A República
inaugurada em 1988 está de joelhos
Roberto Amaral
A crise institucional está instalada, e
o País à beira do caos. Crise alimentada por um STF irresponsável, um Congresso
sem representatividade e impopular, e a presidência da República chefiada por
um presidente ilegítimo, frágil e tíbio. Todas as condições estão dadas para o
impasse em que afinal nos metemos.
A economia se deteriora a olhos vistos.
A recessão transmuda-se em depressão e não há perspectiva de restauração no
curto prazo. A promessa de recuperação econômica realizou-se como fraude:
informa o IBGE que o PIB encolheu 2,9% no terceiro trimestre, dando
continuidade a uma sequência de dez meses de queda.
Pela sétima vez são reduzidas as
projeções do PIB. Devemos chegar ao final do ano com uma retração de 3,43%.
Nenhum setor da economia está respondendo aos paliativos governamentais. Os
investimentos privados, cuja atração era o passaporte para todas as maldades,
caíram 29%. O BNDES reduziu seu desembolso em 35%.
Com exceção do agronegócio, o quadro
geral é de redução da atividade econômica em todas as áreas e setores, com
destaque para a o setor industrial, o que mais sofre na depressão. Segundo a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
do IBGE, o desemprego em dezembro é de 12% e tende a continuar em alta. A
burguesia industrial dá sinais de inquietação, pois já vê no final do túnel um
Brasil próximo da tragédia grega, afundado na depressão, a outra face de nossa
inépcia e da opção neoliberal pela inserção subordinada na globalização.
A federação se esfacela com a falência
generalizada de Estados e municípios. Minas Gerais e Rio Grande do Sul já
declararam ‘calamidade financeira’; no Rio de Janeiro a crise, aguda, é
financeira, administrativa e moral e caminha para a convulsão social, fomentado
pela falência da administração pública, mas alimentada igualmente por uma
repressão policial que lembra os piores momentos da ditadura militar.
Para 2017, a indústria paulista prevê
uma nova leva de 150 mil desempregados. O desemprego cresce em nível assustador
em todo o país e a resposta do governo é aumentar o arrocho: reforma da
Previdência, penalizando o trabalhador; ‘flexibilização’ da CLT; terceirização;
redução dos investimentos por 20 anos. É o fracasso rotundo do reajuste.
O plano político, reflexo, é igualmente
desolador: a crise dos Poderes e das instituições se faz acompanhar pela crise
dos partidos e da representação. Em seis meses, uma presidente da República,
eleita, é substituída, pelo Congresso, por um presidente sem voto, seis
ministros de Estado são demitidos por corrupção (e na raia mais dois esperam
sua vez, um deles já com seus bens bloqueados pela Justiça); o presidente da
Câmara é afastado pelo STF que também afastou de suas funções, em decisão pelo
menos polêmica, o presidente do Senado Federal, para logo restituí-lo de modo
também pouco ortodoxo, separando o cargo de presidente do Senado da pessoa de
Renan Calheiros, para fim de avaliação dos critérios de moralidade e probidade
administrativa. Quando o círculo se fechará?
A preeminência do Judiciário, em sua
fase de protagonismo populista, não encontra freios na esfera da legalidade,
pois não há mais poderes que lhe possam fazer face. Corre solto como potro
selvagem no campo limpo, sem rédeas, sem limites, num trote de ziguezagues.
O STF, outrora guardião da Constituição,
é o primeiro a ofendê-la. Outrora guardião da ordem, é o primeiro a instaurar a
insegurança jurídica, com seguidas decisões temerárias, de discutível
fundamento constitucional, e seus membros se dão ao luxo de, entre uma
vilegiatura e outra, uma viagem e outra, um passeio e outro, um convescote e
outro, uma palestra aqui outra acolá, um chope no shopping da moda, palestras
nas entidades patronais, tudo fora de Brasília, se digladiarem, em plenário e
na troca de farpas em entrevistas à imprensa que os incensa e os inebria.
A política, o espaço legítimo e próprio
para a construção dos consensos, foi judicializada, depois de desmoralizada
como instrumento de realização do bem comum. A direita grita morte à política,
anatematizada como responsável pela crise, estrutural, cevada por séculos de
exploração de um capitalismo predador, pelo reinado de uma classe dominante
alheia aos interesses de seu país e de sua gente.
Esse quadro de acefalia, disfunção
administrativa e conflito entre os poderes, assentado sobre uma crise econômica
das mais graves, é inédito em toda a história recente e indica o esgotamento da
República inaugurada pela espezinhada (até pelo STF!) Constituição de 1988.
O regime está de joelhos. Não se trata
mais de intentar a salvação do doente terminal, mas de estabelecer sua sucessão
mediante uma repactuação, difícil, dificílima, mas ingente e urgente em país
dividido politicamente, no qual as forças em antagonismo são levadas ao paroxismo.
As lideranças políticas nacionais
sobreviventes, de todos os matizes, precisam agir enquanto há o que fazer. São
chamadas a negociar e construir, para além das divergências de hoje – se
pretendem salvar-se, salvando a via política – um programa de transição, desta
para uma nova República, sem ruptura democrática. É o que o país pede, a crise
exige, porque os riscos institucionais são a realidade cotidiana de nossos
dias.
Toda e qualquer alternativa, de curto a
médio prazos, porém, passa pela eleição direta antecipada do presidente da
República. Só ela emprestará legitimidade, e só um líder ungido pela vontade da
soberania popular poderá reconciliar o país e conduzi-lo na longa travessia que
se avizinha, sem indicar ainda porto seguro.
Se a eleição direta é conditio sine qua non para a saída
institucional, a questão que a realidade põe de manifesto é como chegar a ela
preservando a ordem constitucional desafiada pelo Judiciário judicante, pelo
Executivo inepto, pelo Legislativo desapartado da sociedade. Como realizar
eleições realmente livres e limpas sem uma reforma eleitoral profunda, sem a
democratização dos meios de comunicação de massas, e como realizar tudo isso
com esse Congresso, esse que temos?
Para tanto, é fundamental abrir o
diálogo entre contrários, retirar da pauta propostas econômicas e sociais não
legitimadas pelo voto popular, para que possa ser construído um ambiente
próprio ao entendimento.
Uma vez mais, para o nosso campo, a
alternativa está nas ruas. Na mobilização popular. Foi a mobilização popular
que impôs à ditadura a Anistia, foi a mobilização popular que implodiu o
Colégio Eleitoral que a ditadura criara para eleger seu delfim em 1984. Foi o
povo nas ruas que assegurou a convocação da Constituinte. Mas, antes, é preciso
ganhar as ruas, pois hoje a direita também nelas se manifesta, clamando por
retrocessos inimagináveis há pouco tempo.
A tarefa fundamental que hoje se coloca
para as forças progressistas é assegurar, até como instrumento para solução da
crise, a continuidade da ordem democrática.
Fonte: Blog do Roberto Amaral
Nenhum comentário:
Postar um comentário