domingo, 18 de abril de 2021

40 vezes impeachment

 

40 vezes impeachment


Na semana em que alguns generais celebraram os 57 anos do golpe militar de 64 – entre eles o vice-presidente Hamilton Mourão – Bolsonaro re-demitiu os comandantes militares depois que eles colocaram os cargos à disposição em protestos contra o presidente. Conseguiu causar a maior crise militar desde a redemocratização, mas o ganho prático na data que lhe é tão querida foi pouco. Alguns grupos de malucos foram para a frente de quartéis, o Clube Militar emitiu uma nota parecida com diversas outras, e a Ordem do Dia não difere, em teor, das notas publicadas pelo ex-Ministro da Defesa, Fernando Azevedo, que desde 2019 determinavam que se “celebrasse” a data de 31 de Março. 

O principal ponto da nota teve a mão do novo Ministro da Defesa, o general Braga Netto, e indica que ele se alinha a Bolsonaro na tentativa de demonstrar que as Forças Armadas são “do presidente”. Retirou da Ordem do Dia justamente um trecho que reafirmava a função das forças como instituição de Estado, segundo a Folha. Mas é notório que, dessa vez, a Ordem do Dia foi sem a assinatura dos comandantes, como nos anos anteriores. Braga Netto ficou só no seu ato de estreia.    

Com o quiprocó, Bolsonaro conseguiu o que queria: trazer de volta antigos pesadelos de tanques nas ruas etc. Mas, sem perceber, conseguiu outra coisa, também, como bem resumiu o historiador Francisco Teixeira, professor da UFRJ e professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). “Desde que o Bolsonaro chegou ao poder, ele colocou o 31 de Março de 64 numa vitrine de novo”, disse o professor quando o entrevistei. “Isso era tudo o que o Exército não queria. Começou a ser discutido desde tortura até leite condensado”. 

Assim, mal se sentou na cadeira de ministro, Braga Netto recebeu uma convocação da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados para prestar esclarecimentos sobre compras de filé mignon, leite condensado e outros “supostos indícios de superfaturamento” pelas Forças Armadas. O general tem que comparecer em até 30 dias, ou comete crime de responsabilidade.
      
Por outro lado, no dia do golpe de 64, mais de 40 grêmios estudantis resolveram lançar uma iniciativa inédita, um “impeachaço”, protocolando dezenas de pedidos de impedimento do presidente, uma homenagem reversa aos generais que tomaram o poder por 21 anos, celebrando este instrumento democrático.
 
Liderados pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, da faculdade de direito da USP, os estudantes foram engenhosos: criaram um texto-base para pedidos de impeachment que lista “atentados aos direitos fundamentais à vida e à saúde dos brasileiros”, “atentados à probidade administrativa, decorrentes do desperdício de recursos valiosos em tratamentos comprovadamente ineficazes contra o novo coronavírus” e “atentados à dignidade, ao decoro e à honra do cargo”. No site coletivo, qualquer cidadão pode usar esse texto, editá-lo e enviar para a Câmara dos Deputados.
 
Com a ação dos estudantes de acrescentar mais 40 pedidos à leva, Bolsonaro, que já é o presidente que mais recebeu pedidos de impeachment na história do Brasil, deverá ter mais de cem documentos assentados na mesa do presidente da Câmara dos Deputados.  
    
O que mais me marcou foi a explicação do estudante Erick Araújo, de 21 anos, do Centro Acadêmico XI de Agosto, em entrevista à nossa repórter. “A ideia de articular isso com os centros acadêmicos do curso de direito partiu da necessidade de uma janela de reflexão para os próprios alunos de direito sobre para que servem esses instrumentos jurídicos e como a gente pode usar esse instrumento de pressão”. 

Sem querer, as atitudes de Bolsonaro permitiram uma aula prática de direito aos estudantes de direito de todo o país. Em pleno aniversário do golpe. 


