18/07/2017 16:05 - Copyleft
The Intercept BrasilVídeo: Naomi Klein e Jeremy Corbyn debatem o mundo que queremos
Confira aqui o bate-papo entre duas das mais importantes figuras da esquerda anglo-saxã sobre como chegarmos ao mundo que nós queremos
Naomi Klein: Jeremy Corbyn, que maravilhoso te encontrar novamente. A última vez que nos vimos foi em Paris, durante a Conferência do Clima.
Jeremy Corbyn: Foi durante a Conferência do Clima. Foi uma noite úmida e tormentosa. Mas que reunião maravilhosa tivemos, com pessoas maravilhosas.
NK: Está sendo extraordinário estar aqui no Reino Unido esta semana e ver o espaço político que você criou. E ver que agora os Tories estão tentando se valer de alguns dos seus projetos, se mexendo para tentar atrair os jovens, falando em acabar com as anuidades das universidades.
JC: Bem, justiça social não está protegida por direitos autorais, então tudo bem.
NK: Queria conversar sobre esse momento extraordinário em que o projeto iniciado por Thatcher neste país, e por Reagan nos Estados Unidos – o tal consenso que, na verdade, nunca foi um consenso -, a guerra à coletividade está desmoronando. Mas é também um momento perigoso, de vácuo ideológico, porque ideias perigosas também estão surgindo. Então, qual o plano para garantir que as ideias progressistas e benéficas ocupem esse vácuo?
JC: Eu acho que o sentimento de confiança está crescendo, principalmente entre os jovens, que são os que podem fazer alguma coisa, e o futuro pertence a eles. E também entre todos aqueles que… As certezas trazidas por um sistema de verdadeiro bem-estar, a segurança do bem-estar, é por isso que estamos lutando.
Acabamos de sair de uma campanha de eleição geral, que começamos numa situação política muito difícil e terminamos ganhando três milhões de votos a mais do que em 2015. Foi o melhor resultado do Partido Trabalhista em muitas décadas.
Houve uma grande guinada pró-trabalhista, mas não foi o suficiente, infelizmente, para formar maioria no Parlamento. Então, agora vivemos um momento de grande sentimento de confiança entre os que fizeram campanha pelo fim da desigualdade salarial no setor público, por mais investimentos nos serviços públicos, uma grande confiança. E um alto nível de incertezas por parte da direita e do Partido Conservador.
NK: Minha impressão é que o que sua campanha fez foi provar que quando você apresenta suas ideias, sua visão ousada de um mundo que nós queremos – não apenas como uma oposição à austeridade, sabe? Não apenas um “não”, mas principalmente uma visão de um mundo que poderia ser bem melhor do que nós temos. E isso empolga as pessoas.
JC: Com certeza, a mensagem mais forte da campanha eleitoral… Falei isso em vários comícios e eventos que organizamos: “Olhem em volta, olhem a multidão. Olhem uns para os outros. Vocês são todos diferentes. São todos únicos. São todos indivíduos. Têm trajetórias, línguas diferentes. Comunidades étnicas diferentes. Mas vocês estão todos unidos. Unidos em prol do que querem em termos de coletividade para a sociedade”. E eu acho que a campanha eleitoral foi uma mudança de rumo, saindo do individualismo supremo da direita em direção à ideia de que somos uma sociedade melhor quando pensamos no bem coletivo.
NK: E como fica a visão de mundo após a vitória? Qual a importância disso?
JC: É crucial apresentarmos nossa visão de mundo. Trata-se de agir para lidar com questões como injustiça, desigualdade, pobreza e, acima de tudo, esperança e oportunidade para os jovens. Esperança de ir à faculdade, à universidade; oportunidade de conseguir um emprego decente. Trata-se também de pensar em como contribuiremos para o resto do mundo e como vamos nos relacionar com o resto do mundo.
Eu quero uma política externa que tenha por base os direitos humanos, o respeito à lei internacional, a identificação das causas das ondas de refugiados, das causas da injustiça em todo o mundo. Estamos trabalhando para isso. E, de fato, ocorreram coisas horríveis durante a campanha eleitoral. Logo antes da eleição começar, teve um ataque em Westminter e no Parlamento. Depois, foi a terrível bomba em Manchester. E também um ataque em Londres, na London Bridge.
