domingo, 18 de abril de 2021

Prevent Senior: médicos dizem que foram obrigados a trabalhar contaminados e prescrever 'kit Covid'

 

Prevent Senior: médicos dizem que foram obrigados a trabalhar contaminados e prescrever 'kit Covid'

Redação Notícias
·4 minuto de leitura
Hidroxicloroquina é um dos medicamentos receitados (George Frey/AFP via Getty Images)
Hidroxicloroquina é um dos medicamentos receitados (George Frey/AFP via Getty Images)
  • GloboNews recebeu denúncias de médicos que trabalharam na linha de frente da operadora no combate à Covid-19

  • Eles relataram que eram obrigados a receitar remédios sem eficácia comprovada, o que está sendo investigado pelo MP

  • Dois deles informara, também, que receberam ordens de seus superiores para trabalharem mesmo estando contaminados com o vírus

Médicos que trabalharam na linha de frente no combate à pandemia pela Prevent Senior denunciaram uma rotina de abusos de uma das maiores operadoras de saúde do país. Em relatos à GloboNews, revelaram, entre outros fatos, que eram obrigados a trabalhar mesmo contaminados com o vírus e a prescrever remédios do “kit Covid”.

O veículo conversou com cinco médicos que trabalharam para a empresa. Três deles aceitaram gravar entrevistas, desde que não fossem identificados. E dois informaram que tiveram de trabalhar em plantões mesmo após serem diagnosticados com o vírus.

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“Aconteceu algumas vezes, inclusive comigo. Eu estava com Covid-19, tive o diagnóstico, enviei mensagem ao meu coordenador, mandei o exame. Ele pediu que eu fosse para o plantão e que repetisse o exame lá. O exame foi feito lá, também, e confirmou que eu estava com Covid-19, mas ele pediu para eu continuar trabalhando mesmo assim. Eu não tinha escolha de ir para casa, e continuei trabalhando pelo menos uns cinco dias com Covid-19”, disse um dos profissionais.

Conversas de WhatsApp às quais a GloboNews teve acesso comprovam os relatos destes médicos e mostram a pressão feita por seus superiores, que também os obrigavam a receitar remédios presentes no “kit Covid” e que já foram inclusive descartados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no combate ao vírus.

Além de hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina, a operadora ordenava que seus funcionários prescrevesse flutamida, indicada apenas para combate ao câncer de próstata. Trata-se de uma substância perigosa, inibidora de hormônios masculinos, que pode causar hepatite fulminante.

Diretor da empresa ordenava prescrição da substância - Foto: Reprodução/GloboNews
Diretor da empresa ordenava prescrição da substância - Foto: Reprodução/GloboNews

O remédio era comercializado para o combate a acne até 2004, quando a Anvisa emitiu alerta para que ele não fosse utilizado para nenhuma outra finalidade depois da morte de quatro mulheres, justamente de hepatite. Desde então, consta na bula que a substância não deve ser utilizada por pessoas do sexo feminino.

“Eu deixei de prescrever um único dia e acabei sendo chamado pela diretoria com orientações bem claras de que deveria prescrever a medicação. E o que ficava implícito era que se não fizesse isso, estaria fora do hospital”, contou uma médica.

Diversas mensagens às quais o veículo teve acesso mostram superiores cobrando a prescrição dos remédios do kit. Uma delas, enviada em novembro por um diretor da empresa, pede que os funcionários voltem a “fortalecer a indicação de tratamento precoce”.

“Autonomia zero. Você não tem escolha de deixar de prescrever a medicação. Se não prescreve, vai ser demitido. Eu não prescreveria isso para meus pais, porque estou prescrevendo para outras pessoas?”, questionou um médico

Segundo os denunciantes, não havia autonomia sequer para decidir quais pacientes seriam internados. “A gente precisa fazer o que nossos superiores ordenam a gente. Já presenciei caso, comigo mesma, de estar precisando internar um paciente, e um coordenador passou e falou assim: ‘Esse paciente não é para internar, por que você está internando?’.”

Operadora já está sendo investigada

No último dia 24, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) abriu investigação justamente para apurar a prescrição de medicamentos não-indicados para combate à Covid-19 pela Prevent Senior, após receber uma denúncia anônima com outra mensagem de um diretor da empresa recomendando o uso da flutamida.

Pacientes com Covid-19 muitas vezes sequer sabiam dos remédios receitados (AP Foto/Felipe Dana)
Pacientes com Covid-19 muitas vezes sequer sabiam dos remédios receitados (AP Foto/Felipe Dana)

“Bom plantão a todos. Enfatizo a importância da prescrição da flutamida 250mg de oito em oito horas para todos os pacientes que internarem”, diz o texto.

Resposta da Prevent Senior

Em nota à GloboNews, a Prevent Senior negou ter influenciado seus médicos a prescreverem qualquer medicamento e afirmou que “jamais os coagiu a trabalharem doentes”.

“A Prevent Senior jamais coagiu médicos a trabalhar doentes, o que foi atestado recentemente por vistorias de conselhos de classe. Todos os profissionais prestadores de serviço afastados, aliás, continuaram a receber salários. Sobre os tratamentos, a empresa dá aos médicos a prerrogativa de adotar os procedimentos que julgarem necessários, com toda a segurança e eficiência e sempre de acordo com os marcos legais, notadamente seguindo as diretrizes do Conselho Federal de Medicina. Entretanto, como a Prevent Senior não teve acesso aos supostos documentos obtidos pela Globonews, não pode esclarecer detalhadamente os questionamentos", diz o texto.

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