Saul Leblon
Por que o golpe se despedaça na sarjeta
como um bêbado trôpego, sem que ninguém consiga recolocá-lo de pé e apesar da
extrema boa vontade da mídia e do mercado com esse frango desossado que se
amarrota sob o próprio peso?
Falta ao bêbado golpista algo que não se
improvisa quando um ciclo de crescimento de uma nação se esgota e outro pede
para ser construído: um projeto pactuado de futuro no qual a maioria da
sociedade se enxergue e com o qual se identifique.
O oposto ocorre no Brasil agora - na
verdade já ocorria desde 2012 quando se esgotou o fôlego contracíclico do
Estado brasileiro e a desordem neoliberal no mundo não deu sinais de
arrefecimento.
Se o PT demorou a perceber o esgotamento
de uma era do capitalismo desregulado, e que os bons tempos de comércio mundial
crescendo o dobro do PIB não voltariam mais, o golpe foi além.
Continuou a apostar na autossuficiente
restauração de um neoliberalismo tardio, enquanto seus fundamentos
estrebuchavam no plano mundial, em altos decibéis a partir da vitória de Donald
Trump nos EUA.
A aliança da mídia com a escória, o
dinheiro e o judiciário tucanizado foi urdida para derrubar o PT.
O
grande consenso dos derrotados em 2002, 2006, 2010 e 2014 teve notável eficácia
nesse impulso.
A bem da verdade, contou com a ajuda de
um alvo desgastado mas, sobretudo, mortalmente vulnerável por não ter se
organizado para o embate de vida ou
morte que viria, como veio e o derrotou sem resistência.
A derrota petista - 'sem um tiro', como
admitiu Lula - revelou outra ilusão não menos desastrosa em seu algoz.
A propaganda midiática de que a
restauração da confiança dos mercados no governo faria o resto embriagou os
golpistas que agora tropeçam e desabam na sarjeta dos bêbados da história.
Os que assaltaram o poder num processo
iniciado em 2 de dezembro de 2015, quando Eduardo Cunha, então presidente da
Câmara, acolheu o pedido de impeachment contra Dilma Rousseff, não formavam
mais que uma turba antipetista, antissocial e antinacional.
Não é pouco quando se trata de fazer
estrago na democracia e revogar a vontade de mais de 54 milhões de eleitores
Mas é insuficiente para compor uma nova
espinha dorsal feita de respostas históricas articuladas e fortes o suficiente
para estruturar um novo pacto de desenvolvimento.
A crença cega nas virtudes
autossuficientes dos livres mercados ficou à espera que os capitais afluíssem
em massa e os investidores fizessem filas nas Bolsas e nos ministérios
encarregados de concluir o serviço privatizante iniciado pelo PSDB nos anos 90.
Não aconteceu e não acontecerá: nenhum
governo que rasteja e reprime sua gente com o furor insustentável será
reerguido pelas mãos dos mercados.
Claramente um condomínio de oportunistas
e oportunidades, desprovidos de um projeto de futuro dotado de força e
consentimento para reordenar o destino da economia e da sociedade, a aventura
golpista tropeça e rodopia como um joão-bobo no meio fio da desordem mundial e
ao sabor dela.
Os interesses que se acomodavam no
grande ônibus do antipetismo, uma vez concluída a fase alegre dos consensos,
digladiam-se agora para decidir o rumo seguinte da viagem, quem vai dirigi-la,
quem cobrará as passagens e quem sentará na janelinha.
Reina o furdunço enquanto a sociedade e
a economia se dissolvem.
Em menos de cem dias, a autofagia dos
apetites díspares derrubou uma Presidenta da República, um presidente da Câmara
e colocou a cabeça do Presidente do Senado na linha da guilhotina. A fila pode
andar com a cabeça do seu algoz, o ministro Marco Aurélio, caso prevaleça a
vontade de seu companheiro de toga, Gilmar Mendes.
É interminável o corredor da morte num
projeto que se tornou refém da capacidade de mobilização da extrema direita,
dopada pela demência histórica dos justiceiros da Lava-Jato.
O resto é o horror que se sucede na
crônica dos dias que rugem.
Num Brasil que enfrenta uma queda de 30%
na taxa de investimento, comparado o 3º trimestre de 2013 com o de 2016, há
obras paralisadas por conta da Lava-Jato que já custaram R$ 55 bilhões - o
equivalente a tudo o que o governo conseguiu arrecadar com a anistia aos
depósitos no exterior.
É só um dos sumidouros por onde a nação
escorre.
A industrialização se dissolve, mas os
formuladores do vale tudo se preparam para extinguir a exigência de conteúdo
nacional na exploração das reservas do pré-sal - talvez o último impulso
industrializante capaz de erguer uma ponte entre a defasagem tecnológico
nacional e a quarta revolução industrial em curso no mundo...
A única forma de deter esse comboio
irrefletido é opor ao desvario um projeto de repactuação negociada do
desenvolvimento.
Em vez da lógica bêbada dos golpistas,
uma frente única de sobriedade política e responsabilidade histórica para
devolver aos brasileiros a experiência inestimável de reassumir o comando do
seu destino e acreditar nele.
Sem isso, o golpe que cai arrastará o
conjunto da sociedade para uma ressaca histórica desesperadora.
www.cartamaior.com.br 07/12/2016
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