NK: E você praticamente cometeu uma heresia política ao falar de algumas das causas disso tudo. Mesmo assim, as pessoas pararam para ouvir.
JC: De maneira nenhuma estou minimizando o horror do que aconteceu ou as coisas terríveis que esses indivíduos fizeram. Mas eu só disse que temos que olhar para o contexto internacional no qual esse tipo de coisa foi crescendo. E lembro como se fosse ontem de falar, em 15 de fevereiro de 2003…
NK: É muito importante, nesse momento, que os norte-americanos entendam que você conseguiu falar sobre isso, e que as pessoas pararam para ouvir porque elas sabem que é verdade. Nós não sabemos o que vai acontecer durante o governo Trump. Mas sabemos que Donald Trump tem toda a intenção de tirar vantagem de qualquer crise levar adiante seus projetos extremamente reacionários e xenófobos. Ele tentou até explorar os ataques de Manchester, dizendo que isso tinha acontecido por conta de imigrantes cruzando nossas fronteiras. Tentou se beneficiar do ataque à London Bridge, dizendo que era por isso que precisávamos proibir muçulmanos de entrar nos Estados Unidos.
JC: E ele também insultou o prefeito de Londres, que é o primeiro muçulmano eleito para um cargo importante na Europa Ocidental. As pessoas ficaram furiosas por conta das palavras que ele usou para falar de Sadiq Khan.
NK: O que você tem a dizer a alguns líderes mundiais que acham que não podem fazer muita coisa para fazer frente a Trump? Sabe, talvez até eles bolem um meme sacana ou algo assim. Mas basicamente vão acolher Trump de braços bem abertos. Qual você acha que deve ser a postura de outros líderes mundiais que querem defender valores progressistas neste momento?
JC: Bem, eu acho que eles têm que se encontrar com Trump e debater com ele, como fariam como qualquer outro líder. Eu fiquei chocado com a linguagem usada por ele durante a campanha eleitoral – sobre mulheres, muçulamanos e mexicanos, sobre outras pessoas que fazem parte da sociedade. Também fiquei horrorizado com as palavras usadas para falar das discussões da Conferência do Clima de Paris. São problemas globais muito, muito sérios. Que tipo de mundo vamos deixar no futuro? O que estamos fazendo com esse planeta? E ele achou que seria uma boa oportunidade para promover indústrias poluidoras.
NK: No caso, ele disse inclusive que ia negociar um acordo melhor.
JC: Bem, não sei direito o que ele quer dizer com “acordo melhor”, seria um debate interessante. Mas tendo trabalhado, como você trabalhou, por muito tempo com essas questões, o fato da Índia e da China terem finalmente, numa negociação formal, concordado com a ideia de que deve haver limites para as emissões, para a poluição. Os Estados Unidos também terem concordado com isso no governo Obama e agora desistirem no governo Trump, é algo muito triste.
NK: Mas como eles estão sendo tão desonestos nessa questão do clima, acho que há um senso de responsabilidade que está levando todo o resto a fazer mais neste momento. Não é apenas: “Ok, ele baixou tanto o nível que, em comparação, qualquer um fica bem na foto”. Estamos vendo muitos exemplos disso. Estamos vendo – inclusive nos Estados Unidos, estamos vendo cidades chamarem para si a responsabilidade, dizendo que vão acelerar a transição para energias renováveis. Internacionalmente isso também vem acontecendo.
JC: Eu acho que a imagem dos Estados Unidos está sendo frequentemente apresentada como a imagem do que Donald Trump diz todo dia. Enquanto que, no mundo real, veja quantos empregos na área de energia renovável a Califórnia cria sozinha, são centenas de milhares. Veja o aumento de sistemas de energia renovável nos Estados Unidos, quantos estados e cidades levam a sério a proteção do meio-ambiente e contenção das mudanças climáticas.
NK: Queria falar um pouco sobre como meus amigos nos Estados Unidos estão se sentindo neste momento. Você foi uma fonte de inspiração com sua campanha eleitoral e sua ascensão à liderança do Partido Trabalhista.
