terça-feira, 29 de novembro de 2016

Na morte de Fidel

28/11/2016 10:39 - Copyleft

Na morte de Fidel

É urgente um verso vermelho com todas as cores do arco iris e o vento natural do universo.


Boaventura de Sousa Santos
reprodução
É urgente um verso vermelho
que suspenda a animação deste desastre
pensado para durar depois do inverno
 
É urgente um verso vermelho
com todas as cores do arco iris
e o vento natural do universo





 
É urgente um verso vermelho
que ponha de novo em movimento os comboios da imaginação
azeite puro em manivelas de razão quente
o peso da história de novo levíssimo
a rodar sobre perguntas livres e ruínas vivas
a paisagem mudar primeiro lentamente
enquanto vão entrando vozes ainda submersas
e corpos mal refeitos da desfiguração da guerra e do comércio
das crateras e promoções
 
É urgente um verso vermelho
que desate os nós da memória e do medo
e resgate os rios da rebeldia
a palavra cristalina inabalável
inconfundível com as mordaças sonoras
à venda nos supermercados da ordem


É urgente um verso vermelho
para anunciar barco polifónico da dignidade
pronto a navegar
os rios libertos das barragens calcinadas
dos sistemas de irrigação industrial da alma
 
É urgente um verso vermelho
uma luz manual portátil que vá connosco
sem esperar a que virá no fundo do túnel se vier
porque a cegueira da viagem é sempre mais perigosa
que a da chegada
talvez só entrega
talvez só paragem
 
É urgente um verso vermelho
que trace um território inacessível
aos vendedores de mobílias espirituais
e turismo de acomodação
 
É urgente um verso vermelho
vinho de bom ano para acompanhar
sonhos sãos e saborosos
preparados em brasas de raiva e a brisa da alegria
 
É urgente um verso vermelho
sem solenidades nem códigos especiais
para devolver as cores ao mundo
e as deixar combinar com a criatividade própria dos vendavais


Créditos da foto: reprodução

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