Natalia Viana, co-diretora da Agência Pública 

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Pauta Pública. No episódio especial de aniversário, nossas fundadoras, Marina Amaral e Natalia Viana, contam histórias e segredos sobre os 10 anos da Pública, e falam sobre o presente e o futuro do jornalismo no Brasil. Se ainda não ouviu, ouça agora o 13º episódio do podcast Pauta Pública. 

O que você perdeu na semana


Novo auxílio emergencial. Estudo do Insper divulgado pela BBC aponta que novo auxílio emergencial não é suficiente para cobrir a linha da pobreza e atender as necessidades básicas dos beneficiários em nenhum estado do país. Limitado a um benefício por família, o auxílio será pago em quatro parcelas com valores de R$ 150, R$ 250 ou R$ 375, dependendo do número de membros. Em Estados onde a linha de pobreza é mais baixa, o valor mínimo para cobrir as necessidades básicas é R$ 154 por pessoa.

Privilégio militar. Levantamento feito pela piauí com base em dados do orçamento federal mostra que, em 2020, o sistema hospitalar das Forças Armadas recebeu 3,3 bilhões de reais dos cofres públicos. No entanto, os hospitais das Forças Armadas, quase todos de uso exclusivo dos militares e suas famílias, não atenderam cidadãos comuns em meio à pandemia e ao colapso da rede pública.

Suspeição no caso Samarco. O Ministério Público Federal pediu a suspeição do juiz da 12ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte, Mário de Paula Franco Júnior, responsável por julgar os processos envolvendo a tragédia de Mariana. O pedido aponta relacionamento inapropriado do juiz com as partes para a criação do Sistema Indenizatório Simplificado, que favoreceria as empresas.

 

Últimas do site
 
Ataques nas redes. Após pedir para que seus seguidores denunciassem médicos que recomendam medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19, como ivermectina e cloroquina, o Sleeping Giants Brasil passou a sofrer ataques nas redes sociais. Perfis com comportamento similar ao de robôs espalharam no Twitter a hashtag “Sleeping Giants Genocida”. Além dessas contas, o site bolsonarista Terça Livre, de Allan dos Santos, o portal Brasil Sem Medo, ligado a Olavo de Carvalho, e jornalistas da Jovem Pan que apoiam o presidente também compartilharam a campanha.

Influenciadores do "atendimento precoce". Documentos obtidos pela Pública via Lei de Acesso à Informação mostram que, desde o início da pandemia, a Secom e o Ministério da Saúde gastaram mais de R$ 1,3 milhão em ações de marketing sobre a pandemia com influenciadores. Em janeiro, o governo contratou quatro influenciadores digitais para divulgar o "atendimento precoce" contra a Covid-19, por um total de R$ 23 mil. Nenhuma das campanhas pagas com dinheiro público mencionava isolamento social.

Ataque a indígenas no MS. Socos, pontapés, coronhadas e tiros com armas “tipo espingarda". Indígenas dos povos Guarani e Kaiowá denunciam ataque sofrido em Aral Moreira, no Mato Grosso do Sul, mesma região onde o cacique Nísio Gomes foi assassinado em 2011. Eles atribuem as agressões a funcionários de fazenda vizinha cujo dono foi denunciado pelo homicídio do cacique. A área de conflito permanente aguarda a demarcação do território para os indígenas, mas o processo está parado na Funai desde 2012.

Violações nos presídios. Denúncias de violações de direitos no sistema prisional aumentaram 82% em relação ao mesmo período no ano passado, segundo levantamento da Pastoral Carcerária. Queixas recorrentes envolvem negligência à saúde, agressões físicas, e precariedade da alimentação e das condições de higiene. Com o cancelamento das visitas devido à pandemia, familiares ficam meses sem ter notícias dos parentes.
Pare para ler

Lado obscuro da palma. A produção de óleo de palma se expande na Amazônia, propagandeada pelos produtores como sustentável e ecologicamente correta. No entanto, o Ministério Público acusa as empresas produtoras de um longo histórico de grilagem de terras, desmatamento, poluição e violação de direitos humanos no Pará. Reportagem da Mongabay presenciou despejo de resíduos tóxicos em rio que abastece comunidades indígenas próximas das usinas.
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