás e cancelaram a manifestação.
A justificativa foi que a PM
não poderia garantir a segurança – a decisão contrastou com o ato que foi
convocado em cima da hora em março de 2016 logo após a divulgação de um grampo
de um diálogo entre o ex-presidente Lula e Dilma. Dias depois da divulgação do
escândalo envolvendo Temer, o MBL recuou da sua posição de pedir a renúncia do
presidente.
Oficialmente, até agora o VPR
é o único que abraçou publicamente o "Fora, Temer”. O grupo chegou a
anunciar um site com um mapa da intenção de voto de cada deputado em relação à
denúncia criminal contra Temer. Por outro lado, uma convocação para protestos, com
o slogan genérico de "contra a impunidade”, só foi marcada para o distante
27 de agosto, quando se espera que a denúncia já tenha sido votada pela Câmara.
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