terça-feira, 23 de outubro de 2018

Os juízes do Brasil lavam as mãos LAVARAM E LAVAM EM ÁGUAS IMPRÓPRIAS


Os juízes do Brasil lavam as mãos

Rosa Weber, presidenta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse que ninguém deve esperar uma ''solução rápida e eficaz'' contra o esquema de disseminação massiva de mentiras de campanha através contra a candidatura do PT

 
23/10/2018 09:38
(AFP)
Créditos da foto: (AFP)
 
Essa história lembra uma lenda urbana que teria acontecido na Argentina, durante os anos da ditadura: um professor de química teve sua casa invadida por militares devido a uma suposta denúncia anônima. Depois de um tempo vasculhando o local em busca de provas de sua militância esquerdista, e sem ter indício algum de tal situação, um dos fardados encontrou um livro que falava sobre “CUBA HECTOLÍTRICA” (em espanhol a palavra “cuba” não se refere somente ao país comunista, pode significar também “tonel”, ou se referir a recipientes cilíndricos de grande porte, de qualquer material). Ao ver o livro, o comandante da operação deu ordem de prisão ao professor, acusado de envolvimento com Cuba. O educador tentou dizer que o livro e o termo “CUBA HECTOLÍTRICA” se referiam a um manual para a utilização de um recipiente na realização de ensaios químicos, mas não convenceu os militares. Passou seis meses na prisão, tentando explicar o inexplicável.
Um vereador paulistano simpatizante de Bolsonaro afirmou que a Ku Klux Klan é uma organização de esquerda e que os seguidores do candidato atacaram a Igreja Católica “comunista”, em protesto realizado em frente à Catedral de Brasília, porque as colunas estavam iluminadas com luzes vermelhas. O olhar enviesado e enfurecido dos bolsonaristas os impediu de notar que os refletores lançavam luz rosa, não vermelha, sobre as colunas do templo, como parte de uma campanha contra o câncer de mama, na que também foram coloridos por essa cor todos os palácios públicos da capital federal.

As fake news estão fazendo estragos no imaginário político dos adoradores de Jair Bolsonaro, favorito para vencer as eleições presidenciais do próximo domingo (28/10). A propósito, o segundo nome do candidato, Messias, começou a ser usado politicamente por ele em 2016, durante um batismo realizado em Israel, onde foi acompanhado por um pastor evangélico anticomunista.

No domingo (21/10), o diário Folha de São Paulo publicou mais informações sobre o bombardeio de notícias falsas que atingiu milhões de cidadãos antes do primeiro turno eleitoral, realizado no dia 7 de outubro, quando o ex-militar surpreendeu os pesquisadores, obtendo 46% dos votos, cinco pontos mais do que o previsto, contra 29% de Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT) e herdeiro de Luiz Inácio Lula da Silva.

Também no fim de semana, durante uma visita ao estado nordestino do Maranhão, o candidato petista declarou que seu rival “não é um democrata, é um miliciano”, apelido dado aos parapoliciais que atuam em esquadrões da morte, que estão presentes nas favelas das grandes capitais.

Haddad tem dedicado esta última parte da campanha do segundo turno a denunciar o esquema de fraude eletrônica financiado por empresários de ultradireita, motivo que fundamentou seu pedido de impugnação da candidatura de Bolsonaro, apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Provavelmente, o formato principal desta tempestade de fake news foi desenhado pelo ex-assessor de Donald Trump, Steve Bannon, que após trabalhar para a vitória do magnata do Partido Republicano, em 2016, passou a se dedicar à formação de uma internacional da extrema direita “alternativa”.

Nessa frente neofascista, Bannon inclui, além de Trump e Bolsonaro – definido recentemente como “um dos nossos” por um dos líderes da Ku Klux Klan –, a vários movimentos radicais europeus.

A ministra Rosa Weber, presidenta do TSE, convocou uma coletiva de imprensa no mesmo domingo (21/10), para dizer que ninguém deve esperar uma “solução rápida e eficaz” contra o problema das mentiras disseminadas através do WhatsApp.

Ou seja, o Poder Judiciário atuará com desdém diante de um aparato que influiu na votação do primeiro turno presidencial, e que provavelmente repetirá a manobra para a votação que se realizará dentro de seis dias.

A vitória de Bolsonaro, se confirmada a projeção da maioria das pesquisas, será recordada pelos favores que o candidato recebeu do Judiciário. Juízes de diversas instâncias proscreveram o candidato favorito, Lula da Silva em tempo recorde, quando este tinha 40% das intenções de voto, contra 20% do capitão reformado, e toleraram o funcionamento de uma fábrica de fake news que “disparou centenas de milhões” de mensagens apócrifas, segundo um rigoroso artigo da Folha de São Paulo.

“Estamos frustrados com esta indulgência”, disse Fernando Haddad, se referindo à postura dos magistrados a respeito da propagação de mentiras através das redes sociais.

Outra omissão judicial tem a ver com o ativismo de milhares de pastores pertencentes às correntes neopentecostais, principalmente a Igreja Universal do Reino de Deus, cujo plano terrenal é conquistar o poder no Brasil. A promessa está registrada no livro escrito por seu principal líder, o bispo televisivo Edir Macedo.

O teólogo Frei Betto denunciou que Bolsonaro contou com a cumplicidade de grupos evangélicos vinculados aos Estados Unidos. Em entrevista ao programa “Vozes do Mundo”, do portal Sputnik, ele afirmou que o apoio das cada vez mais populares seitas neopentecostais, que converteram milhões de católicos nas últimas décadas, está unido a compromissos políticos que terão consequências diplomáticas se a extrema direita assumir o governo, a partir de janeiro de 2019. “É possível que Bolsonaro rompa relações com Cuba e Venezuela, e mude a representação diplomática do Brasil em Israel para a cidade de Jerusalém, copiando Trump”, declarou Betto.

*Publicado originalmente no Página/12 | Tradução de Victor Farinelli

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