a
cereja no bolo da direita
Eugênio Aragão
Vivemos tempos difíceis de
obscurantismo na política.
Há pouco mais de ano
experimentamos um golpe protagonizado por trombadinhas travestidos de
parlamentares, muitos, como agora vai se comprovando aos poucos, regiamente
pagos para tanto.
Derrubaram uma presidenta
séria e honesta, eleita com mais de 54 milhões de votos. Suas lideranças se
encontram hoje presas ou prestes a ingressar no rol dos culpados por corrupção.
Entrementes o governo
golpista, composto de maioria branca, masculina e sexagenária, derrogou
direitos, passou a tratar com indiferença o discurso de ódio, reprimiu
manifestações e destruiu políticas públicas em todos os setores.
O país está com sua economia
no chão, com taxas recordes de desemprego e com perda de liderança
internacional.
A política externa se resume
a hostilizar governos vizinhos de esquerda e a chaleirar Tio Sam.
Os ativos do país estão sendo
dilapidados sem qualquer retorno para a sociedade.
Povos indígenas e quilombolas
são desrespeitados nos direitos mais comezinhos, como, de resto, toda a
população de baixa renda, que sofre o impacto de um enorme retrocesso nos
investimentos sociais.
Vivemos também um caos
institucional.
Com o escândalo produzido
pelo Procurador-Geral da República, vem à tona o que já há muito se adverte: o
desvio ético de agentes estratégicos do Estado, mais preocupados em bater
clara, fazer marola, para chamar a atenção da sociedade para si e se alavancar
para valorização corporativa.
Induzem-se delatores
premiados prospectivos a gravarem interlocutores de alto calibre político e a
estimularem-nos a revelar versões comprometedoras de tratativas nada
republicanas com empresários.
Depois, entregam-se as
gravações à curiosidade pública, antes mesmo que possam ser avaliadas pelo
judiciário no tocante a sua aptidão probatória.
Ferem-se os princípios da
presunção de inocência e do devido processo legal.
Destroem-se reputações e
interfere-se gravemente no processo político, indispondo a sociedade com o
parlamento e o governo da vez.
Não é preciso ser
constitucionalista para saber que esse tipo de procedimento é incompatível com
o Estado democrático de direito.
Entrementes, juízes se dão o
direito de posar de heróis nacionais, festejando o modo como atuam em seus
processos criminais e de improbidade administrativa. Dão entrevistas, palestras
pagas mundo afora, se empenham para a produção de longa-metragem sobre suas
façanhas jurisdicionais.
Outros magistrados, mais
cínicos, dão decisões claramente seletivas, pela cara do freguês, sem se
portarem com a evidente contradição entre seus votos e com o estrago a sua
própria reputação. Há, ainda, os que se gabam de sua posição política em perfis
de Facebook. O dano que esse modo de proceder está a causar à credibilidade do
judiciário é incalculável e se refletirá por gerações na insegurança jurídica
no país.
A falta de um projeto
nacional de direita e seu desespero de vê-lo mais competentemente desenhado e
implementado por governos populares levou atores políticos inescrupulosos, a
elite brasileira e as carreiras privilegiadas do serviço público, com forte
apoio da mídia comercial, a mobilizarem falsa agenda moralista de combate à
corrupção, com alvos bem identificados à esquerda do espectro político e em que
tudo vale.
É uma guerra sem regras de
engajamento, sem respeito mínimo a standards humanitários. O objetivo é
claramente fulminar os governos populares e seu projeto nacional, para todo o
sempre, ainda que não tenham nada para colocar em seu lugar.
Numa democracia consolidada,
o convívio entre projetos distintos de país é um fato amplamente aceito. O
governo da vez implementa o seu e, na virada eleitoral, a oposição feita
governo, o muda, para adequar melhor a seus objetivos políticos.
Há adversidade com respeito,
porque o revezamento no poder é a rotina saudável das democracias
representativas. No Brasil estamos longe disso. Há verdadeira aversão mortal
pelo projeto da esquerda, que a direita sempre tentou solapar. Há várias razões
para isso.
Existe, antes de tudo, algo
de atávico, ancestral, no desprezo conservador pelo verdadeiro bem comum. A
elite brasileira não se vê como uma parte de um todo, mas como segmento social
diferenciado, incomodado com a péssima vizinhança dos pobres, tidos como feios,
porcos, violentos e preguiçosos. Se pudesse, essa elite lançaria mão de uma
política de extermínio dessa “ralé” abusada, que quer disputar espaço com ela.