Tenho que lhe dizer que as pessoas estão se sentindo meio desestimuladas nos Estados Unidos. São contra Trump, mas também contra um Partido Democrata que não quer saber de saúde pública, de acesso universal à saúde. Parece que querem continuar a traçar o que eles veem como um caminho seguro de centro. Mas o que a gente vem observando é que não é nada seguro, é um caminho errado. Não tratam da demanda urgente por bons empregos, por educação pública e gratuita, por uma saúde acessível. O que você tem a dizer para essas pessoas que apoiaram Bernie [Sanders] e agora estão se sentindo muito frustradas?
JC: Bernie me ligou no dia seguinte à eleição. Eu estava meio dormindo, assistindo a alguma coisa na TV. E Bernie me ligou para dizer: “Parabéns pela campanha. Fiquei interessado nas suas ideias. De onde você as tirou?” E eu disse: “Então, foi de você, na verdade”.
O que eu diria para as pessoas: não desanimem. No fim das contas, seres humanos sempre querem fazer as coisas juntos. Querem coletividade. E esse é o tipo de sociedade que estamos tentando construir. Começamos a campanha numa situação política muito delicada e divulgamos um manifesto com uma abordagem coletiva, bem específico nas suas intenções, defendendo o fim das anuidades, o aumento do salário mínimo, e o resultado foi o maior aumento de votos no nosso partido desde a Segunda Guerra Mundial. Ganhamos o apoio e a participação de um número muito grande de pessoas. Não ganhamos a eleição. Eu queria que tivéssemos ganhado. Mas conseguimos mudar o debate da campanha, do mesmo modo que a candidatura do senador Bernie Sanders nas primárias democratas provocou muita mobilização.
NK: Mas você ganhou a liderança do Partido Trabalhista. E essa campanha não foi tão bem-sucedida dentro do Partido Democrata. Você acha que as pessoas têm que continuar lutando pela alma do partido?
JC: Bem, essa é a alma das pessoas, não é?
Não sou eu quem tem que dizer que organizações as pessoas têm ou não têm que ter nos Estados Unidos, até porque o sistema partidário norte-americano é bem diferente.
O que fizemos foi mudar os termos do debate. Mas o outro ponto fundamental, e isso vale para os dois lados do Atlântico, é a estratégia de campanha. Você tem que bater de porta em porta e identificar eleitoras. Isso é fundamental, crucial. Mas se você só é visto pelo prisma da mídia, que tem uma visão bastante de direita e conservadora, o que vai acontecer quando você bater à porta de um eleitor é que você só vai ouvir o eco do que ele ouviu num canal de TV de direita ou pela mídia impressa.
A mídia social, a tecnologia e as técnicas disponíveis nessas redes são uma oportunidade inédita de divulgar sua mensagem. Pense bem, a única coisa que as pessoas que militavam por justiça social na Chicago dos anos 20 podiam fazer era imprimir os próprios jornais, se pudessem pagar por isso, fazer panfletos e distribuí-los na fila do pão. Eu sou da época que você tinha que imprimir seus próprios panfletos e sair distribuindo. Hoje você pode mandar qualquer coisa via mídia social e sua mensagem chega a milhões de pessoas em cinco minutos. As oportunidades estão aí. E não é regulado, não é censurado, não é controlado.
NK: Eu acho que você foi tratado pela mídia e pela elite midiática da pior maneira possível. E mesmo assim, não funcionou. Na verdade, o tiro saiu pela culatra e contribuiu para um sentimento geral de perda de confiança em muitas dessas instituições elitistas.
JC: Acho que é por aí. Depois de um certo tempo, o discurso abusivo da mídia acaba por criar uma curiosidade sobre você.
NK: Você fala em mudar o debate, e isso tem claramente acontecido. Vimos isso no caso da catástrofe da Torre Grenfell, aquela cena de crime. E esse acontecimento terrível está sendo interpretado pela sociedade britânica como uma prova clara de um sistema falido que não valoriza a vida humana, que hierarquiza vidas.
JC: O que ficou exposto foi o estilo de vida moderno e urbano. Esse é o bairro de Londres mais rico do país. É um bairro muito, muito rico. E o conselho do bairro deu um desconto para os maiores pagadores de impostos no ano passado. Deu a eles um presentinho.
NK: O dinheiro de volta.
