Estudantes da USP podem ser expulsos por decreto editado no regime militar
Três estudantes da Universidade de São Paulo (USP) estão sendo processados administrativamente acusados “de atos de violência” e podem ser expulsos com base em um decreto de 1972, editado durante da Ditadura Militar, que prevê o cumprimento da “moral e dos bons costumes”.
A acusação foi feita após a participação dos alunos em protesto que aconteceu na Cidade Universitária em 28 de maio deste ano, data da Greve Geral contra as reformas trabalhista e previdenciária propostas pelo governo de Michel Temer.
De acordo com o relatório de ocorrências da USP, o ato começou às 6h00, quando sindicalistas, funcionários e estudantes fecharam uma avenida com pneus e faixas. Próximo do horário previsto para encerrar o ato, às 11h40, cerca de cem estudantes começaram a caminhar em direção ao Prédio da Reitoria. Segundo uma das estudantes que estava no protesto, Gabriela Schmidt, neste momento eles foram surpreendidos pela Tropa de Choque da Polícia Militar com jatos de água, bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta.
Gabriela relatou ainda que houve um momento em que alguns manifestantes começaram a correr para tentar fugir da PM, que os perseguia com moto. Após a dispersão de parte dos manifestantes, alguns alunos tentaram derrubar as grades que cercam o prédio, onde fica o antigo espaço de vivência estudantil, conhecido como “Prainha”. Nos documentos do processo, o único dano a ser ressarcido é o cadeado da grade, no valor de R$ 22,95. Já o dano causado a grade, “envolve a inutilização do referido portão e a deterioração do patrimônio público”.
Segundo o relatório da Universidade, a partir desse momento “foi inevitável o confronto para que o patrimônio USP fosse reservado”.
A tentativa, no entanto, foi reprimida pelos policiais e resultou em um estudante e dois policiais feridos. O estudante Gabriel Martins (FEA), que tocava tambor no momento da manifestação, ao tentar dispersar, foi detido pela polícia, agredido e levado para a viatura arrastado pelos cabelos.
Ele é acusado em Termo Circunstanciado pelos crimes de lesão corporal e resistência à prisão. Além disso, junto de Gabriela Schmidt (FFLCH) e Marcos Pomar (ECA), pode ser expulso da Universidade.
Moral e bons costumes
O argumento usado pelo reitor da USP, Marco Antônio Zago, para aplicar a pena de eliminação da Universidade aos estudantes Gabriel, Gabriela e Marcos é que, ao participarem da manifestação eles teriam descumprido as normas de artigos (247 e 250, incisos IV, VII e IX), do decreto 52.906/1972, editado durante o regime militar.
Segundo essas normas, constituem infração disciplinar do estudante:
IV – praticar ato atentatório a moral ou aos bons costumes;
VII – perturbar os trabalhos escolares bem como o funcionamento da administração da USP;
VIII – promover manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, racial ou religioso, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares;
É usado também o Código de Ética da USP, que, em seu artigo 6º, inciso I e VIII, explicita caber aos membros da Universidade agir com moralidade e integridade acadêmica e preservar o patrimônio material e imaterial da Universidade. Além disso, são citados os artigos 21 e 22 que tratam da intolerância com atos de violência que ponham em risco a integridade física e moral de outros e o dever dos membros do corpo discente fazerem bom uso dos recursos públicos que financiam sua formação acadêmica.
Medida autoritária
Embora a medida seja prevista no decreto há mais de 40 anos, a decisão do reitor não foi aplaudida. O Diretório Central dos Estudantes da USP (DCE) classificou como “autoritária e absurda”. “Não é razoável processar e sujeitar estudantes da universidade à expulsão devido à manifestações políticas, ainda mais grave quando a disciplina que exigem é aquela da Ditadura Militar, episódio vergonhoso da nossa história”, diz em nota. Procurada pelo Justificando, a USP não se manifestou até o fechamento desta notícia.
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