Bem que tentou, na segunda metade do século XIX, quando se pôs a “embranquecer”
a população do país com uma política de imigração de europeus. Mas os tempos
eram outros.
Em segundo lugar, há os
ganhadores do modelo espoliatório do Estado brasileiro. Rentistas,
especuladores, atores políticos que vivem da extorsão de facilidades e o
capital financeiro de um modo geral têm acumulado ativos num vulto nunca antes
visto na história do Brasil. Trata-se de um capital ocioso, à falta de
tecnologia e disposição de risco dos empreendedores.
É esse enxame de dinheiro que
pede ser investido para se multiplicar que tem sido responsável por más
práticas na política. Os atalhos de agentes econômicos, sempre buscando o
caminho mais curto para o enriquecimento pessoal, são o mais grave sintoma do
ócio do capital. A mudança para uma cultura do investimento produtivo e
transformador é trabalhosa e mexe com os interesses daqueles que se fizeram no
ócio.
Por isso, uma vez voltados ao
poder, tratam de destruir toda a infraestrutura que fora alocada para a transformação
econômica. São essencialmente antinacionais esses ganhadores do modelo
espoliatório. Acabam-se os projetos sociais e ambientais, os avanços na
educação e na pesquisa, a implementação de uma matriz energética soberana e a
política externa altiva, na busca de oportunidade de negócios competitivos.
A destruição do PT e a de
Lula, em especial, é a cerejinha no bolo da direita política. É o passo final
para garantir a ociosidade permanente do capital e a reprodução perpétua do
regime de rentismo e de apropriação de ativos pelos poderosos.
Para levar adiante seu plano
– já que golpes militares com intimidação, tortura e desaparecimentos forçados
teriam um custo de imagem muito grande – instrumentalizam as instituições do
Estado constitucional em seu favor. A instrumentalização se faz pela captura
das corporações, dando-lhes o brio que tanto almejam. Comportam-se feito burro
a seguir uma cenoura estendida à sua frente com uma vara de pescar. Quem a
estende é a mídia, eternamente servil aos interesses dessa direita do capital
ocioso.
É assim que se explicam
condutas como a de Sérgio Moro, da patota da Lava-Jato e de Rodrigo Janot.
Fazem parte de uma estratégia só, alguns mais conscientes do que outros do
papel que desempenham.
A Justiça política nada mais
é que a Justiça a serviço dessa demolição do projeto nacional da esquerda
brasileira. Depois de desmontar a indústria da construção civil, da engenharia
naval e nuclear, do setor de produção petrolífera, passam à perseguição
daqueles que têm potencial de reverter o cenário de terra arrasada.
Não se espere, por isso, um
processo equilibrado, com respeito às regras do julgamento justo e do devido
processo Legal. A persecução criminal se converteu numa arma de destruição em
massa, na ilusão de erradicar a corrupção, como se esta conseguisse ser vencida
com o estímulo ao capital ocioso. Mas a mensagem criminalizadora cola, de tanto
que é repetida em redes sociais, na televisão, nas rádios e nos periódicos.
A maior ilusão dessa direita
política é, porém, pensar que destruindo Lula e o PT consegue parar a história
a seu favor. Consegue atrasá-la, com certeza, porque ambos têm sido poderosos
instrumentos de transformação social e política no Brasil e reconstruir a base
de atuação para dar seguimento a um projeto nacional dilacerado pelos
interesses rasteiros da elite antinacional tem um custo político e temporal
enorme.
Mas as contradições de nossa
sociedade não morrem com a aniquilação temporária dos sonhos da maioria dos
brasileiros. Os excluídos continuam aí, perdedores do processo de desapropriação
de ativos do Estado e não deixarão de existir com a derrocada de Lula e do PT.
Pelo contrário, as
contradições se acirram e preparam o terreno para a inevitável luta encarniçada
que se seguirá.
Lula e o PT são o caminho
para a transformação democrática e os que contra eles abusam do poder de
intimidação do Estado estão, mesmo que alguns tolinhos o façam
involuntariamente, apostando no caos e na guerra social. Por isso, lutar para
obstar a perseguição de Lula e do PT é defender a democracia e o projeto de um
Brasil soberano que desponte produtivo e competitivo no mundo global.
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