JC: O prédio tinha algumas centenas de moradores. Alguns deles eram inquilinos do conselho local, do distrito de Kensington e Chelsea. Alguns apartamentos tinham sido comprados de maneira independente, eram sublocados ou sub-sublocados. Ninguém sabia muito bem quem morava no prédio. O sistema inteiro ruiu. O prédio virou fumaça e o resultado foi uma catástrofe, muitas e muitas mortes. Provavelmente nunca saberemos quantas pessoas morreram lá. E a realidade é que foi uma consequência da regulação insuficiente, da desregulação. Foi um inferno na torre de pobres sendo queimados no bairro mais rico do país.
É um alerta para a segurança nos prédios. É um alerta para essa ideia de que se pode viver nesse maravilhoso mercado livre, a Valhalla do futuro, rasgando qualquer tipo de regulação que possa ser um entrave às oportunidades de negócio do setor privado. Então o debate em torno dessa questão amadureceu bastante. Eu fui lá no dia seguinte e passei muito tempo conversando com gente que escapou da torre, com bombeiros, paramédicos, motoristas de ambulância e policiais traumatizados, que se preparavam para entrar no prédio, que estava sendo resfriado após o incêndio, para buscar corpos. Eles são os verdadeiros heróis nisso tudo.
NK: Tem uma parede – que você já deve ter visto – sobre a qual moradores colaram perguntas para as autoridades. E essas perguntas são de cortar o coração. Crianças que perguntam: “Minha escola é segura?”. Tem uma pergunta de uma criança de 10 anos: “Por que precisamos disso para nos unir?”
JC: Essa é uma boa pergunta.
NK: É a mesma lição aprendida a cada período de crise, quando somos testados. Podemos nos fechar e nos voltar uns contra os outros. Vimos muito disso depois do 11 de Setembro nos Estados Unidos, quando muçulmanos foram usados como bodes expiatórios e perdemos muitos das nossas liberdades tanto no nosso país quanto no resto do mundo, com leis draconianas sendo aprovadas. Guerras foram declaradas em nome daquele ataque.
JC: Com certeza, a resposta ao racismo, à pobreza, à desregulação está na força da comunidade e do coletivo. Se Grennfell deixa uma lição, tem de ser essa.
NK: Queria lhe perguntar se tem algum momento específico dessa campanha que você vai lembrar como um momento de esperança, em que você tenha visto o país no qual você gostaria de viver, ou um sinal dele.
JC: Um senhor foi a um comício em Hastings, uma cidade de pescadores na costa sul. Ele tinha 91 anos. Eu brinquei com ele porque tinham me dito que ele tinha 92. E ele me perguntou como eu tinha coragem de dizer que ele tinha 92 se ele só tinha 91. Ele entrou para o Partido Trabalhista em 1945, é membro desde essa época. Muito ativo a vida toda. E ele me falou que este era o período de sua vida em que estava se sentindo mais esperançoso. Me contou que a mãe dele tinha sido uma sufrafista que tinha militado pelo direito das mulheres ao voto na época da Primeira Guerra Mundial. E que o avô dele tinha participado do cartismo em 1850, um movimento que ajudou a trazer alguma democracia à Grã-Bretanha. E eu pensei: esse homem veio a um comício no sábado de manhã com essa idade porque ele está cheio de esperanças para os jovens.
Ficamos marcados como uma campanha cheia de pessoas jovens e idealistas. Claro, tinha mesmo muitos jovens conosco, e muitos deles com ideais e imaginação brilhantes. Tinha também muita gente mais velha que chegou dizendo: “Eu quero algo melhor para meus netos. Quero algo melhor para a sociedade do futuro”. Foi um encontro de muitas pessoas.
NK: Eu queria agradecer muito sua liderança e sua ousadia, porque elas não estão inspirando pessoas só aqui neste país. Acho que estão arrebatando gente do mundo inteiro, pessoas que estão precisando de uma força inspiradora neste momento, e principalmente nos Estados Unidos.
JC: Muito obrigado. Não é só uma questão de mim ou de você como indivíduos. Quando as mentes estão abertas, não há limite para o possível.
Tradução: Carla Camargo Fanha
Créditos da foto: Reprodução
Nenhum comentário:
Postar um comentário